O roubo do ouro

Falsas viaturas da Polícia Federal chegam ao aeroporto. Foto: Reprodução / Polícia Civil

Como a polícia está tentando desvendar um dos maiores roubos da história recente do País

Marco Antônio Carvalho

Uma confissão, três testemunhas protegidas, perícias com digitais e DNA e antenas de celular estão ajudando a polícia a tentar desvendar um dos maiores assaltos da história recente do País. Pelo roubo de 711 quilos de ouro, 36 quilos de prata, 15 quilos de esmeraldas, 18 relógios e um colar do terminal de cargas do Aeroporto de Cumbica, em Guarulhos, estão presas até agora quatro pessoas suspeitas e outras duas são consideradas foragidas. A carga roubada é estimada em R$ 117 milhões.

Os investigadores acreditam ter compreendido a dinâmica do crime e parte considerável de quem o executou. Apesar dos avanços, ninguém sabe ainda onde está o ouro. Após o crime, o protocolo de atuação de transportadoras de valores no interior de aeroportos foi alterado para passar a permitir escolta armada ostensiva em todos os estágios do embarque e desembarque de cargas valiosas, o que até então não ocorria.

O Estado teve acesso ao relatório do inquérito conduzido pela 5.ª Delegacia de Investigações sobre Furtos e Roubos a Bancos, do Departamento de Investigações Criminais (Deic) da Polícia Civil de São Paulo. Os documentos mostram as movimentações dos investigadores feitas até agora em busca dos responsáveis pelo crime. Notas fiscais anexadas ao processo detalham de onde vinham e para iam os metais preciosos, a maior parte constituída por ouro em barras de diferentes pesos.

O inquérito mostra também como os criminosos planejaram e realizaram o assalto fazendo uso de viaturas falsas da Polícia Federal, além de terem recorrido a uma ambulância para ajudar na fuga. A trama contou ainda com sequestros que amedrontaram a família do homem que a polícia tem como peça-chave para a realização da empreitada. Por trás do roubo, os investigadores suspeitam que estejam velhos conhecidos da polícia especializados em grandes assaltos. Entenda a seguir o que o Deic já sabe sobre o caso, e o que ainda precisa descobrir.

Do suspeito para o crime: a confissão

Os investigadores do Deic trabalham em duas perspectivas que são comuns em inquéritos sobre crimes dessa grandeza: a perspectiva das informações fornecidas por suspeitos para entender como o roubo foi planejado e executado e a outra, a dos vestígios deixados na cena do crime que podem levar até a identidade do restante dos criminosos. As duas abordagens são complementares e ajudam a polícia a se cercar do que é mais necessário para uma investigação: provas suficientemente fortes para levar a condenação e prisão dos responsáveis.

Vamos começar com a perspectiva das informações dadas pelos suspeitos sobre como o roubo do ouro aconteceu. Isso foi possível nesse caso porque o funcionário do aeroporto Peterson Patrício, supervisor de operações de 33 anos, confessou à polícia seu envolvimento no crime, colaboração que a sua própria defesa agora tenta rever. Antes, é importante relembrar como o assalto aconteceu.

Em uma ação rápida no início da tarde da quinta-feira, 25 de julho, a quadrilha usou viaturas falsas da Polícia Federal para entrar no terminal do aeroporto. Ao porteiro, os criminosos disseram que estavam lá para checar uma ocorrência de drogas. A imitação dos carros oficiais garantiu acesso sem dificuldade a uma área que era para ser restrita.

Guiados por Peterson Patrício, chegaram ao local onde um pequeno contêiner estava sendo carregado com ouro. O primeiro a descer da falsa viatura é Patrício, que havia sido rendido pelo bando dentro do terminal – nesse momento, segundo a polícia, ele tentava se passar como vítima.

Patrício é o primeiro a descer da falsa viatura usada pela quadrilha. Foto: Reprodução / Estadão

Em seguida, quatro homens armados e encapuzados o acompanham, deixando a caminhonete e distribuindo ordens a seis pessoas que ali estavam organizando o embarque da carga valiosa. Em dois minutos e 39 segundos, a quadrilha remove com a ajuda de uma empilhadeira a carga que tinha como destino final cinco cidades de três diferentes continentes.

