André Cardoso
O raciocínio do editor Carlos Newton sobre corrupção e felicidade, me trouxe recordações. Quando criança, cresci na Sociedade Amigos de Bairro da Praia do Pernambuco, no Guarujá. Ali, naquele tempo, estava condensado grande parte do poder financeiro (famílias oligarcas), poderosos formadores de opinião da época (o D e o Z da DPZ, por exemplo), gente graúda do governo (Simonsen, etc.), o Emerson fazendo cooper na praia (com o boné da Copersucar), etc., e até os generais que chegavam da base de Santos para discutir o editorial da próxima ‘O Cruzeiro’ a ir para as bancas….
Éramos uma comunidade um tanto isolada da cidade naquele tempo e, em meio a isso, nós, a juventude da praia, convivíamos muito bem com caseiros e todo o pessoal que trabalhava no bairro, dos sorveteiros da Kibon aos seguranças do ‘Jequitimar’.
NA FAVELA – Tínhamos a liberdade de ir beber e jogar bilhar na favela da “Maré Mansa”, nos fundos do bairro. Certa vez me convidaram para jantar, um arroz com feijão, bife e quiabo, estava tão bom que cochilei no barraco e esqueci de voltar para casa.
Convivíamos pacificamente, e felizes. No meu caso tem gente simples daquele tempo que até hoje me chama de ‘meu filho’.
Os meses de estudo eram em São Paulo, onde encontrava com o Mario Amato todos os dias, no vestiário, saindo da natação; eu almoçava no clube, éramos garotada, fazíamos alvoroço porque fulano de tal estava usando um relógio digital, daqueles primeiros, vidro escuro, onde apareciam os números em luz vermelha, isso muito antes dos mostradores de cristal liquido poderem ser comprados a baciada na galeria Pagé; isso no tempo em que para ter um relógio digital precisava possuir a fortuna de um Blairo Maggi.
EU E ERMÍRIO – Lembrei também do dia em que eu usava um chapéu de feltro do meu avô (cravado de ‘bottons’ da Eco 92) e caminhava pelo centro de São Paulo (Xavier de Toledo – Mappin – Praça Ramos de Azevedo – Teatro Municipal) quando o Antonio Ermírio de Moraes saiu, sozinho, do prédio da Votorantim, caminhando na mesma calcada no sentido oposto.
Nos miramos uns segundos a mais que o normal, eu por ele ser quem era, ele por eu estar com aquele chapéu…
Não pareceu infelicidade o que vi na face do bilionário, mas um semblante de quem não tinha aquele tipo de liberdade, de poder usar um chapéu quatro décadas fora da época e andar com aquele ar de ‘saí por aí’… E quando que eu veria novamente um bilionário caminhando sozinho no centrão de São Paulo, nos dias de hoje!?!
ANTIGAMENTE… – Lembrei de fotografias da São Paulo antiga, das ruas no Centro ao Conjunto Nacional na Av. Paulista, todos trajavam ternos, chapéus, até mesmo na classe operaria todos tinham um terno e um chapéu para fazer par aos costumes, não eram relegados ao malabarismo de farol, a maratonistas de chinelo furado correndo para vencer o tempo do semáforo, tirando a sorte para vender umas balinhas…
Na década de 90 havia um ambulante vendendo drops na rua do melhor cursinho de São Paulo, junto ao cemitério da Consolação, que ‘falava’ em inglês com todo mundo quando oferecia seu produto; era de uma simpatia! Ele transmitia uma felicidade que não tinha jeito!
Todos, mesmo os ranzinzas, todos entravam na dele! Só se via motorista abrindo o maior sorriso! E o cara vendia aos montes por conta disso! Ficou famoso, foi ‘estudado’ por trabalhar feliz assim…
FELICIDADE – Se a alma do negócio é a felicidade, mas felicidade mesmo e não essa ‘macacagem’ dos presidentes que posam um ‘sorriso colgate’ para as câmeras, e meio segundo depois estão olhando pro lado com ‘vontade de matar’, certamente estamos vivendo um negócio errado.
O exemplo sempre vêm de cima, dos que nos antecederam nesta vida. Vendo sumir a simplicidade que Carlos Newton mencionou no texto, a empatia e o coletivismo sendo trocados por “metidez”, a poesia musical de Noel substituída pela baixaria de uma Anita qualquer da vida, resta-nos reconhecer as nossas riquezas do passado, valorizar as riquezas sociais que sobrevivem do presente (como o show dos Tribalistas na Arena do Palmeiras em 2018!) e comungar com o verdadeiro Deus, em espírito, para que tenhamos a força necessária para reavivar a memória que nos ensinou o caminho dessa felicidade; que ela está sendo perdida, cada vez mais por falta de exemplos, sendo apagada da lembrança dos que vivem o tempo atual.
Corrupção é uma decorrência dessa perda.
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