A prudente distância dos militares

Diante de um governo que não poupa esforços em acirrar ânimos, é meritório o empenho das Forças Armadas para não se imiscuírem nas picuinhas políticas

Diante de um governo que não poupa esforços em criar polêmicas, acirrar ânimos e provocar adversários, é meritório o empenho das Forças Armadas, bem como dos militares da reserva que integram o governo, para não se imiscuírem nas picuinhas políticas, evitando, assim, criar novos atritos. Confirma-se uma vez mais que, à diferença de alguns civis, os militares têm sido exemplares no respeito à Constituição de 1988. Os arroubos autoritários a que vez ou outra o País assiste, como, por exemplo, manifestações pedindo fechamento do Congresso, ou a reedição do AI-5, ou achacando ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), não nascem nas casernas.

Nesse quadro de saudável distanciamento por parte dos militares das polêmicas do presidente Jair Bolsonaro e de seu entourage, cabe ressaltar uma exceção. Nos últimos meses, o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, tem se aproximado da chamada ala ideológica do governo Bolsonaro. Na semana passada, por exemplo, o general Heleno foi uma das raras vozes que apoiaram a manifestação do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) favorável a “um novo AI-5” para conter uma possível “radicalização” da esquerda no País.

No entanto, em vez de representar uma tendência das Forças Armadas, o comportamento do general Heleno apenas evidencia, por contraste, a atitude oposta tanto do ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, como dos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. A disparidade entre o comportamento dos militares e o da ala ideológica do governo pôde ser vista no caso do vazamento do óleo, que chegou às praias do Nordeste. As Forças Armadas evitaram cuidadosamente alimentar teorias conspiratórias ou reforçar discursos políticos.

No fim de outubro, o presidente Jair Bolsonaro escreveu, em sua conta no Twitter, que era “no mínimo estranho o silêncio de ONGs e esquerda brasileira sobre o óleo nas praias do Nordeste. O apoio desses partidos ao ditador Maduro fortalece a tese de um derramamento criminoso”. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, chegou a insinuar que o Greenpeace estaria envolvido no derramamento do óleo. Segundo ele, um navio da ONG não se voluntariou para ajudar o governo.

Já as Forças Armadas optaram por dar ao vazamento de óleo um tom completamente diferente, fugindo das polêmicas políticas. Por exemplo, os militares fizeram questão de ressaltar que a origem venezuelana do óleo, comprovada nos testes químicos, era apenas um dado geológico, não podendo ser considerada como prova ou mesmo indício da participação da Venezuela no vazamento. Além disso, no trabalho de coordenação da limpeza das praias, a Marinha trabalhou lado a lado com diferentes governos estaduais, sem discriminar os Estados governados por partidos de oposição.

Outro episódio que ilustra o cuidado dos militares em se ater ao seu papel institucional se deu por ocasião do julgamento do STF sobre a prisão depois da condenação em segunda instância. Questionado se haveria incômodo das Forças Armadas em relação a uma possibilidade de o STF rever sua jurisprudência e soltar o ex-presidente Lula, o ministro da Defesa foi enfático. “O problema jurídico do STF é com o STF. Está em pleno julgamento e esse assunto está com eles”, disse ao Estado. Lembrou ainda que os comandantes de Força e o pessoal da ativa não haviam se pronunciado sobre o caso. “Quanto ao pessoal da reserva, eu não tenho ingerência em relação a isso”, disse o general Fernando Azevedo e Silva.

Em tempos nos quais escasseiam vozes de moderação e prudência, e de baixo apreço pelas instituições, em que tudo parece ganhar cores e tons raivosos e personalistas, é especialmente significativo que as Forças Armadas se atenham, de forma exemplar, às esferas de atuação definidas pela Constituição. Trata-se de um compromisso democrático que deve servir de exemplo para muitos civis que, esquivando-se de sua responsabilidade cívica, buscam nos quartéis a resolução dos problemas políticos e sociais do País. Com esse cuidadoso distanciamento das questões políticas, as Forças Armadas são uma fonte de paz e de estabilidade. Cumprem, assim, seu papel constitucional.

Confira matéria do site Estadão.

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