Empresa do amigo de Temer deu prejuízo de R$ 2,7 mi ao Tribunal de Justiça, diz TCE

Coronel Lima. Foto: Fábio Mota/Estadão

Fiscalização do Tribunal de Contas do Estado revela que a Argeplan, do Coronel Lima, cometeu irregularidades na execução de contrato com a Corte judicial, provocando ‘perda do equilíbrio econômico financeiro’

Uma fiscalização do Tribunal de Contas de São Paulo apontou prejuízos de R$ 2,7 milhões causados pela empresa de João Baptista Lima Filho, o Coronel Lima, amigo do ex-presidente Michel Temer, em contrato com o Tribunal de Justiça do Estado. O mesmo termo também está na mira da Polícia Federal, no âmbito do inquérito dos Portos, em que a empresa é apontada como suposta laranja de propinas ao emedebista. O relatório, de abril, do TCE não cita o ex-presidente.

No contrato de R$ 94 milhões – valor exposto pelo TCE – com o Tribunal de Justiça, firmado em 2013, a Argeplan está consorciada com a Concremat – dona da Contemat, que construiu a ciclovia Tim Maia, que já desabou três vezes no Rio de Janeiro.

O termo prevê ‘prestação de serviços de apoio técnico por profissionais especializados na área de arquitetura e engenharia, incluindo assessoria, consultoria, coordenação, supervisão, avaliação e execução de levantamentos, estudos, projetos e atividades afins e correlatas’.

Reprodução de relatório de fiscalização do TCE

Segundo relatório de fiscalização da Corte de Contas, foram identificadas irregularidades na execução do termo, e também a ‘perda do equilíbrio econômico financeiro’, que levou a um prejuízo milionário para o TJ.

Os fiscais do TCE também constataram a ‘manutenção da execução de itens em quantidades maiores que as contratadas/aditadas sem formalização de termo de aditamento’. Neste item, o TCE enumerou pagamentos a profissionais contratados pelo consórcio que chegam a custar 217% em relação ao valor contratado.

“Assim, pode-se verificar que, em comparação com os percentuais apontados na execução contratual anterior, estes são todos maiores, reiterando constatação de que o objeto contratual não foi executado em conformidade com a descrição do edital/contrato”, afirma o relatório.

Reprodução de relatório de fiscalização do TCE

Segundo o documento, ‘o cálculo da perda do equilíbrio econômico-financeiro do contrato pôde ser estabelecido em termos não estimativos após a finalização da execução’. “Conforme apontamento feito na Instrução do quarto Termo de Aditamento, o desconto inicialmente firmado no contrato foi de 7,11% enquanto que o desconto do contrato calculado por esta fiscalização considerando o que foi efetivamente realizado foi de 3,42%”.

“De tal forma que, considerando o desconto inicialmente pactuado (7,11%), o valor absoluto do equilíbrio econômico-financeiro deveria ter sido de R$ 5.322.877,85 (chamado equilíbrio econômico-financeiro do contrato); no entanto, considerando o desconto após as alterações dos quantitativos efetivamente executados (3,42%), o valor absoluto do equilíbrio econômico-financeiro foi de R$ 2.560.371,63 (chamado de equilíbrio econômico financeiro efetivo). Assim, a perda do equilíbrio econômico financeiro em desfavor da administração foi de R$ 2.762.506,23”, diz a auditoria.

Calças rebate
Após o relatório ser entregue pelos fiscais, o conselheiro relator do caso, Renato Martins Costa, deu 15 dias para o Tribunal de Justiça de São Paulo. Em um longo relatório, o presidente da Corte, Manoel Pereira Calças, defendeu a regularidade do termo.

Em sua resposta, Calças afirma que o cálculo de sobrepreço/superfaturamento contido na Portaria-Segeeex n 33/2012 se aplica às fiscalizações de obras públicas, o que não corresponde à hipótese dos autos, que diz respeito a serviços de apoio e fiscalização na área de engenharia.

