Como ficou o plano de Bolsonaro para afastar a influência da esquerda na educação

O presidente Jair Bolsonaro dá posse ao novo ministro da Educação, Abraham Weintraub: apesar das polêmicas e trocas de cargos, agenda contra a ideoolgia de esquerda na educação avançou.| Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

O Ministério da Educação (MEC) foi uma das pastas mais agitadas e envolvidas em “polêmicas” no primeiro ano do governo do presidente Jair Bolsonaro. Por causa de um início marcado pela “dança das cadeiras” – com a troca de Ricardo Vélez Rodríguez por Abraham Weintraub no comando do Ministério da Educação e uma sucessão de trocas de nomes nas áreas técnicas da pasta –, as ações efetivas do governo na área educacional demoraram para ser vistas. O MEC também enfrentou restrições orçamentárias, que levaram Bolsonaro a enfrentar seus primeiros protestos de rua.

Mas, ao fim de 2019, a nova gestão mostrou a que veio. E a gestão da educação ficou com a cara de Bolsonaro, dando uma guinada à direita. O governo abriu as universidades para as empresas, tomou as primeiras medidas para combater a ideologia de esquerda e o “progressismo” na educação, mudou a forma de escolha dos reitores e estruturou o programa de ampliação das escolas militares. Além disso, instituiu uma nova política nacional de alfabetização.

Veja abaixo tudo de mais importante que o governo Bolsonaro fez na educação em 2019:

Educação passa por aperto orçamentário, e vira 1.º foco de protestos de rua

O Ministério da Educação sofreu em 2019 um contingenciamento de R$ 5,8 bilhões de suas despesas discricionárias (gastos não obrigatórios, que inclui a verba de investimentos, pagamento de despesas como água e luz, entre outros). O principal impacto ocorreu nas universidades federais, que tiveram 30% de seu orçamento discricionário contingenciado, o que representou cerca de 3,5% de todos os recursos das instituições (que incluem os gastos obrigatórios, como o pagamento de salários). Em valores absolutos, as universidades tiveram R$ 2,4 bilhões bloqueados.

Outros setores da Educação também foram atingidos, como o Fundo Nacional de Desenvolvimento Educacional (FNDE) e a Capes (órgão responsável pelos programas de pós-graduação e produção científica). Foram afetados programas de educação básica, como a construção e manutenção de creches, ensino técnico, bolsas de pesquisa e o sistema nacional de pós-graduação.

À época do anúncio do contingenciamento, o ministro Abraham Weintraub afirmou que a medida havia sido adotada universidades por questões ideológicas, já que as instituições estariam cometendo “balbúrdia”. O tom gerou repercussão amplamente negativa e, mais tarde, ele declarou que o contingenciamento, na verdade, se deu pela falta de recursos da União.

Descontentes com a medida, frentes populares, sindicatos e grupos estudantis foram às ruas contra o governo. As manifestações paralisaram atividades nas universidades até que, em setembro, após uma melhora na arrecadação federal, o Ministério da Educação anunciou o desbloqueio de parte da verba das instituições federais de ensino superior: R$ 1,9 bilhão. Desse montante, 58% foi destinado às universidades e institutos federais. A outra parte foi devolvida às demais áreas contingenciadas. A liberação total dos recursos foi anunciada para todas as áreas dias depois.

Universidades mais abertas à iniciativa privada

O governo Bolsonaro decidiu apostar na ampliação das fontes de financiamento dos institutos e universidades federais por meio de parcerias com a iniciativa privada.

Em julho foi lançado o programa Future-se, ou Programa Institutos e Universidades Empreendedoras e Inovadoras. A adesão ao programa é voluntária. Trata-se de uma tentativa que, embora mantenha o orçamento anual das instituições federais de ensino superior, expande as possibilidades de captação de recursos – como a abertura para contratação de organizações sociais ou de fundações de apoio para a execução de atividades e a possibilidade de as universidades fecharem parcerias como a iniciativa privada.

O programa foi submetido a duas consultas públicas ao longo de 2019, e não há previsão de quando o MEC enviará o projeto ao Congresso Nacional. Se aprovado, o projeto modificará 15 leis.

Do ponto de vista de dirigentes de algumas universidades, a proposta “traria riscos à autonomia financeira das instituições”. Estudantes se mobilizaram e foram às ruas contra o Future-se nos últimos meses.

Em contrapartida, organizações como a Academia Brasileira de Educação (ABE) e o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) manifestaram apoio ao programa. A Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e outras também divulgaram análises favoráveis à iniciativa.

Combate à ideologia de esquerda na educação

Desde antes de ser eleito presidente, Jair Bolsonaro já prometia combater o esquerdismo, a ideologia de gênero, o “progressismo” e o chamado marxismo cultural – especialmente na educação.

Uma das principais medidas nesse sentido veio no fim do ano. Em 24 de dezembro, Bolsonaro assinou uma medida provisória (MP) para mudar a maneira como são eleitos os reitores das universidades e institutos federais. A MP tira poderes dos Conselhos Universitários no processo de escolha dos dirigentes das instituições federais de ensino superior – que, no entender do governo e de grande parte da comunidade acadêmica, são controlados por grupos de esquerda.

Outra medida do governo Bolsonaro que tende a enfraquecer a influência da esquerda na educação foi a substituição da antiga carteira de estudante por uma versão digital e gratuita, chamada ID estudantil. Para adquiri-la, basta que os alunos baixem no celular um aplicativo do governo que disponibiliza o documento on-line. Até então, as carteiras costumavam ser emitidas pela União Nacional dos Estudantes (UNE), entidade tradicionalmente controlada por grupos de esquerda que cobrava uma taxa para emitir o documento.

