Mariana: quatro anos após rompimento de barragem, não há previsão para julgamento de responsáveis

Todos aguardam julgamento em liberdade e estão livres da acusação de homicídio.

Passados quase quatro anos do rompimento da barragem da Samarco, em Mariana, os responsáveis pela tragédia, que em novembro de 2015 destruiu três distritos e resultou em 19 mortes e em um aborto, respondem, em liberdade, por inundação qualificada e estão livres da acusação de homicídio. Não há previsão para o julgamento. O número de atingidos ao longo dos cerca de 700 km do Rio Doce ainda é impreciso.

(Correção: na publicação desta reportagem, o G1 errou ao informar que pouco mais de 9 mil pessoas foram indenizadas após rompimento da barragem de Fundão, em Mariana. Na verdade, 9.120 indenizações foram pagas para quem teve perda de renda ou bens materiais. Segundo a Fundação Renova, até agosto deste ano, 319 mil moradores receberam indenizações ou auxílio financeiro. A informação foi corrigida às 10h30.)

Após o rompimento da barragem, quatro empresas e 22 pessoas se tornaram rés, em 2016. Vinte e uma delas foram acusadas de homicídio e lesão corporal, entre outros crimes. Treze foram excluídas por decisões judiciais e não vão responder por nenhum crime, segundo Ministério Público Federal (MPF).

Em abril deste ano, as acusações de homicídios e lesão corporal foram retiradas da ação penal. Isso significa que os acusados não vão mais a júri popular pelas 19 mortes. Eles vão responder apenas pelos crimes de inundação qualificada, porque resultou em morte, desabamento e 12 crimes ambientais.

As empresas Samarco Mineração, Vale e BHP Billiton Brasil respondem a pelos mesmos 12 crimes ambientais. Já a VogBr responde por emissão de laudo falso ou enganoso.

O crime de inundação tem pena de 6 a 12 anos em caso de ação dolosa (crime qualificado pelo resultado morte).

Excluídos da ação penal

  • José Carlos Martins
  • Hélio Cabral
  • Margaret McMahon Beck
  • Jeffery Mark Zweig
  • Marcus Philip Randolph
  • Gerd Peter Poppinga
  • Stephen Michael Potter
  • Pedro José Rodrigues
  • Luciano Torres Sequeira
  • Maria Inês Gardonyi Carvalheiro
  • Sérgio Consoli Fernandes
  • André Ferreira Gavinho
  • Guilherme Campos Ferreira

Acusados que respondem por inundação qualificada e desabamento:

  • Ricardo Vescovi de Aragão (diretor-presidente da Samarco à época do desastre)
  • Kleber Luiz de Mendonça Terra (diretor de Operações e Infraestrutura)
  • Germano Silva Lopes (gerente operacional)
  • Wagner Milagres Alves (gerente operacional)
  • Daviely Rodrigues Silva (gerente operacional)
  • James John Wilson (membro da governança)
  • Antonino Ottaviano (membro da Governança),
  • Samarco Mineração
  • Vale
  • BHP Billiton Brasil

Atingidos são 700 mil, diz MP

Para o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), são mais de 700 mil pessoas atingidas de Minas até o Espírito Santo. A pescadora Eva Franco Raimundo, que mora em Barra Longa há mais de 40 anos, e o filho Edmo Agostinho Raimundo, de 30, são alguns dos atingidos que ainda esperam indenização. “A vida agora piorou um pouco. Antes [de a barragem se romper], eu ia lá em cima, trabalhava lá em cima na roça. Perdi renda de leite, perdi o lugar que paguei para arar. Chegou a lama e cobriu tudo. (…) E tem a pescaria também. Eu saía daqui, saltava na canoa, pescava e só voltava ‘boca da noite’”, contou.

Edmo, que seguiu os passos da mãe, conta que durante o período de piracema, em que não podia pescar, o trabalho era de garimpo manual no leito do rio. De renda com as atividades, tinha cerca de R$ 1.600 por mês. Depois que a barragem se rompeu, os dois pararam de pescar e já não é possível mais ‘garimpar’, garantem. Edmo adoeceu e hoje faz tratamento para depressão.

A pescadora procurou a Fundação Renova em 2016 e Edmo, no final do ano passado. Os dois voltaram para casa com a promessa de que receberiam uma proposta em poucos dias. Mas nunca tiveram retorno.

