Com a confecção de placas mais resistentes e busca de opções com menor impacto ambiental, material se tornou opção para construções de maior porte
SÃO PAULO – Detrás de tapumes, um guindaste constrói um edifício na Avenida Faria Lima, zona oeste de São Paulo. O que se pressupõe nesse cenário é mais um exemplar para a “floresta de concreto e aço” da região, mas não é o caso: a obra é de um prédio que tem a madeira como uma das matérias-primas principais.
De uso comercial e três pavimentos, o espaço segue uma tendência internacional que chega aos poucos ao Brasil, a dos prédios de madeira. Para 2021 está prevista a entrega do primeiro no País, o Floresta Urbana, com 13 pavimentos, na Vila Madalena, também na zona oeste.
Com a confecção de placas mais resistentes, a madeira voltou a ser opção para construções de maior porte. E também pela busca de alternativas de menor impacto ambiental: menos poluente que o cimento e usando material certificado no Brasil, proveniente de pinus.
Projetos no exterior já preveem a construção de edifícios de mais de 80 andares. O cenário inclui Austrália, Europa, América do Norte e Japão, com edifícios, prédios universitários, estádios (como o da Olimpíada de Tóquio) e até museus de madeira, parte deles assinados por arquitetos renomados. Tudo isso aliado a mudanças legislativas para incentivo ao uso do material.
Esse tipo de projeto envolve a “madeira engenheirada”, que consiste em diferentes técnicas industriais de junção de várias camadas (como a colagem) em uma placa única de madeira, que recebe a adição de químicos de controle de umidade e afins. O resultado é uma chapa pré-fabricada personalizada nas medidas encomendadas para ser “encaixada” na obra, o que acelera a construção.
Em São Paulo, os projetos cabem à Amata, empresa da exploração e comércio de madeira que passou a investir na construção. “Não é incomum que, quando se fala de madeira, se visualize uma cabana, uma choupana, uma coisa meio artesanal, meio rústica. Mas a madeira virou um produto de alta tecnologia”, diz Ana Bastos, CEO da Amata.
A tendência envolve tanto o uso exclusivo quanto a construção de imóveis híbridos com tijolo, argamassa e outras matérias-primas. “É um material leve, que permite furos, cortes, ajustes na obra”, comenta Ana Belizário, gerente de projeto da empresa.
Outro ponto que costuma ser destacado é a experiência sensorial do morador ou frequentador. “Esse espaço tem outro som, outra acústica, outro cheiro, prazeres que a madeira pode trazer”, aponta Carol Bueno, uma das sócias do escritório franco-brasileiro Triptyque, que projetou o Floresta Urbana.
Embora a experiência seja pioneira no País, o escritório realiza projetos com madeira na Europa há quase dez anos. Carol ressalta que as iniciativas brasileiras deixam a madeira em evidência por uma escolha mais estética, pois ela pode ser revestida com outras matérias-primas e ficar “invisível”.
Há espaço ainda em construções mais populares, no caso da Tecverde, que já construiu prédios para o programa Minha Casa Minha Vida com wood frame, técnica de encaixe de painéis aplicada em construções de até quatro andares. “Atende às normas de prédio de alvenaria”, afirma o CEO, Caio Bonatto, que diz ter reduzido 85% de resíduos em obras e economizado 90% de recursos hídricos.
Madeira é vista como alternativa mais sustentável
A madeira é vista como uma alternativa de menor impacto ambiental para a construção civil por ser renovável e estar em uma cadeia produtiva de absorção de dióxido de carbono (pelas árvores). O poluente, relacionado às mudanças climáticas, tem a indústria do cimento como um de seus maiores emissores. Além disso, o concreto também depende da extração de areia.
Segundo Ligia Ferrari Torella di Romagnano, pesquisadora do Centro de Tecnologia de Recursos Florestais do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), a maior parte da madeira engenheirada no País é proveniente de pinus, árvores que têm um crescimento considerado rápido, com corte por volta dos 20 anos, e apropriadas para receber tratamento com cola e aditivos químicos. “Com o clima, cresce muito mais rápido aqui. O Brasil tem um potencial de produção muito grande.”
Para garantir que o material não é de desmatamento ilegal, são emitidas certificações de origem. O cultivo de pinus requer o monitoramento de áreas próximas, pois as sementes da árvore se espalham pelo vento e se desenvolvem facilmente sem a intervenção humana, diz a professora Luciana Duque Silva, do Departamento de Ciências Florestais da Escola Superior da Agricultura da USP.
Ela reitera que, se cultivado corretamente, o pinus não causa erosão. “Só em situações muito particulares.” Outro ponto envolvendo a madeira engenheirada e afins é o da segurança. Segundo Ligia, os tratamentos feitos nas fábricas ajudam a prevenir a ação de fungos e insetos, como brocas e cupins, assim como a entrada de água. Da mesma forma, especialistas e empresários garantem que o material é tão seguro quanto o concreto para incêndios.
Universidades e mercado ainda não dominam tecnologia, diz professor
A madeira foi uma das principais matérias-primas da construção civil até a popularização do concreto, há pouco mais de cem anos, como explica Marcelo Aflalo, arquiteto, professor da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap) e presidente da associação Núcleo da Madeira – apoiada por empresas do setor.
“O concreto foi visto como ‘salvador da pátria’ no começo do século 20. Mas, com o tempo, mostrou que não é tão durável assim, que tem vida útil, com manutenção cara. Hoje se está descobrindo que ele não é essa maravilha, que se precisa de alternativas.”
Aflalo pontua, contudo, que a construção com madeira engenheirada é pouco abordada dentro de universidades e entre empresas do meio, o que dificulta o uso em maior escala. “Por isso, arquitetos têm muito receio, construtores não conhecem, a mão de obra também não. Estamos quase começando do zero”, afirma.
“As escolas hoje não ensinam nada disso. Tem meia dúzia de pessoas que realmente domina”, continua o especialista. “Temos madeira laminada colada há anos, mas não temos escala grande (no País) que permita construir dez prédios ao mesmo tempo, por exemplo.”
Ele comenta que a madeira pode também ser utilizada em obras de ampliação de imóveis antigos, o que é facilitado por ser um material leve. “As placas chegam a ter 16 metros de comprimento e 20 centímetros de espessura, se montam como um castelo de cartas, empilhando. Você constrói nove andares em menos de um mês, com quatro funcionários.”
O professor comenta, também, que a construção de um prédio de madeira envolve algumas mudanças no planejamento do setor imobiliário. “Hoje, o setor vai pagando aos poucos, faz o lançamento, vende 70%, se capitaliza e aí começa a construção. No prédio de madeira, tudo precisa acontecer em um prazo muito mais curto. Precisa ter outro modelo de negócio, de financiamento.”
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