Como a Presidência, a atual diplomacia parece desconhecer a importância do setor. Ou bilhões de dólares e milhares de empregos perderam importância?
Mais uma grande safra de dólares será colhida em 2020 pelo agronegócio, setor de maior sucesso no comércio exterior, se nenhum desastre natural ou político atrapalhar as exportações. O risco político, o mais temível neste momento, está situado em Brasília, mais precisamente, na Presidência da República e nos Ministérios de Relações Exteriores e do Meio Ambiente. Nomes conhecidos e respeitados nas áreas da política agrícola, da pesquisa agropecuária e do agronegócio, incluído o ex-ministro Alysson Paulinelli, pedem ao governo muito cuidado em relação à crise até agora protagonizada pelos governos dos Estados Unidos e do Irã. O Oriente Médio é um grande parceiro do Brasil no comércio de alimentos, lembrou Paulinelli. “Temos muitos interesses lá.” Advertências como essa foram publicadas ontem pelo Estado. No mesmo dia o governo anunciou a expectativa de um novo recorde na produção de grãos e oleaginosas – itens como soja, milho, algodão, arroz, feijão e trigo.
A safra poderá chegar a 248 milhões de toneladas, se os fatos confirmarem as projeções da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), vinculada ao Ministério da Agricultura. Nesse caso, o total colhido será 2,5% maior que o da temporada anterior. A área plantada terá crescido 1,5%. Mais uma vez, como ocorre há décadas, o aumento da produção será bem maior que o da terra usada no cultivo. Essa é uma das características mais notáveis da agropecuária brasileira: amplia-se o volume produzido poupando terra e contribuindo, portanto, para a preservação do ambiente.
No Brasil, o agronegócio – o verdadeiro, com presença em todo o mundo – combina produtividade, competitividade e respeito à natureza. Essa característica foi reconhecida internacionalmente por muito tempo. A imagem brasileira começou a mudar quando o presidente Jair Bolsonaro e alguns ministros passaram a renegar os padrões internacionais do conservacionismo, a negar dados produzidos cientificamente e a rejeitar as ações tradicionais de preservação ambiental. Com esse comportamento, presidente e ministros comprometeram a imagem dos produtores brasileiros e deram argumentos a defensores do protecionismo comercial na Europa e em outras áreas.
Igualmente contrária ao agronegócio brasileiro e aos interesses nacionais tem sido a ação ideológica da diplomacia. O presidente Bolsonaro assumiu o governo criando problemas com a China e vários países muçulmanos, grandes compradores de produtos agropecuários brasileiros.
Uma das tolices mais notórias foi a promessa de mudar a embaixada do Brasil em Israel de Tel-Aviv para Jerusalém. Esse erro foi corrigido, mas o governo insistiu em continuar exibindo um ingênuo e custoso alinhamento às políticas do presidente Donald Trump. O governo voltou a tropeçar com a publicação, pelo Itamaraty, de uma nota de apoio à ação americana depois do assassinato do general iraniano Qassim Suleimani. Potências europeias, com peso geopolítico, econômico e militar muito maior, manifestaram-se de forma cautelosa e conciliadora, evitando alinhar-se a qualquer lado. Alertado por pessoas mais sensatas, especialmente militares, o presidente Bolsonaro decidiu ser cauteloso e evitar comentários.
Até aqui, ele tem agido como se desconhecesse alguns fatos de enorme importância para o Brasil. De janeiro a novembro o agronegócio exportou produtos no valor de US$ 89,33 bilhões, soma equivalente a 43,4% de toda a receita comercial do País. Graças ao superávit do setor, de US$ 76,8 bilhões, o Brasil conseguiu no período um saldo comercial positivo de US$ 41,1 bilhões. O superávit comercial, embora em declínio, tem sido e continua a ser um importantíssimo fator de segurança para a economia brasileira. Além desses dados, alguém deveria mostrar ao presidente o peso comercial do Irã, comprador de bens no valor de US$ 2,1 bilhões até novembro e quinto maior importador de alimentos do Brasil. Como a Presidência, a atual diplomacia parece desconhecer esses fatos. Ou bilhões de dólares e milhares de empregos perderam importância?
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