Dossiê BNDES: as 86 obras no exterior financiadas pelo banco

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Desde 1998, banco de fomento liberou US$ 10,5 bilhões em empréstimos a construtoras brasileiras no exterior; perda potencial é de US$ 1,5 bilhão, com Venezuela, Cuba e Moçambique

Destaque na suposta “caixa-preta” do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), os empréstimos para a exportação de serviços de engenharia, ou seja, para financiar obras de empreiteiras brasileiras no exterior, são uma das principais fontes de dor de cabeça para a instituição de fomento. Até o segundo trimestre deste ano, o total atrasado no pagamentos das dívidas de Venezuela, Cuba e Moçambique era de US$ 554 milhões (R$ 2,305 bilhões, pelo câmbio de terça-feira, 1 de outubro).

De 1998 para cá, o BNDES contratou US$ 15,276 bilhões nesse tipo de operação, conforme levantamento feito pelo Estado no site do banco. Após analisar 662 operações de crédito em planilhas e contratos de financiamento (oito delas foram canceladas integralmente, sem liberar um centavo sequer), o levantamento chegou a 86 obras financiadas em 15 países, como detalhado a seguir. No total, o banco de fomento liberou US$ 10,499 bilhões para essas operações – os cancelamentos de operações, a partir de maio de 2016, contribuíram para os valores desembolsados ficarem abaixo dos contratados.

Os valores contratados, com os quais o levantamento trabalha, podem ser um pouco diferentes do que os desembolsados porque esses empréstimos são de longo prazo, ou seja, o crédito aprovado, no início do projeto, é liberado aos poucos, ano a ano, à medida que a obra vai andando. No caso de empréstimos suspensos ou cancelados, o valor contratado pode ficar muito acima do efetivamente desembolsado.

O BNDES projeta uma perda potencial com os financiamentos a obras no exterior de US$ 1,5 bilhão (R$ 6,3 bilhões), como anunciado no último dia 15. A estimativa foi baseada na soma das dívidas em atraso com o que falta receber dos três países inadimplentes. Mais da metade desse valor (R$ 3,7 bilhões) são empréstimos para obras tocadas pela Odebrecht, com a qual o BNDES projeta uma perda total de R$ 14,6 bilhões, como mostrou o Estado na última segunda, 30.

O debate e as críticas sobre os empréstimos para obras no exterior remontam pelo menos a 2013, obrigando o banco de fomento a ampliar os dados disponíveis desde então. Seis anos depois, quando o atual presidente do BNDES, Gustavo Montezano, assumiu o cargo com a tarefa de “abrir a caixa-preta” encomendada pelo presidente Jair Bolsonaro, já não havia muito a revelar. Dois meses após Montezano iniciar seu trabalho, o BNDES anunciou a estimativa de perda potencial.

Em entrevista ao Estado, Montezano criticou a governança da política de financiamento às exportações, defendeu mudanças nas regras, segundo ele já em estudo na Secretaria Especial de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais do Ministério da Economia, mas ressaltou a importância do apoio governamental à atividade. “A exportação de serviços é um negócio importante. Não podemos parar de fazer por causa disso. Errou, errou, como País, conserta e faz direito”, disse o presidente do BNDES.

O levantamento do Estado demonstra, como já era sabido, que os empréstimos às obras no exterior foram concentrados. Angola, que recebeu US$ 3,273 bilhões de US$ 3,946 bilhões contratados, Argentina, Venezuela e República Dominicana se destacam entre os países importadores. Das 86 obras mapeadas, 31 estão em Angola, ou 36% do total. Em seguida vem a República Dominicana, com 16, ou 18,6% do total. Empreiteira com mais contratos no exterior, a Odebrecht recebeu US$ 7,984 bilhões, 76% do total efetivamente desembolsado para os empréstimos. “A Odebrecht foi o carro-chefe nesse produto. O Brasil fazia pouco isso e ela se lançou”, disse Montezano.

Angola

Embora os inadimplentes Cuba e Venezuela sejam, frequentemente, os mais citados nas críticas à “caixa-preta” dos empréstimos do BNDES para obras no exterior, Angola foi o país que mais recebeu recursos desses financiamentos.

Entre 1998 e 2016, o BNDES concedeu US$ 3,946 bilhões em empréstimos para Angola contratar construtoras brasileiras, com destaque para a Odebrecht. Até junho de 2019, foram desembolsados US$ 3,273 bilhões nessas operações. Angola ainda deve US$ 639 milhões e não tem nenhuma parcela da dívida em atraso, segundo dados do site do banco de fomento.

Estudioso das relações entre Brasil e Angola, o pesquisador Mathias de Alencastro, do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), cita a ascensão econômica do país da costa oeste da África após o fim da guerra civil, em 2002, e a presença histórica da Odebrecht por lá como principais responsáveis por tamanha concentração.

O “Livro Verde”, que procura passar a limpo as operações do BNDES e foi lançado em 2017, informa que, desde 2007, foram aprovadas 91 operações de financiamento a exportações realizadas por 11 empresas brasileiras para fornecimento de bens e serviços a Angola. No site do banco, o Estado mapeou 31 projetos de investimento em infraestrutura no país – em mais de um caso, uma obra recebeu mais de um empréstimo.

O fim da guerra civil travada desde 1975, ano da independência de Portugal, pelo governista Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) e pelo oposicionista União Nacional pela Independência Total de Angola (Unita) coincidiu com o período de crescimento da economia global que produziu o “boom” no preço das commodities. Ao mesmo tempo em que precisava reconstruir a infraestrutura após 30 anos de conflito, Angola, com a petroleira estatal Sonangol, se tornou um dos principais produtores de petróleo na África subsaariana, ao lado da Nigéria.

Para Alencastro, isso tornou a ex-colônia portuguesa estratégica no Atlântico Sul para o Brasil, independentemente de conotações político-partidárias. Embora o MPLA fosse alinhado com o bloco socialista, no contexto da Guerra Fria que marcou a guerra civil angolana, o governo militar do general Ernesto Geisel foi o primeiro a reconhecer Angola como país independente, ainda em 1975. Isso impulsionou a presença das empreiteiras brasileiras no país africano, principalmente a partir dos anos 1980.

Segundo o pesquisador do Cebrap, a presença da Odebrecht em Angola ficou enraizada. A empreiteira chegou a ser a maior empregadora privada no país, com 30 mil funcionários, e participou ativamente no projeto político do governo angolano, à época presidido por José Eduardo dos Santos, disse Alencastro.

Dos US$ 4 bilhões em empréstimos contratados para Angola, US$ 3,1 bilhões foram para obras tocadas pela Odebrecht, a partir de meados da década de 2000. Os projetos incluem investimentos em rodovias, saneamento, abastecimento de água, geração e distribuição de energia elétrica e habitação.

O maior deles, a construção da Hidrelétrica de Laúca, a cargo da Odebrecht, recebeu financiamento de US$ 646 milhões, em duas operações. Um dos empréstimos, de US$ 500 milhões, está na lista de 25 suspensos em maio de 2016, por suspeitas de corrupção.

Também foram paralisados os créditos para a construção da Hidrelétrica de Cambambe, outra a cargo da Odebrecht, que recebeu empréstimos de US$ 464,4 milhões no total, e a construção da Autoestrada Periférica de Luanda, capital angolana, cujas obras foram divididas pela Odebrecht e pela Queiroz Galvão, com financiamento de US$ 372,6 milhões.

Confira matéria do site Estadão.

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