Com Cristina Kirchner como vice, ele precisará dar solução a uma dívida que a Argentina não tem como pagar, alta de preços de mais de 50% ao ano e uma relação complicada com o Brasil.
O peronista Alberto Fernández assume a presidência da Argentina nesta terça-feira (10) com a promessa de “pôr o país de pé de novo”, após um longo período de recessão, de alta inflação e de aumento do desemprego e da pobreza.
Advogado de 60 anos, ele usa como credenciais para governar sua experiência como chefe de gabinete no governo de Néstor Kirchner (2003-2007) e durante o primeiro ano do primeiro mandato de Cristina Kirchner (2008), a vice-presidente que vai liderar o Senado e que impulsionou sua candidatura, escolhendo-o para encabeçar sua chapa.
Fernández recebe a presidência de Mauricio Macri, que estava no poder desde 2015, e que foi derrotado nas eleições de outubro em primeiro turno.
A previsão é que o presidente eleito chegue pouco antes das 12h ao Congresso em Buenos Aires, onde prestará juramento e receberá a faixa e o bastão presidenciais de Macri, para em seguida desfilar pela famosa Avenida de Mayo até a Casa Rosada, de onde governará pelos próximos 4 anos.
Frustração de Macri
“Lamento que os resultados das nossas reformas econômicas não tenham chegado a tempo e por não conseguirmos nos recuperar da crise”, disse o atual presidente num pronunciamento na TV, na sexta-feira (6), revelando sua “frustração”.
“Não parto satisfeito com o crescimento da economia no meu mandato e com os resultados da luta contra a inflação e a pobreza”, acrescentou Macri.
O novo presidente assume a Argentina com graves problemas econômicos. Além disso, mesmo antes de ser eleito, Fernández começou a enfrentar a resistência de Jair Bolsonaro e precisará encontrar uma forma de não deteriorar a relação com o Brasil. Bolsonaro chegou a dizer a interlocutores que não mandaria representantes do governo brasileiro para a posse de Fernández na terça (10), de acordo com o blog de Gerson Camarotti.
No entanto, o Brasil deve acabar sendo representado pelo vice Hamilton Mourão, que disse ao blog de Valdo Cruz que viajará a Buenos Aires a pedido do presidente. “É um gesto do presidente para que as relações voltem ao normal”, afirmou.
Dívida
Esse é um dos problemas mais urgentes do país.
Em 2018, o FMI acertou com a Argentina a maior linha de crédito de todos os tempos, um montante de US$ 56 bilhões.
Nem todo esse dinheiro foi entregue –Fernández já declarou que não pretende receber uma parcela de US$ 11 bilhões.
“Tenho um problemão e vou pedir outros US$ 11 bilhões?”, disse ele em uma entrevista. Até agora, o FMI emprestou US$ 44 bilhões.
O novo presidente deverá renegociar essa dívida, assim como aquela de credores privados que têm títulos.
O que os argentinos pretendem é prorrogar os vencimentos do principal e o pagamento de juros durante os anos de 2020 e 2021.
Dois dias depois da posse de Fernández, a Argentina precisará pagar uma prestação de US$ 174 milhões de um título de dívida (letras do Tesouro). Ainda em dezembro, haverá um outro prazo final para o pagamento de US$ 1,17 bilhão.
Em 2015, ano em que Cristina Kirchner passou o governo para Maurício Macri, a relação entre o total de dívidas e o PIB era de 52,6%.
Neste ano, as obrigações financeiras da Argentina são o equivalente a 80,7% de sua economia, segundo dados são do Ministério da Fazenda.
Inflação
O ano de 2019 deve terminar com uma inflação de 54,6%, de acordo com as previsões das consultorias que o Banco Central do país agrega.
A expectativa desses economistas é que em 2020 haja uma alta de 43% no índice de preços.
O plano para combater a inflação inclui negociar com os sindicatos uma interrupção nas negociações salariais das categorias –a ideia é corrigir no futuro com pagamentos para os trabalhadores, quando as pressões inflacionárias, espera-se, estejam mais fracas.
O novo governo deve estabelecer um conselho com participação de empresários e representantes de classes de trabalhadores para tentar chegar a um acordo.
Pobreza
O Observatório da Dívida Social, uma entidade da UCA (Universidade Católica Argentina), publicou no dia 5 de novembro dados do terceiro trimestre de 2019 sobre pobreza na Argentina. De acordo com os últimos números, 16 milhões de argentinos das áreas urbanas são pobres –é o equivalente a 40,8% da população. A eles, somam-se outros 2 milhões das regiões rurais do país.
Há ainda quase 4 milhões em estado de indigência, em um país de 44,5 milhões de pessoas, de acordo com o Banco Mundial.
Relações exteriores
Um dos maiores desafios para o governo de Fernández será a relação com o Brasil. O presidente Jair Bolsonaro fez campanha para o rival, Macri, lamentou a vitória do esquerdista argentino e não vai comparecer à posse.
O maior risco para a Argentina é que o Brasil pode querer flexibilizar o Mercosul. Hoje, os países que compõem o bloco econômico não podem fechar, sozinhos, acordos comerciais com terceiros.
Caso essa regra caia, a tendência é que a Argentina seja mais prejudicada –o Brasil é o maior consumidor de produtos argentinos do mundo.
O embaixador em Brasília será Daniel Scioli, um importante peronista que foi vice-presidente de Néstor Kirchner, governador da província de Buenos Aires e segundo colocado nas eleições presidenciais em que Macri foi vencedor, em 2015.
Aborto
Alberto Fernández disse, durante sua campanha, que é favorável à descriminalização do aborto. O novo presidente diz ser um ativista dessa causa.
O jornal “Página 12” e perguntou se o projeto de lei deve ser encaminhado ao Congresso ainda neste ano. “Vou tentar que saia o quanto antes, mas não depende só de mim”, respondeu Fernández.
No entanto, ele enfrentará resistência na sociedade argentina. O arcebispo de La Plata, Victor Fernández, que é amigo do Papa Francisco, disse que legalizar o procedimento iria facilitar o aborto para quem quiser fazê-lo por qualquer motivo, e que hoje, na prática, “quase nenhuma mulher vai presa por fazer aborto”.
Negociações com o Congresso
Desde que Fernández foi apontado como líder da chapa na qual Cristina Kirchner seria vice, os argentinos perguntam quem vai, de fato, exercer o poder no país.
Os kirchneristas, corrente política ligada à ex-presidente, formaram um bloco de 121 deputados na Câmara. O líder dessa força é o filho de Néstor e Cristina, Máximo.
O número não é o suficiente para conseguir maioria no Parlamento.
O kirchnerismo é uma parte do peronismo, movimento ligado ao legado de Juan Perón, que morreu em 1974.
Há, no Congresso, peronistas não-kirchneristas, e o governo de Fernández vai depender deles para conseguir maioria. O presidente da Câmara será Sergio Massa, que compõe esse grupo.
O segundo grupo mais numeroso de deputados é formado por políticos ligados a Maurício Macri.
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