A UNE acusou a medida de ser um ataque do governo. “É retaliação aos estudantes, abuso à privacidade e um retrocesso ao direito da meia entrada”, disse a União, na época em que a carteira digital foi lançada.

O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) também foi palco da tentativa do governo Bolsonaro de frear o avanço da esquerda na educação. A orientação do governo foi para que o Enem fosse mais “conteudista”, sem questões ideológicas e de gênero como aconteceu em anos anteriores.

A própria realização do Enem foi considerada uma “vitória” para o MEC. No início do ano, a gráfica que imprimia as provas decretou falência, abrindo espaço para inúmeras dúvidas quanto a realização do exame no prazo. A situação foi “solucionada” após o Tribunal de Contas da União (TCU) permitir a contratação de uma nova gráfica para imprimir a prova.

Especialistas de educação afirmam que a edição 2019 do exame foi uma das mais focadas em conteúdo e aconteceu de forma muito “tranquila”.

Alfabetização: a “menina dos olhos” do governo Bolsonaro

A alfabetização foi tratada como a “menina dos olhos” da educação pelo governo Bolsonaro. No início de 2019, o governo criou um órgão exclusivo dentro do MEC para lidar com a área: a Secretaria Nacional de Alfabetização (Sealf).

O objetivo do governo é mudar um cenário preocupante. O Brasil ainda tem cerca de 7% de analfabetos no país. São pelo menos 11,5 milhões de pessoas que não são capazes de ler um simples bilhete.

Na tentativa de reverter esses números, o MEC instituiu em abril uma nova Política Nacional de Alfabetização (PNA). A medida, de adesão voluntária e baseada em evidências científicas, prevê que ações e programas dos estados e municípios devam ser fundamentados nos pilares da consciência fonêmica sistemática, e que a família participe do processo de alfabetização das crianças.

Outra demonstração de que o governo está investindo em alfabetização foi a realização da 1.ª Conferência Nacional de Alfabetização Baseada em Evidências Científicas (Conabe), em outubro. O evento reuniu pesquisadores de todo o mundo que discutiram, com base em indícios científicos, qual a melhor forma de ensinar a ler e escrever. Essa reunião dará origem ao Relatório Nacional de Alfabetização Baseada em Evidências (Renabe), a ser divulgado em abril de 2020.

Militares na escola: em busca do “padrão de excelência”
A ampliação do número de escolas de modelo cívico-militar – uma das vitrines e promessas de campanha eleitoral de Bolsonaro – foi anunciada em 2019. Mas só deve se concretizar a partir de 2020.

Vinte e três estados e o Distrito Federal terão escolas cívico-militares, num total de 216 instituições de ensino básico. Uma parceria entre o MEC e o Ministério da Defesa lançada em setembro, o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim), prevê que as escolas serão implantadas ao longo de três anos.

O modelo é parcialmente inspirado nos colégios militares do Exército, das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros – considerado pelo governo Bolsonaro como um padrão de excelência na educação.

Na proposta do governo, a gestão das escolas cívico-militares será híbrida. Ou seja, professores e demais profissionais da educação serão responsáveis pela área didático-pedagógica. Já os agentes das forças de segurança pública – que podem ser militares inativos das Forças Armadas ou policiais e bombeiros militares – devem atuar na gestão administrativa e disciplinar.

Financiamento da educação: o imbróglio do Fundeb

O governo Bolsonaro participou em 2019 das discussões para renovar o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). O Fundeb é um dos principais mecanismos de financiamento da educação nos estados e municípios, mas vai acabar em 2020.

A renovação do Fundeb está sendo debatida no Congresso Nacional. Até agora, porém, o governo não concordou com a ideia original do projeto de que a contribuição da União aumente dos atuais 10% para 40% do fundo. O MEC aceitou um aumento em uma escala progressiva de 1 ponto percentual ao ano até um limite de 15% de aporte em 2026. O Ministério da Educação argumenta que país já investe o necessário em educação básica, não vendo necessidade de aumentar os recursos para esse fim.

No dia 11 de dezembro, sem dar muitos detalhes, o MEC anunciou que irá encaminhar ao Congresso um texto próprio para o novo Fundeb.

Perspectivas para 2020 na educação

Ao longo dos próximos anos de gestão, pode-se esperar que Bolsonaro consiga colocar em prática medidas já anunciadas para a educação, como o Future-se, a depender do Congresso, a implementação das escolas cívico-militares e as ações voltadas à alfabetização.

Embora vários programas do governo Bolsonaro tenham sido lançados em 2019, seu detalhamento e implementação devem acontecer apenas em 2020.

É o caso do “Educação em Prática”, projeto que prevê que instituições do ensino superior acolham estudantes do ensino básico para que eles complementem seus conhecimentos e aptidões profissionais. Conteúdos, laboratórios e professores poderão ser disponibilizados aos alunos do ensino básico. Não há, no entanto, mais informações por parte do governo de como isso se dará na prática.

Potencializar a educação profissional e técnica também é outra das metas de Bolsonaro a partir 2020. E é através do programa “Novos Caminhos” que ele pretende, até 2023, que 3,4 milhões de matrículas no setor sejam realizadas. Na prática, é uma substituição do antigo Pronatec, programa da gestão da ex-presidente Dilma Rousseff.

Outro plano para 2020 do governo federal na área de educação é tirar do papel o programa para proporcionar que escolas de todo o país tenham conexão com a internet. O governo promete que o acesso à web estará disponível já no início do ano letivo. O programa terá investimentos de mais de R$ 200 milhões.

O Enem também deverá passar por transformações digitais daqui para frente. No próximo ano, o MEC espera realizar um exame em parte digital, mudança que ocorrerá integralmente até 2026.

Confira matéria do site Estadão.

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