A estimativa da fila de espera para a especialidade foi informada à reportagem pelo Sindicato dos Médicos do Estado, já que Ministério da Saúde, Secretaria Estadual e hospitais não forneceram os dados solicitados
Se de fato enfileirados, os pacientes que aguardam por alguma cirurgia de traumatologia ou ortopedia em hospitais públicos do Ceará se estenderiam por cerca de dois quilômetros: são 3.200 pessoas à espera de próteses, solução para fraturas graves e outros procedimentos eletivos, de acordo com o Sindicato dos Médicos do Estado (Simec). É apenas uma projeção hipotética para dimensionar o tamanho do problema real.
A quantidade oficial de pacientes “na fila” para essa e outras especialidades nas unidades cearenses, mesmo sob insistentes solicitações do Diário do Nordeste, não foi informada pela Secretaria Estadual (Sesa) nem pelo Ministério da Saúde (MS). A primeira consulta ao Governo do Estado foi feita no dia 10 de julho.
A incerteza da espera que aflige os milhares de cearenses com procedimentos pendentes já é rotina para a agente comunitária de saúde Jerúsia Freitas, 43, há mais de um ano. Após sofrer um acidente de trânsito grávida, em 2007, ela precisou aguardar nove meses pelo nascimento do bebê para operar o fêmur, quadril e bacia – a consequência da demora foi a necessidade permanente de uma prótese completa do quadril, implantada dois anos depois do acidente, em 2009.
Neste ano, passada uma década, a prótese de Jerusia precisa ser trocada. “Já está desgastada, mas a troca não é feita no Ceará, porque precisa de um enxerto ósseo, e aqui não tem banco de ossos. Entrei na fila em 2017, mas me disseram que quem entrou em 2009 tá conseguindo agora. Ou seja, nenhuma previsão pra mim. Tenho sentido muita dor e dificuldade de caminhar. E não tenho condições de pagar por uma cirurgia dessas”, lamenta a agente de saúde, que pretende recorrer à Justiça para conseguir o procedimento.
Fila
Para o presidente do Simec, Edmar Fernandes, acessar informações sobre a quantidade de pacientes no aguardo de cirurgias eletivas “é difícil, porque o Governo não quer que a sociedade conheça essa realidade”. “Mesmo a gente pedindo oficialmente, como entidade médica, a Secretaria alega dificuldades técnicas e não fornece. Levamos de três a quatro meses para obter os dados. Mas é importante atualizar sempre esse cenário, para saber onde estão as deficiências e pensar soluções”, pontua Dr. Edmar.
Os procedimentos gerais (como remoção de vesícula e amputações por diabetes, por exemplo), segundo ele, lideram, seguidos pelas especialidades de trauma, otorrino e neurologia. “Às vezes uma cirurgia é suspensa porque não tem fio, luva, antibiótico. Se a disponibilidade desses materiais aumentasse, a fila diminuiria e o número de leitos para pessoas que estão precisando cresceria. Muitos morrem esperando cirurgias, outros ficam com sequelas, tornam-se incapazes e dependentes do Estado”, avalia o médico.
Em nota, a Sesa listou projetos “em implantação” em pelo menos cinco regionais de saúde do interior, incluindo a ampliação da rede para realização de cirurgias. O investimento é de R$ 179,5 milhões na rede hospitalar dos municípios. A Pasta reconheceu que “existe um grande número de pacientes em fila para cirurgias eletivas”, mas “avalia que é preciso não só organizá-la, como qualificá-la, com a identificação dos pacientes que realmente precisam e o nível de urgência com que têm de ser realizados” os procedimentos.
Sobre os dados das demais especialidades, a Secretaria reforçou que “está implantando o sistema de regulação em todo o Estado”, para dar “mais transparência à população, assim como aos dados de efetividade e de análise financeira dos hospitais da rede estadual”. Nenhum prazo foi informado à reportagem.
Espera
Mas a ausência de números não anula a existência da fila de espera. Há pelo menos cinco meses, a dona de casa Rosa Duarte, 33, aguarda por uma traqueostomia para solucionar a insuficiência respiratória do filho Jonas, de 2 anos e meio. “Da última vez que liguei pro (Hospital Infantil) Albert Sabin, há dois meses, tinha 227 pessoas na frente dele. Muitas crianças vão saindo da fila porque não resistem”, lamenta a mãe do garoto.
As complicações na saúde de Jonas, que tem a síndrome genética rara de Mowat-Wilson, com constantes internações devido a pneumonias e ataques de epilepsia, tornam o procedimento a cada dia mais urgente. “Não posso sair de casa, porque se eu for pra algum canto tenho que levar todo o material dele para aspirar e tirar a secreção. Se eu não fizer isso, ele pode passar muito mal”, relata Rosa.
A reportagem questionou por e-mail, no dia 31 de julho, o Hospital Infantil Albert Sabin sobre quantos pacientes aguardam na fila por procedimentos cirúrgicos, quais os critérios de posicionamento dos pacientes na fila e quantos já foram operados neste ano, mas não obteve resposta até o fechamento desta edição.
O perfil de quem vive de espera no Estado, porém, vai além do infantil. Para a aposentada Maria Isete Oliveira, 63, o aguardo pela retirada de um nódulo do pulmão já é uma gestação: completou nove meses nesse mês de julho.
“A cirurgia é pra coletar pra biópsia. O Hospital Universitário não dá nenhuma justificativa nem entra em contato, nunca chegou a ser nem marcada”, reclama. A indefinição cansa todos os dias – literalmente, já que o principal órgão do sistema respiratório está prejudicado. “O nódulo já está no pulmão há quatro anos e nunca calcificou. Se ele se manifestar, pode criar complicações”, relata.
Em nota, o Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC) informou que a paciente “não está cadastrada na fila cirúrgica”. Contudo, reconhece que “as filas nos hospitais de nível terciário do Ceará possuem um quantitativo expressivo de pacientes, haja vista a demanda ser infinitamente maior do que a oferta”. Atualmente, 13.655 pacientes estão aguardando procedimentos em 11 especialidades cirúrgicas na unidade de saúde. De janeiro a julho deste ano, foram realizadas 2.822 cirurgias.
Já o Ministério da Saúde, sem citar as filas eletivas, informou que destinou ao Ceará, no último dia 29, mais de R$ 4,3 milhões para a realização de cirurgias eletivas de agosto a dezembro deste ano. Em nota, a Pasta federal informou que já foram enviados ao Estado, em 2019, R$ 1,9 milhão, “obedecendo aos critérios da estratégia de ampliação do acesso” aos procedimentos. Em 2018, o valor transferido ultrapassou R$ 2,7 milhões.
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