Um gerente de logística da transportadora Brinks disse à polícia que a maior parte do ouro roubado havia chegado ao aeroporto por volta das 8h da manhã do dia do crime. As barras permaneceram no interior de três carros-forte até às 14h, quando um funcionário do aeroporto fez a leitura de etiquetas e realizou a transferência para a companhia aérea. O funcionário era Patrício, segundo o depoimento de outro empregado da transportadora.

Diz a Brinks que os carros e os vigilantes eram obrigados a sair do terminal de cargas de exportação, segundo o plano de segurança estabelecido. Um funcionário da transportadora desarmado ficou no local. Outros funcionários de duas diferentes companhias aéreas e funcionários do aeroporto também estava nessa mesma área quando os criminosos chegaram. As imagens mostram como eles são obrigados a ajudar no transbordo da carga, que é retirada do contêiner de metal por uma empilhadeira e posto na carroceria da caminhonete. Veja aqui o vídeo completo do roubo.

Bando usa empilhadeira do terminal para posicionar ouro na falsa viatura. Foto: Reprodução / Estadão

Após a ação que terminou sem que um tiro fosse disparado, Patrício foi levado junto com o bando do aeroporto até um terreno na Rua Papiro do Egito, na zona leste de São Paulo, um trajeto de 12 quilômetros que o funcionário estima ter sido feito em menos de cinco minutos, o que só seria possível em uma altíssima velocidade compatível com a de uma fuga.

Lá, ele diz ter sido obrigado a auxiliar outras dez pessoas a transferir a carga roubada da falsa viatura para outros dois veículos. Os criminosos foram embora e ele permaneceu no terreno até a chegada da polícia. A quadrilha ainda trocaria de veículos mais uma vez, agora na Rua José Augusto da Silveira, a três quilômetros de distância dali. Nessa última transferência uma ambulância foi usada pelo grupo para levar o ouro.

Ainda no dia 25 de julho, após o crime, Patrício foi levado para a sede do Deic, na zona norte da capital, para prestar o primeiro depoimento. Lá, deu informações até então desconhecidas: para executar o roubo, a quadrilha havia mantido sua família em cárcere na própria casa dos parentes, na zona leste da capital, e havia sequestrado sua mulher para um local desconhecido. Assim, ele se viu na obrigação de colaborar com os criminosos. O sequestro de fato aconteceu, mas o que a polícia começava a suspeitar era que ele tinha mais participação do que se sabia no caso.

O depoimento narra que na manhã do dia 24 de julho, dia que antecedeu o roubo, Patrício e sua mulher se dirigiam de carro ao trabalho dela quando foram trancados na rua por uma ambulância. Leia o que ele contou à polícia:

“Eles passaram e pararam, quando desceu um homem do banco do passageiro da ambulância, trajando um moletom e veio na direção do carro do declarante, colocou a mão por dentro da porta destravou a porta do passageiro de trás e sentou-se; Que, ele engatilhou uma arma e colocou nas costas do declarante, falou que sabia que era fiscal responsável pelas cargas e que não queria nada com eles, se agisse certo nada ia acontecer, já tinha informações da carga lá de dentro, sabia que era carga de ouro; Que, mandou seguir a ambulância e não reagir; Que, a ambulância era antiga, branca encardida, tinha o gravado na lateral “Ambulância”; Que, trafegou por cerca de 10 minutos até as proximidades da Av. Jacu Pêssego, entraram em uma rua, que era uma ladeira onde pararam, mandaram o declarante e sua esposa entrar na ambulância; Que, naquele veículo viu quatro roubadores, além do motorista, os quais estavam armados com metralhadoras , com touca ninja, trajando roupas pretas, colete balisticos, onde haviam pente com munição.

O homem foi liberado, mas sua mulher foi mantida com os criminosos. Patrício contou, então, que recebeu uma ligação com orientações do que fazer, mas principalmente do que não fazer: não era para contatar a polícia para falar sobre o sequestro. Mais tarde no mesmo dia, encontrou-se com outros criminosos e seguiram todos para a casa da família do funcionário do aeroporto. Iniciou-se o cárcere contra a família de Patrício.

