Duas questões assombrarão o governo daqui para frente. Primeira: quais são os planos para recobrar a saúde fiscal do Estado? Segunda: haverá condição política para executá-los?
Não há como minimizar a relevância da aprovação da reforma da Previdência no Congresso. Mesmo com sua potência fiscal reduzida à metade do plano inicial (que incluía a obrigatoriedade de reformas em estados e municípios), é um passo essencial na recuperação da saúde das contas públicas.
A mudança demonstra que, quando quer, o Congresso sabe e pode contribuir para a melhora do país. Também encerra a primeira fase do governo Jair Bolsonaro e deixa o país diante de duas dúvidas cruciais. A primeira, de ordem econômica. A segunda, de natureza política.
No campo econômico, a questão é qual será agora o plano do governo para manter o ajuste fiscal, já que a Previdência representará apenas em torno de um quinto, no máximo um terço das economias necessárias para recobrar o equilíbrio nas contas públicas.
Pelas informações disponíveis, o Ministério da Economia encara como prioridade uma série de novas emendas constitucionais. A primeira tem o objetivo de liberar o governo de cumprir a regra que o impede de se endividar para pagar despesas correntes sem autorização do Congresso, conhecida como “regra de ouro”.
Trata-se de uma medida que, na verdade, caminha na direção contrária ao ajuste fiscal, pois incentiva a União à indisciplina com os gastos. Para compensar o efeito, o plano é aprovar a obrigatoriedade de corte em despesas obrigatórias sempre que certas balizas de gastos forem ultrapassadas por estados e municípios. Sem disparar tais “gatilhos”, eles não teriam ajuda federal.
Princípios semelhantes devem ser adotados na proposta de reforma administrativa. O objetivo deverá ser facilitar a redução no quadro do funcionalismo e o controle da folha de pagamento da União, por meio do fim de privilégios e da imposição de critérios de avaliação e mérito para promoções e demissões.
Outra proposta cria um conselho de governança fiscal com representantes dos três poderes, numa tentativa de evitar estouros no Orçamento. Há ainda a ideia de promover uma ampla revisão em 263 fundos públicos que recebem hoje em torno de R$ 200 bilhões (como Fust, FNAC, Funpen, fundos de desenvolvimento regional etc.), com potencial para liberar até R$ 27 bilhões para investimentos.
Por fim, entra no programa a obsessão do ministro Paulo Guedes conhecida como “revisão do pacto federativo”, cujo sentido ninguém sabe precisar com exatidão, mas cujo espírito parece consistir em transferir ao Congresso mais autonomia para destinar recursos públicos, e a estados e municípios, para geri-los. Diante da impossibilidade de conciliar as propostas da Câmara, do Senado e do Executivo, a reforma tributária foi adiada para o ano que vem.
No papel, as ideias brilham. Na prática, a chance de execução depende da segunda dúvida, a viabilidade política no Parlamento. Terão esses planos o mesmo destino da reforma da Previdência, um sucesso qualificado? Ou da reforma tributária, engavetada em virtude de divergências difíceis de superar?
Quem acompanha o Congresso conhece bem os dois principais obstáculos que toda essa agenda enfrentará. O primeiro esteve presente no caso da Previdência, mas foi transposto: a dificuldade de articulação política do Executivo. Foi graças ao envolvimento dos parlamentares, em especial os presidentes da Câmara e do Senado, que a reforma avançou.
O governo se viu obrigado a negociações no varejo que envolveram liberação de verbas, concessão de cargos no segundo escalão. Saíram caro e fizeram cair a máscara de combate às práticas da “velha política”. A reforma foi aprovada não só por causa delas, mas também porque a proposta estava madura. Depois do fracasso no governo Michel Temer, contava com um consenso razoável no Parlamento.
Não é esse o caso das demais propostas. A exemplo da reforma tributária, elas foram pouco exploradas e testadas. Entrará aí em ação o segundo obstáculo, que o governo ainda mal enfrentou (embora possa achar o contrário): a resistência dos grupos de interesses a mudanças no statu quo, que lhes garante nacos do Orçamento ou privilégios.
Entram aí todos os recursos assegurados pelos fundos que o governo quer extinguir, o alto funcionalismo acostumado às regalias e mamatas (com destaque para Judiciário e Ministério Público), além dos governadores e prefeitos pouco inclinados a aceitar novas restrições ao acesso a recursos federais (e com controle sobre bancadas regionais).
Para convencê-los, o governo precisará lançar mão de novas verbas? Da concessão de outros cargos? Ou terá à disposição apenas as novas regras do tal “pacto federativo”? Antevê-se um cenário mais difícil e nebuloso que o da Previdência.
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