O futuro da procuradoria no governo Bolsonaro

Vista aérea da Procuradoria-Geral da República em Brasília. Foto: Dida Sampaio/Estadão

Veja quais são os desafios que o novo procurador-geral terá pela frente na chefia do Ministério Público e quem são os candidatos ao cargo

Os desafios

Jair Bolsonaro vai escolher o novo procurador-geral da República. Neste século, o titular do cargo foi responsável por acusar os envolvidos no mensalão, denunciar o presidente da República por crime de corrupção e ajudar a moldar o modelo de cooperação internacional e de delação premiada que se tornou a base da Operação Lava Jato. Diante do novo ocupante do cargo estarão processos como o que envolve o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), o destino das forças-tarefa no Ministério Público Federal, a nomeação de alguns dos mais importantes cargos da instituição, além de um orçamento de R$ 4 bilhões.

Para a instituição, o desafio será preservar a independência e conviver com um procurador alinhado ao bolsonarismo – o presidente já deixou claro que esse será seu critério para a escolha – sem abandonar suas principais linhas de atuação nas últimas décadas: defesa dos direitos humanos, do meio ambiente, dos povos indígenas e o combate à corrupção. Veja quais serão as principais tarefas do próximo procurador-geral e quem são os candidatos:

As forças-tarefa

O novo procurador-geral terá de lidar com o destinos das forças-tarefa do Ministério Público Federal no Brasil. Está no Conselho Superior da instituição um projeto feito pela Câmara do Meio Ambiente que institui grupos permanentes regionalizados de atuação especial para delitos ambientais nos moldes dos grupos especializados que já existem nos Ministério Públicos Estaduais como os grupos de Atuação Especial e Combate ao Crime Organizado (Gaecos). Caso seja aprovado, a experiência pode ser desdobrada para outras áreas, como o combate à corrupção e aos crimes contra a ordem econômica.

A questão envolve ainda um ponto crucial: quem vai indicar os integrantes de cada grupo? Se for o procurador-geral e o Conselho Superior, o poder da cúpula da instituição crescerá exponencialmente. Caso a tarefa fique nas mãos dos colégios locais de procuradores – como é atualmente com as forças-tarefa – haveria um freio e controle da classe em relação à distribuição desses cargos estratégicos, evitando os vícios de alguns Gaecos nos Estados. Também deve ser definido se os membros dessas forças terão mandato definido e ele poderá ser renovado ou se, uma vez designados, passarão a contar com estabilidade – a chamada inamovibilidade -, o que os deixaria livre de pressões de cima e fora da instituição. Há quem defenda a mudança ainda dentro de um plano de reestruturação da instituição em razão da digitalização dos processos, da eficiência processual e da racionalidade dos recursos. Veja as principais forças-tarefa em andamento no MPF.

Lava Jato

Formada em 2014, ela foi responsável por 2.476 procedimentos instaurados, com mais de 300 prisões preventivas, temporárias e flagrantes. Firmou 184 acordos de delação premiada e obteve 244 condenações contra 159 pessoas, entre elas o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Greenfield

Feita em 2016, ela investiga cinco dezenas de empresas supostamente envolvidas em fraudes em fundos de pensão que alcançam R$ 53,8 bilhões ou quatro vezes o valor de R$ 13,8 bilhões desviados pelo esquema que agiu na Petrobrás. Entre as empresas investigadas estavam a J&F, dos empresários Joesley e Wesley Batista.

Zelotes

Investigação iniciada em 2015, verifica crimes tributários e de corrupção cometidos por empresários e funcionários públicos no Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf), órgão do Ministério da Fazenda responsável por julgar recursos de autuações em razão de sonegação fiscal e previdenciária.