Na Travessa Nem Ouro Nem Prata, no Jardim da Conquista, zona leste, onde morava, todos estranharam o horário em que Patrício chegou em casa: 17h30. Seu turno no aeroporto, sua família sabia, não permitia que ele chegasse em casa antes da meia-noite. Os homens com máscaras que o acompanhavam tampouco tornaram a situação mais esclarecedora. Ao contrário. A polícia conversou com ao menos três pessoas sobre o que aconteceu na casa. A seguir, as palavras de uma delas:

➤“Que, os dois roubadores falavam que não era para ninguém reagir pois eles não queriam nada com eles, somente umas carga que estava no Aeroporto; Que, no momento que eles chegaram na casa da declarante estavam 4 crianças, (…), além de (…) e (…); Que, todos foram rendidos e foram levadas para o andar superior, na sala da casa de (…); Que, (…) foi obrigada a fazer comida, ou seja, fez o jantar, hoje o café da manhã e o almoço; Que, todos permaneceram entre a sala e a cozinha; Que, enquanto um dormia o outro permanecia acordado vigiando; Que, eles falavam muito ao telefone porém a declarante não sabe informar os assuntos; Que, os dois roubadores comeram e beberam, porém eles que lavaram seus talheres, pratos e copos.”

O depoimento descreve como dois criminosos mantiveram a família dentro de casa até que o roubo fosse executado no dia seguinte. Os vizinhos da casa azul de dois andares numa rua sem saída e estreita não desconfiaram de nada e Patrício chegou a ir comprar pão para todos na manhã do dia 25 em um mercadinho na frente da residência.

Família foi mantida em cárcere pelo bando na Travessa Nem Ouro Nem Prata. Foto: Werther Santana / Estadão.

Em outro depoimento e longe dali, a mulher de Patrício narrou como foi mantida em um cômodo baixo, “com uma janela basculante tampada com uma coberta branca, onde haviam diversos objetos, tipo ferramentas, materiais de construção, livros e um colchão de solteiro usado no chão.”

A mulher, então, permaneceu sob poder dos criminosos por mais de 24 horas, pois foi sequestrada na manhã do dia 24 e libertada na tarde do dia 25 – o local usado como cativeiro ainda não foi descoberto; a família foi abordada no fim da tarde do dia 24 e os criminosos deixaram a casa logo após a execução do crime no aeroporto, tendo sido informados por comparsas do sucesso da empreitada.

O sequestro era um álibi forte para Patrício. A família havia de fato sido mantida com os criminosos. Mas os investigadores do Deic sabem que, em casos como esse, recorrentemente há um informante para a quadrilha. O informante fornece detalhes cruciais para a execução do roubo. Nesse caso, quando o ouro chegaria ao aeroporto e em que momento ele deixaria de estar acompanhado de escolta armada.

A questão para a polícia era descobrir quem havia dado a dica. Outros funcionários de companhias aéreas chegaram a ser ouvidos mais de uma vez, mas contra eles nada foi encontrado. Até que no sábado, 27 de julho, dois dias após o crime, a equipe Apolo 105 da 5.ª Delegacia voltou a falar com Patrício, como mostra o relatório da investigação.

Policiais descreveram como Patrício pediu para ser levado à delegacia após entrar em contradição. Foto: Reprodução / Estadão

Patrício, segundo narram os policiais, entrou em contradição e pediu para ser levado ao Deic, “para explicar a verdade sobre os fatos”. “Ao chegar neste departamento, findou em admitir a participação no roubo.” Foi o primeiro avanço concreto da investigação sobre o planejamento e a execução do crime. Em um segundo depoimento, Patrício contou uma nova versão para o que se passou.

Aos policiais, disse ter sido procurado no começo de 2019 por uma pessoa que queria uma carga no aeroporto. Leia o que ele disse:

➤“No começo de 2019, foi abordado por uma pessoa que queria uma carga no aeroporto em troca lhe compensaria com dinheiro porque esta pessoa tinha informação de outros criminosos, que lhe disseram de que o interrogado tinha informações privilegiadas do aeroporto. Que o interrogado confirmou que teria informações sobre carga de ouro; que então aquela pessoa disse que Peterson iria encontrar outros indivíduos para passar tais informações; que já de pronto, foi-lhe dito que ganharia uma parte igual dos outros; que a primeira vez o crime não aconteceu, deu errado, porque um informante havia relatado que havia uma blitz policial na rota de fuga. que o encontro inicial se deu em março e a ação se daria em final de maio, próximo a junho. que foi combinada nova ação a qual ocorrida em 23 de junho, contudo não aconteceu porque houve um atraso na carga de perecíveis da empresa Air Canada o que acabou por atrasar também a carga de ouro; que nesta data os autores chegaram até o portão de entrada Shell do aeroporto com caminhonetes caracterizadas da Polícia Federal; que nestas duas eventualidades a função de Peterson seria entregar o momento em que a carga estivesse no chão, mas já fora dos caminhões e o peso da carga; que a parte de entrar no aeroporto seria ingressar no aeroporto seria por conta dos ladrões; que após essas frustrada ação os autores encontraram quatro vezes Peterson, chegando em uma das oportunidades ameaça a família dele; que os indivíduos que o abordou estavam sem máscaras ou disfarces, dizendo, contudo que reconhecer fotografias.”

