Maconha medicinal é usada no tratamento de epilepsia e dor crônica; estudos sobre efeitos ainda avançam

Planta de 'Cannabis sativa', da qual é possível extrair o canabidiol — Foto: Kimzy Nanney/Unsplash

Anvisa regulamentou comércio e fabricação de produtos à base de cannabis no Brasil nesta terça-feira (3). Veja o que estudos e médicos dizem sobre os efeitos de substâncias derivadas da maconha no corpo humano.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou na terça-feira (3) a venda de produtos à base de cannabis para uso medicinal no Brasil, mediante prescrição médica.

O tipo de prescrição médica indicada para cada tratamento vai depender da concentração de tetra-hidrocanabidiol (THC), que é o principal elemento tóxico e psicotrópico da planta, ao lado do canabidiol (CBD), conhecido por seus efeitos analgésicos e anticonvulsivantes.

Estudos científicos já mostraram como essas duas substâncias atuam na redução de crises de epilepsia e dores crônicas. No entanto, o uso dos derivados de maconha para outras condições, como enxaqueca e Mal de Parkinson, por exemplo, ainda precisa ser estudado mais a fundo, de acordo com especialistas ouvidos pelo G1.

Por isso, entidades médicas como Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) se posicionaram contra a regulamentação do plantio de cannabis no Brasil. Já a agência reguladora de medicamentos norte-americana (FDA) autoriza, desde junho de 2018, o uso de CBD no tratamento de epilepsia.

Abaixo, entenda quais são os principais efeitos dos produtos derivados de maconha, como as principais substâncias agem no organismo e quais doenças elas podem combater:

Indicações médicas

As principais indicações médicas dos produtos derivados de cannabis são para tratar:

  • Crises epiléticas, especialmente em crianças
  • Dores neuropáticas
  • Náuseas decorrentes de quimioterapia
  • Sintomas do autismo
  • Agitação noturna em pacientes com demência
  • Espasmos decorrentes da esclerose múltipla

Segundo Alexandre Kaup, neurologista do hospital Albert Einstein, esses são os usos “comprovadamente eficientes” das substâncias CBD e THC.

Além dessas utilizações, também há estudos preliminares que trazem indícios de que o CBD e o THC têm efeitos positivos para controle de:

  • Mal de Parkinson
  • Alzheimer
  • Enxaqueca crônica
  • Sequelas de Acidente Vascular Cerebral (AVC)
  • Glaucoma
  • Ansiedade
  • Artrite

Para Kaup, ainda faltam estudos com grande amostragem de pacientes para comprovar que os derivados de maconha também podem ser usados no tratamento dessas doenças.

Segundo o analista de desenvolvimento regulatório e projetos científicos da HempMeds Brasil, Gabriel Barbosa, a maior parte das importações de substâncias derivadas da maconha para tratamento são as do óleo de canabidiol, que contém tanto CBD quanto uma pequena quantidade de THC.

“Trata-se de uma mistura de um óleo integral com o extrato da planta”, explicou. “Os canabinoides são lipossolúveis, o que significa que se diluem na gordura, e não na água. E é um produto que não tem somente o CBD, mas mais de 500 componentes.”

Com esta forma de extração, o canabidiol atua em conjunto com outros componentes para melhores resultados. “Além das propriedades do CBD, há na solução flavonoides, que têm efeitos anti-inflamatórios”, ressaltou Barbosa.

No país, pacientes com quadro de epilepsia são os que mais buscam o medicamento, segundo a HempMeds. No entanto, o cenário é diferente nos Estados Unidos, onde o maior uso de medicamentos à base de maconha é feito por pacientes em tratamento de transtorno pós-traumático.

Efeitos das substâncias

Enquanto o THC presente na maconha é considerado um perturbador do sistema nervoso central, o CBD é um depressor do sistema nervoso central. Por isso, eles têm efeitos muito diferentes no organismo.

“O THC age em três receptores do sistema nervoso e tem atividade analgésica e antiespasmódica. Ele também ajuda na redução de náuseas e vômito e provoca a estimulação do apetite”, explica Alexandre Kaup, neurologista do hospital Albert Einstein.

É o THC que altera as funções cerebrais e provoca os mais conhecidos efeitos do consumo da maconha, droga cujo consumo recreativo é ilegal no Brasil. Entretanto, estudos indicam que o THC também pode ser usado como princípio ativo para fins medicinais.

“Ele tem uma má fama, mas não é vilão. Se criou uma impressão de que o THC é ruim, mas há benefícios. Ele só não pode ser usado indiscriminadamente, porque há mais riscos”, explica Kaup.

Segundo o neurologista, produtos com THC não devem ser receitados para pessoas com menos de 25 anos, porque existe uma maior indução de efeitos colaterais, como quadros psicóticos.

Óleo extraído da cannabis ajuda a combater epilepsia — Foto: Reprodução
Óleo extraído da cannabis ajuda a combater epilepsia — Foto: Reprodução

De acordo com a Anvisa, produtos com dosagem de THC superior a 0,2% precisarão de receita médica restrita para serem vendidos nas farmácias.

Nas formulações com concentração de THC inferior a 0,2%, o produto deverá ser prescrito por meio de receituário tipo B e renovação de receita em até 60 dias.