Hydro

Formada em 2018, apura a responsabilidade pelo desastre ambiental no Rio Pará, com o derramamento de rejeitos tóxicos pela mineradora norueguesa Hydro. Dela participam integrantes do MPF e do Ministério Público do Pará , que buscam a reparação dos danos ambientais e a apuração das responsabilidades no caso

Veja quais são as outras forças-tarefa: Amazônia, Alcatraz (SC), Amianto, Araguaia, Avá Guarani, Barragens, Bullish, Greenfield (2ª Instância), Lava Jato Rio, Lava Jato São Paulo, Lava Jato STJ, Lava Jato (2ª Instância), Saqueador, Veiculação e Desumanidade, Zelotes (STJ), Rio Doce, Panatenaico, Topique, Fazenda Brasil Verde, Rio São Francisco, Projeto Amazônia Protege, Córrego do Feijão, Operação Maus Caminhos.

Ministro presidente do STF Antonio Dias Toffoli e a PGR Raquel Dodge Foto: Nelson Jr./SCO/STF.

A pauta no STF

O futuro procurador-geral terá pela frente a defesa de dois pontos considerados fundamentais pela classe para o combate à criminalidade organizada no País: os julgamentos de ações no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o cumprimento de pena após condenação em 2.ª instância – como aconteceu com Luiz Inácio Lula da Silva – e a autorização de compartilhamento com o Ministério Público de dados recolhidos pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). Decisão do ministro Dias Toffoli, presidente do STF, paralisou todas as investigações que se haviam iniciado com dados do Coaf após pedido feito pela defesa do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), que teve os sigilos bancário e fiscal quebrados sob a suspeita de desviar dinheiro dos funcionários de seu gabinete na Assembleia Legislativa do Rio. Além desses casos, o novo procurador deverá se manifestar em temas importantes para a pauta bolsonarista, como a liberação do uso da maconha para fins recreativos e a portaria do ministro Sérgio Moro que determina a expulsão do País de estrangeiros considerados perigosos em um prazo de 48 horas.

2.ª Instância

Adiado pelo ministro Dias Toffoli após pedido da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o julgamento da ação que definirá se um réu deve ser preso após condenação em 2.ª instância pode ser retomado neste segundo semestre no STF. Não há, no entanto, uma data marcada para que ele entre na pauta.

Coaf

Decisão do ministro Dias Toffoli suspendeu em todo o País as investigações em curso em que houve compartilhamento de dados do Coaf. A medida, segundo procuradores especializados no combate ao crime organizado, paralisou as apurações de lavagem de dinheiro beneficiando organizações como o Primeiro Comando da Capital e políticos corruptos.

Maconha

Dias Toffoli retirou da pauta do STF, por enquanto, a ação que devia levar à liberação do uso da maconha no País. A medida é criticada pelo presidente Jair Bolsonaro, mas contava com o apoio da maioria dos ministros do STF, que pretendia estabelecer ainda quantidades da droga que cada usuário poderia manter consigo sem ser considerado traficante.

Lula X Moro

O STF deve analisar ainda neste segundo semestre o recurso da defesa do ex-presidente que pede o reconhecimento da parcialidade do juiz Sérgio Moro ao julgar e fazer a instrução de seus processos em Curitiba. O principal argumento é o conteúdo de conversas interceptadas por hackers entre Moro e o procurador da República Deltan Dallagnol.

Fake news

O plenário da Corte vai analisar a legalidade e determinar a continuidade ou não do inquérito presidido pelo ministro Alexandre de Moraes que apura as chamadas fake news e ameaças contra ministros do STF. Raquel Dodge já se manifestou contra o prosseguimento das investigações sem o acompanhamento do MPF.

Foto: Ueslei Marcelino/Reuters

Nomeações

Dezenas de cargos importantes na Procuradoria-Geral da República dependem do procurador-geral. Mas nem todos. A Lei Complementar 75 (sobre a organização e atribuições do Ministério Público da União) divide esse poder entre o procurador-geral e o Conselho Superior da instituição. Mas ao chefe do MPF cabe nomear o vice-procurador-geral e o vice-procurador-geral eleitoral. Cabe a ele ainda indicar o procurador federal dos direitos do cidadão – ouvido o Conselho Superior – e um de cada três membros efetivos e suplentes das Câmaras de Coordenação e Revisão do MPF, que cuidam da atuação do órgão em áreas como meio ambiente, combate à corrupção e a delitos contra a ordem econômica. O procurador-geral e o vice-procurador-geral são membros natos do Conselho Superior.