Reprodução de trecho da resposta do presidente do TJ ao TCE

“Ademais, o contrato nº 119/13 é sob demanda, de modo que seu objeto não corresponde à totalidade das estimativas máximas previstas na avença, mas tão somente aos serviços dentro daquele limite máximo se mostrem necessários durante seu período de vig~encia. Ou seja, não houve execução em quantitativos superiores ao contratado e somente foram pagos os serviços efetivamente executados, o que – por si só – já afasta a possibilidade de ocorrência de jogo de planilha”, afirma.

Na mira da PF

Trecho de relatório conclusivo da PF no inquérito dos Portos

Segundo a denúncia oferecida pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge, contra o ex-presidente e o Coronel Lima, no inquérito dos Portos, a Argeplan está entre ‘empresas de fachada’ que ajudaram a ocultar R$ 32,6 milhões em supostas propinas.

Naquela investigação, a Polícia Federal devassou as contas da empresa de arquitetura, e apontou para a necessidade de abrir uma frente de investigação somente para mirar o contrato dela com o Tribunal de Justiça de São Paulo. “Mais uma vez, destaca-se a abstração dos objetos dos contratos realizados pela Argeplan e suas empresas”.

De acordo com a PF, o contrato com a Corte representa uma das principais fontes de recursos da Argeplan. A conclusão foi embasada em um relatório da desembargadora Maria Lúcia Ribeiro Pizzoti, coordenadora das obras de restauro do Palácio de Justiça de São Paulo.

Em seus apontamentos – obtidos pela PF – a magistrada afirma que o ‘contrato de vultoso valor – aproximados R$130 milhões de reais -, contava com valor desproporcional, em face do que representava o seu objeto, qual seja, de elaboração de projetos de combate e prevenção a incêndio, e outros, de menor porte, como envolvendo reparos em telhados, instalações elétricas, acessibilidade, climatização sendo certo que a proporção dos projetos relativos à proteção de incêndio correspondiam a aproximados 80% do escopo contratual’

Trecho de relatório conclusivo da PF no inquérito dos Portos

“Os restantes 20%, os demais itens, o que chamou minha atenção, especialmente pelo fato de que além de se tratarem de proietos simpia, envolviam projetos de prevenção de incêndio a compreender apenas a previsão de instalação de extintores de incêndio, rampas de acesso, guarda corpo de escadas, não incluindo
itens tecnicamente mais complexos como sprinkers, alarmes de incêndio, portas corta fogo e etc., o que me levou à conclusão de que em se tratando de projetos de pouca complexidade, os valores poderiam estar super mensurados”, anotou.

De acordo com a desembargadora, ‘outro aspecto que chamou a minha atenção foi a “coincidência” da empresa Argeplan ter vencido duas licitações seguidas no Tribunal, uma de elaboração de projeto de restauro e a outra de acompanhamento de obras e elaboração de projetos, em datas muito próxima, embora se trate ela de empresa de pequeno porte’.

“Os valores dos projetos não contavam com forma clara de cálculo, ou seja, não tinham base de cálculo transparente, sendo certo que mesmo projetos simples foram calculados pela metragem total do fórum onde seriam realizados, podendo assim ter havido superprecificação”, anotou.

Argeplan

A Argeplan está no centro de diversas denúncias contra o ex-presidente Michel Temer (MDB), como intermediária de supostas propinas. A empresa foi responsável, por exemplo, pela reforma da casa da filha do emedebista, Maristela, custeada com R$ 1,6 milhão em pagamentos com dinheiro vivo. Segundo a Lava Jato, o dinheiro é oriundo de contratos de Angra 3.

Trecho de documento do Ministério Público sobre a reforma na casa da filha de Temer

No relatório conclusivo sobre supostas propinas de R$ 10 milhões da Odebrecht, a Polícia Federal identificou inclusive ligações telefônicas entre o doleiro usado pela empreiteira e o Coronel Lima para combinar entregas de dinheiro. Conversas entre os responsáveis pela operacionalização dos repasses, consta que elas foram feitas no endereço da Argeplan.

Reprodução de trecho de conversa de entregadores de propina da Odebrecht

á na Operação Descontaminação, em que o ex-presidente é denunciado por peculato, corrupção e lavagem nas obras de Angra 3, a força-tarefa do Rio afirma que, sem expertise, a Argeplan e outras empresas ligadas a Lima foram contratadas somente para operar desvios ao ex-presidente e ao Coronel Lima.