O supervisor do aeroporto passou então de vítima para partícipe do crime, já que teria ligação com o roubo desde o planejamento até a execução. A polícia entende que a informação privilegiada do funcionário do aeroporto uniu a sua “fome” por dinheiro com a “vontade de comer” por parte de ladrões experientes, que vivem de prospectar oportunidades como essa e podem passar meses hibernando nessa expectativa.

Quando supostamente tentou desistir da empreitada que já estava montada, o funcionário disse que a quadrilha o alertou que então realizaria o sequestro da sua família. Depois de 30 dias, avisaram, Patrício ganharia a sua parte do roubo. Não deu tempo. Naquele fim de semana, ele foi o primeiro suspeito do caso a ser preso.

A prisão levou a polícia a ao menos dois outros suspeitos. Em um terceiro depoimento, Patrício disse que quem o induziu ao roubo foi um amigo de infância, antigo vizinho de bairro: Peterson Brasil, de 34 anos.

Brasil seria o responsável por fazer a ponte entre o informante Patrício e experientes ladrões que saberiam muito bem o que fazer com a informação. Dados da linha telefônica de Brasil apontam que os dois conversaram 74 vezes no mês que antecedeu o roubo e oito vezes no dia do crime, contrastando com o que disse Brasil à polícia, que desconhecia o amigo de infância. Apesar de negar participação, o segundo Peterson terminaria o domingo, 28, com a prisão decretada.

Outra informação que Patrício deu foi o local de um dos encontros com os criminosos. No domingo, 21 de julho, quatro dias antes do crime, a imagem de uma câmera de segurança desse local mostra o que a polícia acredita ser Francisco Teotônio da Silva Pasqualini, de 55 anos, chegando de bermuda e chinelos. Mandado de busca cumprido na casa de Francisco deu aos investigadores a confirmação que precisavam. Eles ainda não sabiam, mas Pasqualini é cunhado de Peterson Brasil e seria uma das pessoas a quem Brasil procurou para fornecer a dica do ouro que obteve com o amigo.

Pasqualini em um dos locais indicados para o encontro da quadrilha. Foto: Reprodução / Estadão

Estava formada a primeira parte do organograma da suposta quadrilha. Patrício tinha a informação e Pasqualini tinha como executar o roubo cinematográfico; sua ficha criminal data do início dos anos 1990. A mesma delegacia que agora investiga o roubo do ouro apurou um assalto a um carro-forte da Brinks cometido em 8 de março de 1993. Pasqualini, conhecido também como “Velho”, era o suspeito. Contra ele agora, a Justiça já expediu um mandado de prisão preventiva, mas o homem segue foragido.

Do crime para os suspeitos: os vestígios

A outra perspectiva com a qual a polícia trabalha é a da análise dos vestígios deixados na cena do crime que permitem alcançar algum indício sobre a autoria do roubo. Para isso, sempre que possível os investigadores acionaram peritos ou enviaram ao Instituto de Criminalística (IC) materiais encontrados nos veículos abandonados ou na casa por onde o bando passou.

Boletim de ocorrência datado do dia 28 de julho confirma que o delegado titular da 5.ª Delegacia, Pedro Ivo Correa dos Santos, enviou ao IC, “a fim de se realizar coleta de análise de DNA”, um garrafa e um fragmento de unha encontrados no Nissan Frontier, uma das caminhonetes usadas na fuga, além de uma fita adesiva e um pano de prato que estavam na Toyota Hylux, também usada pela quadrilha.

Perito procura por digitais no veículo usado pela quadrilha. Foto: Marcelo Gonçalves / Sigmapress

A polícia não confirma exatamente qual peça forneceu os vestígios necessários para que se chegasse a duas testemunhas do caso. Em razão do risco que correm, elas passaram a ser classificadas como protegidas no inquérito e são identificadas apenas como Alfa e Delta. As informações concedidas por elas são tidas como importantes: os veículos usados no crime e na fuga eram vistos com frequência em um lava-rápido em Ferraz de Vasconcelos, cidade da Grande São Paulo.