Quatro outros integrantes são eleitos por toda a classe e quatro somente pelos subprocuradores-gerais. Esses oito membros já foram eleitos – quatro deles estão no meio do mandado e quatro tomaram posse na sexta-feira. Destes, cinco são ligados ao grupo do ex-procurador-geral Rodrigo Janot e um é próximo ao subprocurador-geral Mário Bonsaglia, primeiro colocado na lista tríplice elaborada pelos procuradores em eleição feita pela Associação Nacional dos Procuradores da República. Veja aqui os principais cargos da instituição.

Procurador-geral da República

É o representante do Ministério Público Federal que atua no Supremo Tribunal Federal e, por isso, cabe a ele processar as autoridades com foro, como presidentes da República, da Câmara e do Senado. É ainda o chefe do Ministério Público da União, que engloba os Ministérios Públicos Militar, do Trabalho e do Distrito Federal.

Vice-procurador-geral

É o responsável por delegação do procurador-geral dos casos da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, que analisa os casos criminais envolvendo desembargadores e governadores. É ainda responsável por substituir o procurador-geral no STF.

Vice-procurador-geral eleitoral

É o responsável pelos casos de crimes eleitorais julgados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), exceto os casos que envolvam o presidente da República, que permanecem nas mãos do procurador-geral de Justiça

Procurador federal dos direitos do cidadão

É o responsável por “zelar pelo efetivo respeito dos poderes públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia”. Entre os direitos individuais que ele deve cuidar estão a liberdade, igualdade, saúde, educação, assistência social, acesso à justiça, direito à informação e livre expressão, reforma agrária etc.

Conselheiro do MPF

Com dez integrantes, o conselho é o órgão máximo de deliberação do MPF. Entre suas atribuições estão definir promoções por mérito, aprovar as normas para concursos de ingresso no MPF determinar a realização de correições e sindicâncias. É ele que elabora a lista tríplice de nomes para o cargo de corregedor-geral do MPF, entre os quais o procurador-geral deve escolher o ocupante do cargo, além de elaborar critérios para a distribuição de inquéritos para procuradores. Também elege dois dos três integrantes de cada Câmara de Coordenação de Revisão.

Membros das Câmaras de Coordenação e Revisão

As Câmaras de Coordenação e Revisão (CCR) do Ministério Público Federal são compostas por subprocuradores-gerais e são os órgãos setoriais que coordenam, integram e revisam o exercício funcional dos membros da instituição – procuradores e subprocuradores da República. São organizadas por função ou por matéria. Existem sete: Direitos sociais e fiscalização de atos da administração em geral, criminal, consumidor e ordem econômica, meio ambiente e patrimônio cultural, combate à corrupção, populações indígenas e comunidades tradicionais e controle externo da atividade policial e sistema prisional.

Processos no QG da Lava Jato, em Curitiba/PR. Foto: Rodolfo Buhrer/Estadão

Orçamento

O Ministério Público Federal está em uma encruzilhada. Pego no contrapé pela Emenda Constitucional 95 – a que criou o teto de gastos no setor público – o MPF precisa controlar seus gastos. É que em 2016, ano-base para os cálculos feitos pela emenda, a instituição estava em contenção de gastos para fazer sua expansão no ano seguinte. Agora, o MPF planeja fechar sedes no interior do País – já foram fechadas sedes no interior do Paraná, Santa Catarina, Minas e São Paulo – e aposta na digitalização de processos para rearranjar sua estrutura. Atualmente cerca de 85% do orçamento do órgão é gasto com despesas obrigatórias – salários, por exemplo – e 15% com as chamadas despesas discricionárias, como a reforma de sedes, compras de equipamentos e viagens. A necessidade de conter despesas ocorre ao mesmo tempo em que as mudanças causadas pela digitalização dos processos judiciais levam os procuradores a defender o pagamento de gratificação por trabalho à distância, o que não foi aceito neste ano após empate de 5 a 5 em votação no Conselho Superior do MPF. Na sexta-feira, o conselho votou o orçamento da instituição para 2020.

