Carlos Newton
Em surpreendente reportagem de Natália Portinari, no Globo, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) demonstra viver no mundo das nuvens. Teve coragem de declarar à jornalista que seu pai, o presidente Jair Bolsonaro, ao assinar a medida provisória transferindo o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) do Ministério da Economia para o Banco Central, não teve a intenção de interromper a investigação sobre a movimentação financeira atípica do ex-assessor Fabrício Queiroz, que servia à família Bolsonaro e hoje é o chamado homem que sabia demais, na versão hitchcockiana da política brasileira.
“Pelo que eu entendi, foi uma mudança exatamente para dar blindagem política para aquilo (o órgão). Para não ter nenhuma suspeita de intervenção política” — afirmou o senador que não entende nada, ao exibir seus dons de humorista e garantir participação no concurso Piada do Ano.
AJUDA DE TOFFOLI – Como todos sabem, a providencial blindagem foi conseguida com ajuda do presidente do Supremo, Dias Toffoli, que aproveitou um pedido da defesa de Flávio Bolsonaro, em pleno recesso do Judiciário, e decidiu também blindar a si próprio, à mulher Roberta Maria Rangel, assim como ao ministro e amigo Gilmar Mendes e à mulher dele, Guiomar Feitosa.
Ao adotar essa decisão, que serviu como uma pré-anistia ampla, geral e irrestrita, Toffoli nem se preocupou em estar também beneficiando todo tipo de criminosos, inclusive os chefes das grandes facções, como PCC e CV, que dominam os presídios e mandam decapitar seus desafetos. Em busca da autoblindagem familiar e dos amigos, Toffoli não está nem aí para esses detalhes.
COAF VIROU UIF – Com a medida provisória, Bolsonaro tenta concluir a armação de Toffoli e eliminar qualquer possibilidade de voltar à alçada do ministro Sérgio Moro a gestão do Coaf, inclusive mudando a denominação do órgão, que agora se chama Unidade de Inteligência Financeira (UIF).
Como se vê, autoridades como Bolsonaro e Toffoli não têm medo do ridículo, muito pelo contrário. Construíram essa armação ilimitada a partir do ponto de vista de que todos os brasileiros são imbecis, mas isso não é verdade, na graça de Deus.
O primeiro empecilho foi a firmeza do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, que se recusou a demitir os onze conselheiros do ex-Coaf, ou seja, manteve íntegra a memória do órgão.
NÃO HÁ BLINDAGEM – O mais curioso e interessante nesse complô a favor da corrupção é que seus autores não repararam que a blindagem é falha, tem efeito apenas suspensivo. Se algum cidadão entrar com uma ação popular pedindo a investigação das duplas Flávio/Queiroz, Toffoli/Roberta e Gilmar/Guiomar, o juiz de primeira instância pode determinar a quebra de sigilo e os trabalhos do Coaf com facilidade serão refeitos pela Polícia Federal e a Receita, cujos delegados e auditores estão ansiosos para encurralar esses meliantes de elite, que se julgam inatingíveis.
Mas os autores do golpe da blindagem não pensaram nessa possibilidade? É lamentável (para eles, claro), que existam brechas. Mas a vida é assim, apenas uma sucessão de fatos, porque em tese não há crime perfeito e esse pessoal do colarinho emporcalhado não perde por esperar.
P. S. – Já ia esquecendo. O mais ridículo dessa trama é o presidente Bolsonaro. Ele não tem a menor cultura jurídica. Achou que a decisão de Toffoli havia protegido completamente Flávio, Queiroz e as respectivas famílias, e no entanto a blindagem jamais ocorreu. Mas isso já é outra história, muito intrigante, que também passou despercebida à imprensa e depois a gente conta. (C.N.)
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