No começo dos anos 90, o então presidente Fernando Collor chamou os carros brasileiros de “carroças”. De lá para cá, muita coisa mudou: as principais montadoras mundiais se estabeleceram no Brasil, dando ao país uma capacidade instalada para produzir mais de 5 milhões de unidades. Mas as projeções da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) indicam que a produção deverá chegar a 3,14 milhões.
Um novo desafio está batendo às portas da indústria automobilística: manter a competitividade em um cenário de concorrência com os europeus, dentro do acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Mercosul.
Ainda não é uma corrida contra o relógio porque o acordo precisa ser aprovado pelos 31 países, o que pode demorar mais de dois anos. Assim que for referendado, entrará em vigor um regime de cotas, na qual 32 mil unidades – o equivalente a cerca de 1% da produção nacional – poderão entrar no país com um imposto de importação de 17,5%.
Acima da cota, a alíquota será de 35%, que permanecerá por sete anos. Elas serão gradualmente rebaixadas até o 16° ano, quando serão zeradas e o livre comércio entrará em vigor.
Mas os preparativos já poderiam começar, uma vez que envolvem muita conversa com o governo. Especialistas apontam que manter as condições de competitividade da indústria automobilística brasileira vai depender mais do governo do que das empresas.
“É necessário uma forte atuação do lado de fora da indústria.”
Carlos Libera, sócio da consultoria Bain
Luiz Carlos Moraes, presidente da Anfavea, afirma que agora há data para que governo e sociedade ataquem o custo Brasil e melhorem a competitividade. “Iremos ingressar em um jogo global de competição, repleto de oportunidades.”
Os benefícios são grandes e, segundo o dirigente, podem impactar em toda a economia: geração de empregos, maior fluxo comercial e crescimento do PIB.
“A partir de agora, o novo cenário de integração comercial entra no radar do planejamento das montadoras que atuam nesses dois blocos comerciais.”
Falta de competitividade
Um estudo comparativo entre os dois principais fabricantes de veículos na América Latina e o México feito pela consultoria PwC para a Anfavea mostra alguns dos principais problemas enfrentados pelos fabricantes brasileiros.
Para começar, a produção mexicana está focada nas exportações: 88% da produção foi para fora do país, enquanto no Brasil o índice é de 22%. O nível de utilização da capacidade instalada, em 2017, era de 88% por lá, enquanto, no Brasil, de 60%. E os modelos mexicanos têm maior valor agregado do que aqueles produzidos por aqui.
O estudo da PwC mostra que os custos de produção no Brasil são 18% superiores aos do México. O custo de materiais reduz a competitividade brasileira, sobretudo quando se refere a motores e transmissões.
Os custos trabalhistas e encargos sociais chegam a ser o dobro dos praticados pelos mexicanos; a logística também dificulta que o produto brasileiro seja mais atrativo no exterior e os custos de fabricação são menores por lá, em função da escala de produção e taxas de depreciação.
A carga tributária acentua os problemas. No México, o único imposto cobrado corresponde a 16% do valor de venda. No Brasil, dependendo da motorização do carro, os tributos chegam a 44% do custo de produção. Segundo a PwC, isto faz com que o custo de produção no Brasil corresponda ao custo total no México.
Instabilidade cambial
Outro problema a ser trabalhado pelo governo é a instabilidade cambial. Neste ano, o real já sofreu uma desvalorização de 7,2% frente ao dólar, com o câmbio oscilando 14,1% entre as cotações mínimas e máximas, de acordo com dados do Banco Central (BC).
Ricardo Bacellar, líder do setor automotivo da consultoria KPMG, aponta que esta instabilidade obriga as empresas a reforçarem seu planejamento financeiro, por meio da realização de operações de hedge, para se proteger das oscilações.
A questão cambial tem fortes impactos sobre os custos dos carros. Segundo ele, cada vez mais a indústria automobilística está usando componentes eletrônicos. Em sua maioria, são importados. “A produção brasileira é pequena e não temos fábricas de chips.”
Libera, da Bain, aponta que outro fator que poderia facilitar a vida das montadoras é a harmonização das regras no âmbito do Mercosul. “Do jeito que está, Brasil e Argentina competiriam entre si por outros mercados.”
Pontos fortes
Apesar dos problemas de competitividade, os especialistas apontam que a indústria automobilística tem pontos fortes, que facilitam sua inserção no mercado externo. Um deles é a presença das principais montadoras, o que facilita o acesso ao mercado externo.
“Nossas montadoras estão bem estruturadas: racionalizaram processos, enxugaram quadros e investiram em tecnologias modernas, relacionadas à indústria 4.0”, cita Bacellar, da KPMG.
Outro, é a plataforma de produtos compatível com exportação para outros mercados emergentes. “Inclusive, há alguns sendo desenvolvidos no Brasil e depois replicados em outros mercados”, diz Libera.
Apesar de ser sinônimo de falta de competitividade, o executivo da Bain destaca que a capacidade ociosa permite uma rápida expansão da produção em momento de retomada, principalmente posicionando o Brasil para exportação.
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