Edmo e a mãe, Eva, voltaram a pescar no Rio do Carmo, mas não conseguem mais vender os peixes — Foto: Patrícia Fiúza / G1
Edmo e a mãe, Eva, voltaram a pescar no Rio do Carmo, mas não conseguem mais vender os peixes — Foto: Patrícia Fiúza / G1

A Fundação Renova não respondeu por que não entrou em contato com Edmo e Eva ou se existe um prazo para isso. Afirmou apenas que os atingidos devem ligar para a central de atendimento da fundação. O porta-voz da Renova, André de Freitas, explicou, de modo geral, como é feito o trabalho de reconhecimento dos pescadores:

“[Para] quem pescava por ofício, foi construída uma metodologia para fazer mapeamento de como era realizada a pesca. E as pessoas passam por um processo de autonarrativa. E aí, a Renova avalia se a narrativa se encaixa no mapeamento. Como pescava, onde pescava, que tipo de peixe pescava, em que época do ano.”
Em relação ao garimpo manual, a instituição afirmou que ainda não definiu como será a reparação dos atingidos. “A faiscação tem o desafio adicional que é a ilegalidade. Então, o garimpo, sem licença, é ilegal”, disse o porta-voz da Renova.

Para o promotor André Sperling, o cerne do problema para identificar os atingidos, especialmente os que estão fora de Mariana, é a contratação de assessorias técnicas, que auxiliariam estas pessoas a comprovar que têm direito à reparação. Deveriam ser 21. Apenas três foram contratadas.

“Se a gente não consegue ter as assessorias técnicas, junto com os atingidos, a gente não consegue fazer o processo de reparação. Para que esta participação possa ocorrer de forma informada e técnica, os atingidos têm direito de ter ao lado deles, o técnico de confiança”, disse.

Atingidos de Mariana

Promotor Guilherme Meneghin diz que o rompimento da barragem é uma tragédia continuada — Foto: Patrícia Fiúza / G1
Promotor Guilherme Meneghin diz que o rompimento da barragem é uma tragédia continuada — Foto: Patrícia Fiúza / G1

“É uma tragédia continuada”, declarou.

Em outros casos, segundo o promotor, os próprios atingidos não procuram reparação.

Além disso, o MP identificou, só nesta região, mais de 50 casos de descumprimento do prazo de 90 dias para oferecer a proposta.

A Fundação Renova diz que foram pagas 9.120 indenizações para mais de 31 mil pessoas atingidas por “dano geral”, ou seja, aqueles que perderam renda ou bens materiais. A Renova diz, ainda, que também foram pagas 264.216 indenizações por “dano água” (para quem teve abastecimento de água interrompido por mais de 24 horas) e prestados 13.673 auxílios financeiros emergenciais, atendendo a 31.184 pessoas. Segundo a fundação, até agosto deste ano, o valor de R$ 1,84 bilhão foi destinado para 319 mil impactados pelo rompimento da barragem (leia nota da Renova abaixo).

Leia a nota da Fundação Renova:

“Esclarecemos que até agosto de 2019, foram destinados R$ 1,84 bilhão para os processos de indenização e auxílios financeiros emergenciais, que alcançaram cerca de 319 mil pessoas em toda a região impactada pelo rompimento da barragem de Fundão.

O Programa de Indenização Mediada atua em duas frentes de indenização: Dano Água, para as pessoas que moravam nas cidades e distritos que tiveram o abastecimento de água interrompido por mais de 24 horas, e Dano Geral, destinado às pessoas que perderam sua renda ou bens materiais.

Seguem os números de agosto:

Dano Água

  • 264.216 indenizações pagas (98% das propostas aceitas)
  • R$ 270,7 milhões em pagamentos

Dano Geral

  • 9.120 processos de indenização pagos, alcançando 31.117 pessoas
  • 1.905 antecipações (pescadores profissionais, areeiros e impactados do turismo)
  • R$ 542,4 milhões em pagamentos

Auxílio Financeiro Emergencial

  • 13.673 titulares ativos
  • 31.184 pessoas atendidas, desse total 17.511 dependentes
  • R$ 1,02 bilhão pagos em Auxílio Financeiro Emergencial

Quanto aos pescadores, a Fundação Renova informa que, até o dia 31 de agosto de 2019, cerca de 8,6 mil pescadores no Espírito Santo e em Minas Gerais foram reconhecidos como tendo direito ao Auxílio Financeiro Emergencial (AFE) e ao Programa de Indenização Mediada (PIM).

ESPÍRITO SANTO

  • 4,5 mil pescadores
  • Total AFE – R$ 350 milhões
  • Total PIM – R$ 257 milhões

MINAS GERAIS

  • 4,1 mil pescadores
  • Total AFE – R$ 320 milhões
  • Total PIM – R$ 102 milhões”

Confira matéria do site G1.

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