Os candidatos

São seis os procuradores que têm alguma chance de ser indicados pelo presidente Jair Bolsonaro para o cargo: os três que compõem a lista tríplice feita pela ANPR após eleição da categoria – Mario Bonsaglia, Luiza Frischeisen e Blau Dalloul -, a atual procuradora-geral, Raquel Dodge, e os subprocuradores-gerais Augusto Aras e Paulo Gustavo Gonet Branco. Candidatos mais à esquerda no MPF não se candidataram desta vez ao cargo, como o subprocurador-geral Nicolao Dino. E, pela primeira vez, a categoria colocou no primeiro lugar da lista da associação – por meio da qual eram escolhidos, embora não fosse uma determinação legal, os procuradores-gerais desde 2003 – um procurador conservador: Mario Bonsaglia.

Raquel Dodge
A atual procuradora-geral foi escolhida pelo presidente Michel Temer entre os 3 nomes que compunham a lista tríplice eleita pela categoria. Ela não se candidatou desta vez, mas conta com o apoio de ministros do STF. Denunciou Jair Bolsonaro por racismo e defendeu a continuidade de investigações com base em dados do Coaf.
Augusto Aras
É subprocurador-geral da República e, a exemplo de Raquel, não disputou a eleição da Associação Nacional do Procuradores. Defende uma administração disruptiva no MPF. Tem o apoio do ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, e dos filhos de Bolsonaro. Foi coordenador da Câmara de Direito do Consumidor e Ordem Econômica. Manteve cinco encontros com Jair Bolsonaro.
Paulo Gustavo Gonet Branco
É subprocurador-geral da República e é considerado um dos maiores especialistas em direito constitucional da instituição. Nunca concorreu ou exerceu nenhum cargo no Conselho ou nas Câmaras de Coordenação e Revisão. É católico conservador, foi sócio do ministro Gilmar Mendes, do STF, em instituição de ensino e assessorou Raquel Dodge na PGR. Encontrou-se com Jair Bolsonaro.
Mario Bonsaglia
É subprocurador-geral da República. Já esteve duas outras vezes na lista tríplice feita pela associação dos procuradores, mas esta foi a primeira vez que foi o mais votado para o cargo. Atua na Câmara de Controle Externo da Atividade Policial. É considerado um conservador. Defende mudança na gestão dos recursos do MPF. Recebeu apoio dos integrantes das forças-tarefa como os das operações Lava Jato, Zelotes e Greenfield. Esteve com filhos de Jair Bolsonaro.
Luiza Frischeisen
É subprocuradora-geral da República e comanda a 2ª Câmara, responsável pelos casos criminais. Defendeu a permanência do Coaf no Ministério da Justiça. Entrou no MPF em 1992 e faz parte do Conselho Superior do MPF, onde votou contra a nomeação de procurador da República escolhido por Bolsonaro para a Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos. Foi a segunda mais votada da lista tríplice.
Blal Dalloul
É procurador regional da República e foi o terceiro mais votado na lista tríplice da categoria. Chefiou a procuradoria em Mato Grosso do Sul e foi secretário-geral da instituição durante a gestão do procurador-geral Rodrigo Janot. Trabalha há 34 anos no MPF – antes de ser procurador, trabalhou 11 anos como servidor

EXPEDIENTE

EDITOR EXECUTIVO DE ARTE: Fabio Sales EDITORA DE INFOGRAFIA: Regina Elisabeth Silva EDITOR ASSISTENTE DE INFOGRAFIA: Vinicius Sueiro.

Confira matéria do site Estadão.

Be the first to comment on "O futuro da procuradoria no governo Bolsonaro"

Leave a comment

Your email address will not be published.


*