Implementação de juiz de garantias é inviável, critica ACM

O juiz Daniel Carneiro preside a Associação Cearense de Magistrados Foto: Natinho Rodrigues

Para o presidente da Associação Cearense de Magistrados, Daniel Carneiro, a medida foi introduzida no pacote anticrime de forma irresponsável pelo Congresso, que não levou em consideração os impactos em curto prazo

A dez dias para começar a valer a implementação do juiz de garantias, magistrado responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e salvaguarda dos direitos fundamentais do acusado, a classe jurídica tem se mostrado preocupada com a medida sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro no dia 24 de dezembro do ano passado, junto com outras regras do pacote anticrime. O motivo? Falta de recursos e de pessoal nos tribunais para desempenhar o papel, conforme aponta o presidente da Associação Cearense de Magistrados (ACM), Daniel Carneiro.

Hoje, um juiz é responsável por julgar um processo. Com a nova lei, cada ação teria que ser acompanhada por dois magistrados – o responsável pelo caso e o juiz de garantias, que pode divergir da decisão do primeiro. Para Carneiro, a medida é inviável pelo déficit que a Justiça brasileira já enfrenta atualmente. No Ceará, reitera ele, não é diferente.

“A Magistratura, de forma majoritária, não é contra a ideia do juiz de garantias. Mas, evidentemente, é contra como ele foi instituído, sem nenhum estudo de impacto orçamentário, porque na medida em que dou novas atribuições, vou precisar criar novos cargos de juiz ou remanejar de uma comarca para outra”, explica.

Vagas

Ainda conforme Daniel Carneiro, somente no Ceará, há aproximadamente 86 cargos de juízes vagos – fora o déficit. Por conta da demanda, em 2019, o Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) abriu concurso para a contratação de 100 juízes leigos. No entanto, segundo o presidente da ACM, não há recursos para chamar “nem 50, mesmo com mais de 80 cargos vagos”.

Ele ressalta, ainda, que o orçamento do Poder Judiciário cearense é o menor do País per capita (por pessoa). “Se na nossa própria realidade nós não temos condições de preencher quadros existentes, imagina com essa nova função de juiz de garantias, que demandará mais cargos. Como fazer isso?”, questiona. Para o magistrado, a medida foi introduzida no pacote anticrime “de forma irresponsável”, pelo Congresso Nacional, que não levou em consideração os impactos de sua implementação.

“O Congresso Nacional queria implantar isso, tudo bem, é uma opção política do legislador. Ele tem liberdade para fazer. Agora, o fizesse de forma mais séria. Em casos que envolvem alteração no Código Penal, a Magistratura deveria ser convidada para dar opinião política”, argumenta, salientando que a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) já ajuizou uma ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF) para barrar a medida. Outras instituições e até o procurador-geral da República, Augusto Aras, têm criticado a medida.

Reestruturação

Em paralelo às medidas em aplicação em âmbito nacional, o Tribunal de Justiça do Ceará deve iniciar nos próximos dias uma reestruturação do sistema judiciário estadual, que busca, segundo a Corte, modernizar, desburocratizar e garantir mais celeridade aos processos.

Entre as principais mudanças, estão a redução do número de comarcas pequenas no Interior, agrupando-as a equipamentos maiores da região na qual estão instaladas. Além disso, também estão previstas pelo TJCE a implementação de videoconferências em audiências, a virtualização de todos os processos (que começou a ser implementada desde o dia 13 de dezembro), entre outras.

Sobre esse ponto, Daniel Carneiro faz uma avaliação positiva. Ele justifica que, para a reestruturação, foi apresentado estudo técnico aos magistrados, com todos os impactos e medidas que serão adotados para melhorar o trabalho dos juízes e oferecer um melhor serviço à população.

“O TJCE nos apresentou um planejamento sério, com base em dados profissionais e estatísticos dos últimos anos, e nos prometeu que, com essa agregação (de comarcas e de juízes), seria ofertada uma melhor estrutura de trabalho para receber um maior fluxo (de processos)”, ressalta.

Para o juiz Daniel Carneiro, se tudo for executado conforme o planejado, a reestruturação tende a melhorar o Judiciário cearense. Caso contrário, as medidas irão dar mais morosidade à Justiça.

Acelerar trâmite é o maior desafio

À frente da Associação Cearense dos Magistrados (ACM) durante o triênio 2020-2022, o juiz Daniel Carneiro enfatiza que melhorar as condições de trabalho dos magistrados cearenses é o maior desafio para acelerar o trâmite de processos no 1º grau.

“Esse é o mais carente de investimentos. A maior taxa de congestionamento (de processos) é a nossa”, afirma. Ele explica que, mesmo com melhorias implementadas no Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), como a concessão de um assessor para quase todos os juízes, o processo ainda é demorado.

“De 2017 para cá, só essa mudança foi responsável por aumentar, anualmente, em mais de 20% a produtividade, mas nós queremos pelo menos dois assessores para cada juiz”, reforça.

Confira matéria do site Diário do Nordeste.

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