Juiz de garantias irrita Moro, mas convém a Flávio

Imagem: André Melo/Futura Press

Josias de Souza
Colunista do UOL

Na nota oficial em que manifestou sua contrariedade com o aval dado por Jair Bolsonaro à criação do juiz de garantias, Sergio Moro lamentou: “Não foi esclarecido como o instituto vai funcionar nas comarcas com apenas um juiz (40% do total) e também se valeria para processos pendentes…” O ministro da Justiça não mencionou. Mas um dos “processos pendentes” envolve o senador Flávio Bolsonaro, investigado por suspeita de peculato e lavagem de dinheiro.

Chama-se Flávio Itabaiana o juiz que preside, no Rio de Janeiro, o inquérito aberto pelo Ministério Público estadual contra o primogênito do presidente. Na última sexta-feira, Bolsonaro pôs em dúvida a isenção do magistrado. “Vocês perguntaram para o juiz Itabaiana como é que ele quebra 93 sigilos em cinco linhas?”, perguntou o presidente a um grupo de repórteres.

“Fizeram busca e apreensão em casas de pessoas que não tinham nada a ver com isso”, prosseguiu Bolsonaro, inconformado com as batidas de busca e apreensão em endereços ligados a Flávio e ao faz-tudo Fabrício Queiroz. “Arrombaram a loja de chocolate do meu filho. Se tivesse algo errado, não teria sumido? […] Ninguém lava dinheiro em franquia.”

Sancionada na véspera do Natal, a Lei Anticrime entrará em vigor no prazo de 30 dias, em 23 de janeiro de 2020. Se o juiz de garantias valer para aquilo que Moro chamou de “processos pendentes”, abre-se a perspectiva de entrar em cena um segundo magistrado no processo que inquieta a família Bolsonaro. Hoje, o mesmo juiz que supervisiona o inquérito emite a sentença. Com a nova lei, cabe a um outro magistrado decidir se o réu é culpado ou inocente.

Bolsonaro pode negar até o túmulo, mas jamais conseguirá desfazer a impressão de que contrariou a vontade de Moro para atender às conveniências do seu filho Zero Um. Vale para Flávio o mesmo raciocínio que o presidente utilizou quando manifestou o frustrado desejo de indicar o Zero Três Eduardo Bolsonaro para o posto de embaixador do Brasil em Washington: “Pretendo beneficiar um filho meu, sim. Se eu puder dar um filé mignon para o meu filho, eu dou, sim”.

O “filé” servido a Flávio pode estar cru, pois alega-se que o instituto do juiz de garantias carece de regulamentação. Entretanto, em meio à falta de esclarecimentos mencionada por Sergio Moro em sua nota, qualquer náufrago moral está sujeito a confundir jacaré com tronco. A única coisa inconfundível no episódio é a evidência de que, para Jair Bolsonaro, a conveniência dos filhos prevalece sobre todas as coisas.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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