5 razões pelas quais a formação de professores no Brasil vai de mal a pior

Imagem ilustrativa.| Foto: Unsplash

A última edição de um dos relatórios mais importantes do mundo sobre Educação, a Pesquisa Internacional sobre Ensino e Aprendizagem (Talis), repetiu algo que já havia anunciado anteriormente: docentes brasileiros desperdiçam muito tempo em sala para lidar com questões disciplinares. Aproximadamente um terço do período é “perdido”: o aproveitamento das atividades pedagógicas é de apenas 67%. E esse fato reflete diretamente nos baixos índices de aprendizagem dos estudantes brasileiros.

Muitos irão atribuir a culpa desse quadro à superlotação das salas de aula, à falta de disciplina dos alunos ou à sobrecarga de responsabilidades ao professor. E não estarão errados, em parte. Mas a situação é, especialmente, sintoma de falhas na formação que esses profissionais recebem nos cursos de pedagogia. A ausência de abordagens na matriz curricular voltadas à questão da psicologia comportamental, por exemplo, contribui em muito para essas lacunas.

Ao mesmo tempo, as faculdades falham em preparar o professor em pontos essenciais. Despreparado para ensinar, ele perde autoridade em sala de aula. Ao graduações, por exemplo, não ensinam a adotar técnicas de alfabetização, o que se reflete nos índices de analfabetismo (em 2019, ainda estamos tentando alcançar uma meta prevista para 2015). Pesquisas mostram ainda que o absenteísmo em sala de aula e o baixo desempenho dos estudantes em testes também têm a sua causa na falta de habilidade do professor em motivar e passar os conteúdos. E salientam: é preciso, com urgência, reestruturar a matriz curricular dos cursos de pedagogia do país – além de atrair os melhores alunos para a profissão.

Com a ajuda de especialistas da área, elencamos alguns pontos importantes a serem revistos.

  1. Disperso e sem foco

Os cursos de pedagogia não têm “identidade de docência”, “são dispersos” e “sem foco”. É o que afirma Selma Garrido Pimenta, professora titular sênior da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), e outros três pesquisadores, que reconhecem as fragilidades da formação do pedagogo, em um estudo publicado em 2017. Embora a análise tenha se debruçado sobre a matriz curricular de cursos de São Paulo, a situação parece ser homogênea em todo o país.

A origem do problema, argumentam os autores, está na indefinição do campo pedagógico e da atuação do profissional docente. A gama de possibilidades para um pedagogo no mercado de trabalho faz com que o currículo dos cursos se torne um “mix” de disciplinas sem foco.

A graduação “passeia” por diferentes áreas do conhecimento e acaba se distanciando de seu objetivo principal, que é formar o aluno para lecionar na educação básica. Esse alheamento compromete, em muito, a formação do profissional.

“Esses cursos, em sua maioria, não estão formando o pedagogo e, tampouco, um professor polivalente para a educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental”, insiste Selma. “Sua formação se mostra frágil, superficial, generalizante, fragmentada, dispersiva e sem foco”.

A garantia de mudança do quadro somente se dará se a licenciatura em pedagogia se assumir, definitivamente, como de formação de professor para atuar na educação básica, defende a pesquisadora. Do contrário, os egressos dificilmente terão condições de conduzir o ensino, como se tem notado.

2″Perde” tempo com questões básicas

Questão antiga, mas que parece ainda não preocupar o país tanto quanto deveria, é que os piores alunos do ensino médio estão se tornando professores. Esse é o perfil de grande parte dos candidatos aos cursos de pedagogia no Brasil, sendo que a maioria deles obteve notas no Enem menores que a da média nacional.

Isso significa que, quando entram nas academias, os alunos não possuem conhecimentos mínimos. E na tentativa de suprir as defasagens dos estudantes, que já deveriam ingressar nas instituições superiores de ensino com, ao menos, escolarização básica, as universidades acabam não se aprofundando em questões mais importantes, como o ensino da didática. Dominar o conteúdo a ser ensinado é fundamental, mas tão ou mais essencial que isso é saber ensiná-lo.

Pricila Chupil, pedagoga, psicopedagoga, mestre em Educação e professora universitária conhece essa realidade de perto. “Nem mesmo os pronomes pessoais, por exemplo, são conteúdos que foram firmados no tipo de educação dos alunos que ingressam na pedagogia”, conta. “Na faculdade, claro que o estudante volta a ver o que já se pressupõe que aprendeu, principalmente português e matemática. Mas a maior preocupação deveria ser em ensiná-lo a aplicar o conhecimento”.