COM A PALAVRA, O TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO

O Consórcio Argeplan/Concremat foi contratado após regular processo licitatório para prestação de serviços de apoio técnico por profissionais especializados nas áreas de arquitetura e engenharia, incluindo assessoria, consultoria, coordenação, supervisão, avaliação e execução de levantamentos, estudos, projetos e atividades correlatas. Esse contratou foi vigente por 65 meses (8/13 a 12/18), em razão do qual foram executadas e entregues 850 Ordens de serviços, assim distribuídas entre as regiões administrativas do TJSP:

  1. R01 – Grande São Paulo:                       119
  2. R02 – Região Araçatuba:                          52
  3. R03 – Região Bauru:                                 76
  4. R04 – Região Campinas:                         126
  5. R05 – Região Pres. Prudente:                  80
  6. R06 – Região Ribeirão Preto:                 119
  7. R07 – Região Santos:                                49
  8. R08 – Região São José Rio Preto:            51
  9. R09 – Região São José dos Campos:       70
  10. R10-   Região Sorocaba:                           59
  11. Unidade Central/Regional:                      49

Esses serviços compreendiam:

  1. 623 Projetos de Engenharia e Arquitetura executados nos prédios ocupados pelo TJSP, tais como: Adequações prediais para atendimento a normas de Acessibilidade; às de  Corpo de Bombeiros; Reforma Elétrica Geral; Fechamento Perimetral; Reforma de Telhados e Coberturas; Reforma Hidráulica e Eliminação de Infiltrações; Reforço Estrutural e Impermeabilização; Reformas de Fachadas e Caixilhos; Climatização; Elevador; Poço Artesiano; Sistema de Proteção de Descargas Atmosféricas; Telefonia e Circuito Fechado de TV; Regularização documental fundiária e de edificações;
  2. 209 Documentações de Especificação Técnica e Orçamentos, requeridos pela Lei de Licitações, para contratação de obras e serviços de engenharia, incluindo planilhas detalhadas de materiais e serviços, orçamentos, cronogramas e planejamento;
  3. 18 Ordens de Serviço referentes a profissionais técnicos sob demanda para atender às necessidades pontuais de todos os prédios de comarcas distribuídas em todo Estado de São Paulo. Esses profissionais realizaram 2377 Vistorias prediais e 1425 Relatórios técnicos para apoio especializado: em 809 obras de pequenas reformas, por meio de Ata de Registro de Preços; 365 projetos de ocupação e readequação; 35 laudos sobre terrenos e 216 relatórios de consultoria às demandas dos edifícios pelas administrações regionais;
  4. 5 ordens de Serviço referentes a apoio técnico em fiscalização de 704 obras.

O faturamento e pagamento dos serviços acima relacionados se dava mediante efetiva demanda do TJSP. Assim, do valor total contratado, do limite máximo possível, foram demandados e pagos aproximadamente 73 milhões de reais.Equivocada, portanto, a afirmação de que houve desembolso de cerca de 130 milhões de reais.

As supostas irregularidades apontadas pelo TCE no TC-27633/026/13, com relação à execução do contrato firmado com o Consórcio Argeplan/Concremat, apontadas em Ofício nº 19/2019, de 3/4/19, foram devidamente esclarecidas pelo TJSP. Especificamente com relação à indicação de suposta “perda do equilíbrio econômico-financeiro em desfavor da Administração em R$ 2.762.506,23” o TJSP assim se pronunciou:

“Com a devida vênia, a alegação não se sustenta.

O cálculo de sobrepreço/superfaturamento contido na Portaria-Segecex nº 33/2012 se aplica às fiscalizações de obras públicas, o que não corresponde à hipótese dos autos, que diz respeito a serviços de apoio e fiscalização na área de arquitetura e engenharia. A corroborar tal entendimento, colacionamos o seguinte trecho do Roteiro de Auditoria de Obras Públicas anexo àquela norma:

“199. Este capítulo se destina a apresentar os principais aspectos da apuração de sobrepreço e/ou superfaturamento nas fiscalizações de obras públicas do TCU. 200. Há sobrepreço global quando o preço global da obra é injustificadamente superior ao preço global do orçamento paradigma. De modo similar, há sobrepreço unitário quando o preço unitário de determinado serviço é injustificadamente maior que o respectivo preço unitário paradigma.