Alfa disse que as falsas viaturas, antes da caracterização com símbolos da Polícia Federal, ficavam estacionadas à direita de quem entrava no lava-rápido. A Nissan Frontier também foi vista no local. Quem dirigia um dos veículos seria Marcelo Ferraz da Silva, o Capim, de 48 anos, mesma informação dada por Delta. Delta acrescentou que o dono do estabelecimento seria Joselito de Souza, o Louro, de 51 anos. Os suspeitos foram reconhecidos em fotografias apresentadas às testemunhas.

Lava-rápido não estava em funcionamento na semana passada. Foto: Werther Santana/Estadão

Os vestígios, então, levaram a polícia a dois nomes importantes na suposta arquitetura do roubo. As suspeitas anteriores contra Capim somaram 18 páginas de antecedentes anexadas ao processo, entre ações em que ele foi condenado, inquéritos em que ele figurou como suspeito e fugas de cadeias. Da lista de suspeitas, a mais recente é o ataque a dois carros-forte na Rodovia dos Tamoios em dezembro de 2017. Os investigadores veem em Capim um expert em grandes assaltos e a pessoa responsável por operacionalizar o roubo.

A antropóloga Jânia Perla Diógenes de Aquino, professora da Universidade Federal do Ceará (UFC) disse, em entrevista que concedeu ao Estado poucos dias após o roubo do ouro, que notou em sua pesquisa sobre grandes assaltos que as ações “passaram a ser articuladas por assaltantes agrupados, graças a suas redes de contatos, assim atingindo novos patamares de organização e retorno monetário”. “A efetivação de grandes assaltos passou a envolver elevados investimentos em infraestrutura e conexões com outros mercados legais e ilegais, como o tráfico de armas”, diz.

Diante das suspeitas e com a prisão decretada, policiais do Deic foram até o Jardim Helena Maria, bairro do Guarujá, na Baixada Santista, em busca de Capim no dia 2 de agosto. Ele foi abordado quando saía de casa por agentes que faziam campana no local. De imediato, negou sua participação no roubo do ouro. No boletim de ocorrência, os agentes disseram ter sido convidados a entrar na casa de Capim “para observar que não havia nenhum ouro nem armas”.

Ouro e armas não foram encontrados, mas os investigadores localizaram R$ 18 mil e seis aparelhos celulares e destacaram que não havia essa quantidade de pessoas morando na residência. Documentos apreendidos demonstram “gastos desproporcionais” do investigado. Ele permanece preso.

O mesmo sucesso os policiais não tiveram ao tentar prender Louro, que permanece foragido. No lava-rápido, os agentes disseram ter constatado que o número de celular atribuído a ele se conectou no dia do crime com a Estação de Rádio Base (ERB) próxima ao aeroporto, reforçando as suspeitas contra o homem. A conexão dos celulares com antenas é verificada com frequência em investigações policiais e ajudam a entender se suspeitos estavam próximos aos locais do crime ou não.

O rastreio por ERB é visto pelo ex-delegado-geral da Polícia Civil Marcos Carneiro como uma reação da polícia ao uso de tecnologia por quadrilhas. “O celular representou a queda de uma barreira que era a comunicação ágil. Só a polícia tinha isso antes via rádio. Então, quando a tecnologia avança às vezes o criminoso sai na frente, mas agimos para tentar derrubar essas vantagens”, disse ao Estado.

A investigação de um crime patrimonial como é o caso do ouro, lembra ele, historicamente passava por quem seria o responsável por receptar essa mercadoria. Uma maior estruturação das quadrilhas, diz ele, permite imaginar agora que eles tenham condições de esperar a poeira baixar antes de lucrar com o produto roubado.

A apuração em um dos locais em que os carros foram trocados na fuga permitiu que a polícia prendesse também Célio Dias, de 45 anos. O dono do terreno onde funciona um estacionamento disse ter sido procurado por Dias, que avisou que uns colegas precisavam colocar dois carros e uma ambulância no local. Ele trabalhava no estacionamento havia dois meses.

Essa testemunha acrescentou que, no dia do roubo, percebeu um barulho e notou que a ambulância estava sendo carregada com algo que antes estava nas caminhonetes.

