O populismo colhe tempestades, muito antes de as semear

Trump, Brexit, Bolsonaro: são mais sintomas do que causas do fenômeno atribuído ao nacional-populismo. São mais uma reação do que protagonistas que produziram a tal polarização na sociedade.

Essa é a tese que venho defendendo faz tempo, pois acredito que o erro de diagnóstico fará o establishment dobrar a aposta na direção equivocada, o que pode ser terrível para as democracias liberais.

Aprisionadas numa bolha “progressista”, as elites cosmopolitas se recusam a enxergar a legitimidade desses fenômenos, preferindo tratar os apoiadores desse nacional-populismo como um bando de alienados e ressentidos sem cultura. Big mistake!

Em sua coluna de hoje, João Pereira Coutinho também trata os casos, em especial o Brexit, como uma reação legítima, tomando como base o filme “Brexit: The Uncivil War”, de Toby Haynes. Ele traz a incômoda questão: o que é que o establishment fez para que isso não acontecesse? E escreve:

Boa pergunta. Decisiva pergunta. Na história do brexit, conhecemos a forma como o “leave” exagerou e mentiu aos eleitores. O filme não se esquece disso, lembrando a importância das redes sociais e da manipulação de dados de usuários para fazer passar a mensagem —“take back control”— com demolidora eficácia.

Mas seria um erro explicar o brexit apenas com bots e algoritmos. A tecnologia só funcionou porque havia uma realidade de angústia por trás. Uma realidade que Cummings, e não Oliver, se deu ao trabalho de conhecer. Nos pubs, nas pequenas vilas, nas casas pobres dos ingleses cujas vidas já não faziam sentido.

Qualquer pessoa remotamente interessada no fenômeno populista tem de assistir a “Brexit: The Uncivil War”. O filme explica com talento e leveza o que quilos e quilos de bibliografia parecem incapazes de captar: o populismo colhe tempestades, muito antes de as semear. São as tempestades que uma classe política obsoleta fez de tudo para esquecer.

Quando o “sistema” vira as costas para o povo, quando as elites governantes ignoram demais os governados, quando a bolha globalista se blinda contra anseios nacionalistas atávicos, uma reação forte parece inevitável.

Trump é o dedo do meio a uma mídia enviesada e torcedora. Bolsonaro é um grito de desespero contra décadas de hegemonia esquerdista. O Brexit é a resposta de um povo cansado das ingerências de Bruxelas.

Reações legítimas, até saudáveis, em que pese o excesso eventual. Reduzir tudo isso a manipulações de redes sociais, Fake News ou alienação de uma massa ressentida é simplificar demais algo bem mais complexo. Chamar essa turma toda de “deplorável” ou “fascista” é jogar mais lenha na fogueira populista.

Enquanto a elite cosmopolita não fizer seu mea culpa, enquanto a imprensa não reconhecer seu escancarado viés “progressista”, o nacional-populismo só vai aumentar, como uma resposta a esse escárnio todo.

Confira matéria do site Gazeta do Povo.

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