Carlos Newton
É uma quarta-feira para ficar na História Republicana. O Supremo está julgando sua mais importante causa, que pode desmoralizar o país no cenário internacional, pelo descumprimento dos tratados que foram firmados pelo governo brasileiro sobre combate à corrupção, lavagem de dinheiro, improbidade administrativa e enriquecimento ilícito. Segundo a nota oficial assinada pelo procurador-geral Augusto Aras e todos os subprocuradores, o Brasil pode ser transformado no maior paraíso fiscal do mundo.
Bem, se a decisão do Supremo possibilitasse apenas a criação de um paraíso fiscal, nada a opor, porque os Estados Unidos, a Inglaterra e o Japão também criaram suas versões offshore (fora do território). O Brasil poderia fazê-lo em Fernando de Noronha, nada contra, desde que o dinheiro do crime organizado ficasse conosco e não fosse parar no exterior, como ocorre agora.
PARAÍSOS FISCAIS – Já houve um tempo em que a Suíça era o único paraíso fiscal no mundo, um porto seguro para acolher o dinheiro sujo de todos os países, abrigando-o nas famosas contas numeradas, cujo dono tinha a impunidade e o anonimato preservados para sempre. Esse tipo de conta vigorou até 1991, quando chegaram ao auge as críticas a essa prática criminosa dos banqueiros suíços e as contas numeradas deixaram de ser anônimas. Depois, em 2004, a nova legislação contra lavagem de dinheiro obrigou os bancos suíços a identificar os donos das contas numeradas nas transferências bancárias internacionais, dificultando ainda mais o anonimato.
Mas as contas numeradas ou anônimas não acabaram. O resultado da repressão na Suíça foi a criação de paraísos fiscais nas mais diferentes regiões, notadamente na América Central (Caraíbas) Ásia, Europa e Estados Unidos.
Em 2015, a ONG Tax Justice Network, que reúne economistas, advogados e contadores, divulgou um estudo estimando que US$ 32 trilhões já tinham sido depositados em paraísos fiscais, onde os impostos são baixos ou nulos. Segundo a pesquisa, os paraísos fiscais “extraem riqueza à custa das sociedades, criando impunidade política e minando o crescimento de muitos países”.
MUITO MAIS GRAVE – NO entanto, a questão que o Supremo vai julgar é muito mais grave do que ameaça de paraíso fiscal. A análise da Procuradoria é superficial e até ridícula. O que está em jogo na liminar de Toffoli é muito mais grave – a proibição de todas as investigações de fraude financeira, lavagem de dinheiro e sonegação de impostos pela União, estados e municípios.
A decisão de Toffoli exige que os órgãos de controle (antigo Coaf, Receita e Banco Central) somente analisem informações financeiras mediante prévia autorização judicial. Mas isso é impossível no Brasil e no mundo. Em qualquer país (nossa matriz USA tem 22 órgãos de controle financeiro e a filial Brazil apenas três), o órgão de controle inicialmente investiga fraude, lavagem ou sonegação. Somente depois de constatar a ilegalidade é que aciona o Ministério Público, que então pede autorização judicial para quebra de sigilos.
Toffoli tenta inverter esta ordem natural das coisas. Exige que os órgãos de controle analisem apenas a “generalidade” da conta e só façam a investigação plena após a autorização judicial. Acontece que, se for analisar apenas a “generalidade”, o órgão de controle jamais conseguirá identificar ilegalidades e não terá como se dirigir ao Ministério Público, que legalmente tem a atribuição de pedir quebra de sigilos.
P.S. 1 – Em tradução simultânea, o que Toffoli pretende, na prática, é que a União, os estados e os municípios não mais consigam combater crimes financeiros, tipo sonegação, lavagem e fraude, desmoralizando ainda mais o Brasil no exterior.
P.S. 2 – É isso que está em jogo no importantíssimo julgamento que o Supremo realiza hoje. Só falta um voto para derrubar essa jogada de Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski. O voto dissidente entre os “garantistas” pode ser de Rosa Weber, de Celso de Mello ou de Marco Aurélio Mello, não importa. A esse respeito, o que pouca gente sabe é que Marco Aurélio é inimigo (a palavra certa é esta) de Gilmar Mendes, os dois não se falam há anos, e Marco Aurélio pode melar a festa dos três mosqueteiros da corrupção, só para contrariar. No final da tarde ficaremos sabendo.
P.S. 3 – Quanto a Dias Toffoli, por sua inteligência e preparo, o ministro merece uma estátua equestre, metade cavalo e a outra metade, burro. (C.N.)
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