Na denúncia que apresentou à Justiça contra todos os seis suspeitos, que se tornaram réus e responderão a uma ação penal, o Ministério Público, com base na investigação policial, diz que Capim e Louro coordenaram a parte operacional do crime, enquanto Velho foi o primeiro mentor da empreitada. Os promotores pedem que todos sejam condenados por integrar organização criminosa armada e pelo roubo do ouro.

Mas onde está a carregamento do ouro? A polícia ainda não faz ideia da localização dos produtos roubados, ou ao menos não deu nenhum indicativo na parte das investigações que se tornaram públicas com a denúncia dos réus. Os investigadores sabem que um material como o ouro pode ser derretido e repartido de diferentes formas e que a sua recuperação é tida, por enquanto, como distante.

Ouro roubado havia sido pesado e periciado por gemólogo credenciado pela Receita Federal. Na imagem, uma barra de cerca de 10 quilos. Foto: Reprodução/Polícia Civil

O monitoramento no mercado ilegal sobre os relógios também roubados, da marca Louis Vitton, alguns deles com ouro e diamantes, poderá oferecer uma pista mais precisa que leve a uma parte do bando que permanece desconhecida.

Além de ouro, outra incógnita é quem são os dez outros criminosos que a polícia estima que tenham participado do roubo, mas que até agora não foram identificados e presos.

Se o produto do roubo não for localizado, é tido como certo que o alto valor obtido servirá para alimentar novos crimes, principalmente o tráfico de drogas, retroalimentando a força da organização.

Outra parte poderá alimentar mercados legais por meio da lavagem de dinheiro. “Assaltantes ampliaram saberes e aperfeiçoarem técnicas, tornando-se ‘profissionais especializados’, e puderam obter maiores quantias, adquirir bens e investirem em atividades econômicas legais, como lojas, farmácias, transporte coletivo, dentre outras”, aponta a professora Jânia.

Marcos Carneiro vê como objetivo primário da investigação a condenação de quem executou o crime. “A recuperação do produto serve para deixar claro que o crime não compensa. Mas tem situações que fica muito complicado, por diversas razões”, diz ele, citando o exemplo do furto ao Banco Central em Fortaleza. “Até hoje tem gente atrás desse dinheiro. Formam-se as lendas urbanas.”

Defesa tenta anular confissão de Patrício

O advogado de Peterson Patrício, José Henrique Quiros Bello, disse ao Estado que está tentando anular na Justiça a confissão feita pelo seu cliente à polícia. Segundo ele, houve pressão indevida dos policiais e o depoimento não teve acompanhamento de um advogado. Ele não detalhou a que tipo de pressão o suspeito teria sido submetido.

“Ele (Patrício) acabou dizendo o que os policiais queriam”, disse. Se não alcançar a anulação, Bello tentará com que a Justiça veja Patrício como vítima da quadrilha. “Nesse entendimento, ele teria participado dos atos preparatórios, mas se arrependeu e quis desistir. Mas sua família estava sequestrada e ele teve que colaborar”, acrescentou o advogado.

A reportagem tentou contato com a defesa dos demais réus, mas não obteve retorno ou não conseguiu localizar os representantes. Em depoimento, Marcelo Capim e Peterson Brasil negaram envolvimento com o crime. O advogado de Brasil entrou com pedido de liberdade provisória, que foi negado no dia 15 de agosto. A defesa de Patrício já tinha tido o pedido de revogação da prisão preventiva negado pela Justiça no dia 12 de agosto.

Terminal tem novo plano de segurança

Em nota ao Estado, a Brinks informou que voltou a operar em aeroportos no dia 5 de agosto. A decisão ocorreu depois que planos de segurança foram revistos e passaram a autorizar a presença armada ostensiva de proteção em todas as etapas dos processos de embarque e desembarque de cargas de alto valor.

A concessionária do aeroporto, GRU Airport, disse que desde 2 de agosto segue novos procedimentos de segurança no Terminal de Cargas. “A concessionária reforça seu compromisso com o cumprimento de todas as normas internacionais pertinentes à segurança aeroportuária e ressalta que, periodicamente, reporta aos órgãos reguladores competentes dados necessários que demonstram sua total conformidade aos procedimentos exigidos.”

A Polícia Federal não comentou o caso.

Confira matéria do site Estadão.

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