Claudia Costin, diretora geral do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, completa o diagnóstico: “o aluno não aprende a dar aula”. “Na média, ele faz 3 anos e meio de matemática e 6 meses de teoria sobre a educação, ou história da educação, filosofia da educação, psicologia da educação. Mas ele não aprende a ensinar”, diz. “O estudante deveria, sim, conhecer bem o conteúdo. Parte é suprir deficiências do ensino médio, mas outra parte deve ser avançar, sem dúvida”.

3. Muita teoria, pouca prática

Aproximadamente metade das instituições analisadas por Selma Garrido e seus colegas não dedica nenhuma disciplina para supervisão e acompanhamento dos estágios. Os egressos chegam às salas de aula, muitas vezes, com considerável bagagem teórica – baseada em autores cujas teses já se tornaram obsoletas – mas sem conhecer o “chão da escola”.

“A gente tem saudade do magistério de antigamente, que tem uma característica mais prática, e depois tinha a fundamentação teórica. Hoje, sentimos uma defasagem muito grande nesse sentido”, diz a psicopedagoga Pricila. “Eu percebo que as pessoas que estão entrando no mercado de trabalho não têm esse preparo”.

Historicamente, nos cursos de pedagogia, houve uma separação entre prática e teoria, e uma supervalorização do primeiro ponto em detrimento do último. Mas se não caminharem juntos, volta a afirmar Selma Garrido, o resultado é desastroso. “O estágio, na verdade, é que deveria ser essa unidade de teoria e prática. Pois ele não é só o exercício, mas é o exercício com sabedoria. Se não houver prática e teoria, não serve pra nós”.

Uma questão ainda mais profunda é identificada por Claudia Costin. Grande parte dos pedagogos são formados pelo ensino a distância que, ao mesmo tempo em que permite maior alcançabilidade e flexibilidade, peca na falta de interação e prática didática. “O EaD permite muita flexibilidade, e eu gosto dessa ideia, mas não para medicina. Certamente tampouco em educação”, defende.

Metaforicamente falando, Claudia compara o professor a um neurocirurgião que opera o cérebro das pessoas. O docente, enquanto isso, opera o cérebro de crianças, com os mesmos riscos – não de morte imediata, mas de morte de vida intelectual.

4. Ausência de abordagens voltadas à psicologia comportamental

“Ninguém colocaria a formação do neurocirurgião a distância. É fundamental que o processo de formação de professores, eventualmente, possa se beneficiar de ensino híbrido, mas que seja muito vivencial”, diz. “Que o professor, assim como o médico, desde o primeiro ano de faculdade, esteja presente em escolas, analisando o processo pedagógico, aprendendo com professores experientes, assumindo, devagarinho, como faz o cirurgião, com ‘trechos de cirurgias’, ‘pedacinhos’ de aulas, até que ele esteja pronto para ser um profissional muito bem capacitado”.

As disciplinas sem foco, como citado acima, poderiam dar lugar a abordagens voltadas à psicologia comportamental, por exemplo. É o que sugere Vitor Haase, professor titular do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

De acordo com Haase, os professores não sabem lidar com questões disciplinares nas escolas porque não se debruçam, na faculdade, em temas da psicologia comportamental. E é isso o que gera, inclusive, altos índices de absenteísmo. “Os professores não aguentam ficar em sala de aula porque não são preparados, não aprendem a lidar com os desafios. Ficam estressados, entram de licença ou acabam dando um jeito de sair da sala”, diz.

Sem terem noções básicas de quais são os mecanismos cognitivos que estão envolvidos na aprendizagem, como na alfabetização, por exemplo, os docentes não conseguem implementar questões disciplinares ou mesmo motivar os alunos ao estudo.

Do contrário, se fosse capacitado, o professor poderia, inclusive, identificar quando algum aluno precisa de ajuda especializada e impedir decisões precipitadas, como o suicídio – cujo índice entre os estudantes ainda assusta.

5. Faculdades que só visam lucro

Outro fator seriam os chamados “conglomerados econômicos”. Segundo a pesquisa de Selma, em algumas dessas faculdades, os professores, em grande parte, são horistas, não têm condições de ter projeto pedagógico do curso e acabam priorizando aspectos tecnicistas. Isso, conclui a análise, desfavorece as condições de trabalho dos professores, que acabam não capacitando seus alunos graduandos como deveriam.

“Essas instituições, que foram se reunindo em grandes corporações econômicas, transformaram o direito à educação em uma mercadoria. Isso é oposto ao modelo que nós definimos como de qualidade”, diz. A ‘precariedade’ do trabalho dos profissionais nas faculdades de conglomerados, afirma Selam, não permite que eles desenvolvam trabalhos coletivos ou mesmo acompanhem e supervisionem estágios. “Isso tudo requer tempo, requer professores efetivos”, diz. “Há um problema sério com essas instituições e com a finalidade delas. Uma formação de qualidade não se resolve nessa perspectiva apenas tecnicista”, conclui.

Confira matéria do site Gazeta do Povo.

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