201. Cabe esclarecer, contudo, que a existência de sobrepreço, por si só, não resulta em dano ao erário. É o superfaturamento que materializa o dano, com a liquidação e o pagamento de serviços com sobrepreço ou por serviços não executados”.

Ademais, o Contrato nº 119/13 é sob demanda, de modo que seu objeto não corresponde à totalidade das estimativas máximas previstas na avença, mas tão-somente aos serviços que dentro daquele limite máximo se mostrem necessários durante seu período de vigência. Ou seja, não houve execução em quantitativos superiores ao contratado (vide item II.4 acima) e somente foram pagos os serviços efetivamente executados, o que – por si só – já afasta a possibilidade de ocorrência de jogo de planilha.

Acostamos no DOC. 08, planilha contendo: (i) orçamento-base da licitação; (ii) percentual de desconto (por item) concedido pela Contratante; (iii) quantitativos demandados; e (iv) valores efetivamente liquidados. Conforme indicado na planilha, o item de maior valor, para o qual foi concedido o maior percentual de desconto se refere a “Projetos para construção, ampliação, reforma geral e adequação”. Do total desses serviços estimados no contrato original (327.018,00 m2), foram utilizados somente 66.935,14m2. Contudo, conforme já explicado acima, tal utilização a menor encontra respaldo em fatos supervenientes e imprevisíveis, pois quando idealizada a contratação, a Presidência do TJSP tinha como intenção construir 36 novos fóruns, além de promover outras reformas e ampliações de edificações já existentes (vide “Programa Fóruns São Paulo” às fls. 04/81). Ocorre que, em 2014, em razão da crise financeira com reflexos no orçamento desta Corte, a Presidência deste Tribunal foi obrigada a cancelar o programa de construção de Fóruns. Consequentemente, o plano de obras aprovado em 2014 foi alterado a fim de reduzir significativamente as atividades relativas a projetos de construção, ampliação e reformas gerais de edificações, motivo pelo qual o item com maior desconto (“Projetos para construção, ampliação, reforma geral e adequação”) foi pouco utilizado.

Destarte, a redução do percentual de desconto concedido é explicada pelo fato do item “Projetos para construção, ampliação, reforma geral e adequação” representar o maior valor do contrato e ter sido pouco utilizado, o que afasta a alardeada quebra do equilíbrio econômico-financeiro por jogo de planilha.

Reitera-se que as ordens de serviços emitidas por força do contrato firmado com o consórcio Argeplan/Concremat foram executadas. Frise-se que o contrato e a sua execução foram submetidos aos órgãos internos e externos de controle, e os apontamentos da Diretoria de Fiscalização do Tribunal de Contas do Estado foram esclarecidos no processo próprio.

O Tribunal não recebeu comunicação oficial sobre relatório conclusivo da Polícia Federal, desconhecendo o seu teor. Por esse motivo, não dispõe de elementos para se pronunciar sobre o mencionado documento.

Necessário esclarecer, por fim, que a desembargadora Maria Lucia Ribeiro Pizzotti não exercia função nem de gestora nem de fiscal desse contrato, nem, tampouco, ocupava cargo em órgão de Controle Interno do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Foi coordenadora das Obras de Restauro do Palácio da Justiça do TJSP, que foram fiscalizadas pelo Tribunal de Contas do Estado, devidamente aprovadas (TC-35746/026/13).

COM A PALAVRA, ARGEPLAN

A reportagem entrou em contato com a empresa desde segunda, 9. O espaço está aberto para manifestação.

COM A PALAVRA, CONCREMAT

A reportagem entrou em contato com a empresa desde segunda, 9. O espaço está aberto para manifestação.

LEIA A ÍNTEGRA DO RELATÓRIO DE FISCALIZAÇÃO

LEIA A ÍNTEGRA DA RESPOSTA DE CALÇAS:

Confira matéria do site Estadão.

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