Já os produtos com concentração superior a 0,2% só poderão ser prescritos a pacientes terminais ou que tenham esgotado as alternativas terapêuticas de tratamento. Neste caso, o receituário para prescrição será do tipo A, mais restrito, padrão semelhante ao da morfina.

Enquanto o THC é considerado mais polêmico, o CBD é o principal ingrediente dos produtos derivados de maconha mais populares no exterior. Ele não causa dependência nem tem efeitos colaterais significativos. Ele tem propriedades anticonvulsivas, ansiolíticas e anti-inflamatórias, além de também agir como analgésico.

“No Brasil são cinco patologias principais que buscam tratamento com CBD: epilepsia, Parkinson, Alzheimer, dor crônica e autismo”, afirmou Barbosa, da HempMeds. “No entanto, a Anvisa já autorizou a importação para mais de 60 patologias diferentes.”

Segundo ele, os principais efeitos adversos dos produtos a base de cannabis com baixa concentração de THC são alterações de apetite e peso, distúrbios gastrointestinais, fadiga, irritabilidade, e sonolência. Já para produtos que têm mais desta substância, há um potencial de causar dependência e, por isso, pode ser prescrito apenas para casos terminais.

Estudos científicos comprovam eficácia

Diversos estudos comprovaram que o CBD pode ser usado no tratamento de crises epiléticas, especialmente as que ocorrem em crianças.

Pesquisadores da Universidade da Califórnia anunciaram em maio deste ano que puderam sintetizar uma substância análoga ao canabidiol (CBD) e obter bons resultados em cobaias no tratamento da epilepsia.

A alternativa sintetizada é, segundo o estudo, mais fácil de se manipular que a substância retirada da planta. A molécula sintética recebeu a identificação 8,9-Dihydrocannabidiol (H2CBD) e, diferentemente da versão natural, não pode ser convertida para THC, composto com características tóxicas.

A Sociedade Americana de Química anunciou em abril deste ano que há evidências que apontam para o uso de CBD no “transporte” de medicamentos para o cérebro. A substância atuaria como um “cavalo de Troia” e conseguiria vencer a barreira hematoencefálica, que protege o sistema nervoso central.

Entre os riscos para o uso de CBD em tratamentos, cientistas dos Estados Unidos alertaram no ano passado que a substância pode piorar casos de glaucoma e também aumentar a pressão intraocular.

Na Inglaterra, cientistas da Universidade de Londres observaram, em abril deste ano, que o CBD atua para reduzir os efeitos danosos do consumo de maconha, que libera o composto tóxico tetrahydrocannabinol (THC), responsável pelo aumento do vício e por casos de psicose relacionados ao uso da droga.

A descoberta foi corroborada pelos pesquisadores da Universidade de Indiana, nos Estados Unidos, que apresentaram em setembro de 2019 as descobertas de ensaios em cobaias. Eles mostraram o CBD atuando para proteger os danos cerebrais causados pelo THC.

Além disso, usuários de heroína podem encontrar nos produtos derivados de CBD uma forma de poder controlar os efeitos da droga. Médicos do hospital Monte Sinai, nos Estados Unidos, registraram uma redução em surtos e casos extremos de ansiedade em viciados.

Folhas da planta cannabis sativa, conhecida como maconha, que dá origem ao canabidiol — Foto: Unsplash
Folhas da planta cannabis sativa, conhecida como maconha, que dá origem ao canabidiol — Foto: Unsplash

Posição de entidades médicas

A discussão sobre a regulamentação da maconha medicinal começou há quatro anos, quando a Anvisa retirou um importante derivado de maconha da lista de substâncias proibidas no país. Em 2017, foi registrado o primeiro medicamento com derivado de cannabis no Brasil.

Desde então, os médicos brasileiros podem receitar produtos à base de cannabis para seus pacientes, mas eles tinham que importar o produto, porque a Anvisa ainda não havia regulamentado sua venda no país.

Nos Estados Unidos, a FDA aprovou o consumo da planta em seu estado natural apenas para alguns casos, porque a agência de saúde americana defende que ainda faltam evidências de qualidade que comprovem a eficácia da planta em outros usos.

Outras instituições, como a Sociedade Americana de Medicina de Dependência, argumentam que não existe “cannabis medicinal”, porque as partes da planta não cumprem os requisitos das normas para aprovação de medicamentos.

Já no Brasil, o Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) se posicionaram contra a regulamentação do plantio de cannabis no Brasil. Eles pediram a revogação e o cancelamento da consulta pública sobre o tema, quando ela estava aberta para orientar a decisão da Anvisa sobre o tema.

Salomão Rodrigues Filho, psiquiatra e integrante do Conselho Federal de Medicina (CFM), diz que a instituição é favorável ao uso do canabidiol, mas que “é necessário ter cautela”.

O Conselho diz que a esclerose múltipla é uma doença, assim como o Parkinson, que ainda está em fase experimental de pesquisa em outros países. “Ainda não há evidência científica que recomende o uso. Não há segurança. Além de não fazer o bem, não pode fazer o mal”, afirma.

Confira matéria do site G1.

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