Cidade do Ceará é considerada a mais violenta do País; veja lista do Atlas da Violência

Covas abertas para enterrar mortos em massacre de Altamira Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Maracanaú, na região metropolitana de Fortaleza, registrou taxa de 145,7 assassinatos por 100 mil habitantes. Estudo do Ipea e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostra que 18 das 20 cidades mais violentas estão no Norte ou no Nordeste

SÃO PAULO – Com população de 224,8 mil pessoas e 328 assassinatos, a cidade de Maracanaú, na região metropolitana de Fortaleza, teve a maior taxa de homicídios por 100 mil habitantes do País em 2017: 145,7. Os dados foram revelados pelo Atlas da Violência 2019, cuja seção “Retratos dos municípios brasileiros” foi divulgada nesta segunda-feira, 5, pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, autores do estudo.

Os números foram obtidos a partir dos registros do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde. Além disso, os pesquisadores estimaram quantas mortes com causa desconhecida eram, na verdade, homicídios. Assim, a quantidade de crimes dessa natureza que aconteceram no País chegaria a quase 73 mil, 11% a mais dos que os 65 mil registrados originalmente e que já representava um recorde.

O levantamento mostrou que 18 das 20 mais violentas estão nas regiões Norte ou Nordeste; a Bahia aparece com cinco cidades no ranking, seguida pelo Pará, com quatro. A cidade de Altamira, onde na semana passada um massacre deixou 58 mortos em um presídio, foi considerada a segunda mais violenta naquele ano; em 2015, ela já havia figurado como a primeira mais violenta. O Estado esteve na cidade na semana passada e conversou com moradores sobre o cenário de violência.

Veja a lista das 20 cidades mais violentas

Estado Cidade Pop.Taxa por 100 mil hab.
(CE)Maracanaú224.804145,7
(PA)Altamira111.435133,7
(RN)São Gonçalo do Amarante101.492131,2
(BA)Simões Filho136.050119,9
(RJ)Queimados145.386115,6
(RS)Alvorada208.177112,6
(BA)Porto Seguro149.324101,6
(PA)Marituba127.858100,1
(BA)Lauro de Freitas197.63699
(BA)Camaçari296.89398,1
(CE)Caucaia362.22396,6
(SE)Nossa Senhora do Socorro181.92896,3
(PE)Cabo de Santo Agostinho204.65394
(PA)Marabá271.59489
(PA)Ananindeua516.05788,1
(CE)Fortaleza2.627.48287,9
(RN)Mossoró295.61986,4
(PE)Vitória de Santo Agostinho137.57885,5
(AC)Rio Branco383.44385,3
(BA)Eunápolis115.29082,8

O estudo levou em consideração os dados de 310 municípios onde a população é maior que 100 mil habitantes – a elaboração de taxas onde a população é muito pequena poderia levar a distorções. A menor taxa é a de Jaú (2,7), no interior de São Paulo.

O Atlas mostra que a alta nacional é puxada por um grupo de cidades. “Enquanto 59 municípios possuíam índices acima de sessenta mortes por 100 mil habitantes, em apenas oito deles as taxas superaram a marca de cem”, escreveram os pesquisadores.

A pesquisa voltou a constatar o que os especialistas já chamam atenção há alguns anos: a concentração das mortes em poucas cidades. Metade dos assassinatos se concentram em 2,1% dos municípios, 120 cidades. A análise mostra que estudos anteriores já verificaram que, aproximando a lupa ainda mais, é possível notar que metade dos homicídios nos municípios mais violentos acontecem em, no máximo, 10% dos bairros.

Veja lista das 20 cidades mais pacíficas

EstadoCidadePopulaçãoTaxa por 100 mil habitantes
(SP)Jaú146.3382,7
(SP)Indaiatuba239.6023,5
(SP)Valinhos124.0244,7
(SC)Jaraguá do Sul170.8355,5
(SC)Brusque128.8185,8
(SP)Jundiaí409.4976,1
(MG)Passos114.4587,2
(SP)Limeira300.9117,7
(SP)Americana233.8687,7
(SP)Bragança Paulista164.1637,7
(SP)Santos434.7427,8
(MG)Araxá104.2837,9
(SP)Araraquara230.7707,9
(SP)São Caetano do Sul159.6087,9
(SC)Tubarão104.4578,1
(SP)Mogi das Cruzes433.9018,3
(SP)Itatiba116.5038,3
(MG)Varginha134.3648,3
(SP)Catanduva120.6918,4
(SP)Sertãozinho122.6438,5

O documento ressalta que, nas últimas duas décadas, os municípios menores tiveram crescimento acentuado das taxas de homicídio, “ao passo que os maiores lograram redução nos índices de homicídio, fazendo com que esses grupos ficassem mais parecidos”. “Enquanto houve crescimento de 113% na taxa dos municípios pequenos entre 1997 e 2017, os médios sofreram relativamente pouco aumento na taxa de letalidade, e os grandes lograram uma redução de 4,5%.”

Os pesquisadores mostram que o crescimento das mortes se insere em um contexto de acirramento da guerra contra o narcotráfico pelo domínio das rotas internacionais e pelo controle dos mercados varejistas. O Estado mostrou neste fim de semana que no Norte, onde se concentram os massacres em cadeias, ao menos 17 facções disputam os territórios pelos quais passam drogas.

Indicadores socioeconômicos ajudam a entender cenário de violência
O Atlas compara indicadores socioeconômicos com a taxa de homicídios das cidades para mostrar que as localidades mais violentas com frequência também são as mais precárias em prestação de serviços públicos. “Nessas duas regiões (Norte e Nordeste), salta aos olhos os maiores índices de jovens entre 15 e 24 anos que não estudam, não trabalham e são vulneráveis à pobreza: esses são exatamente os indivíduos principais a serem focalizados em qualquer programa de enfrentamento à criminalidade.”

“As diferenças eram nítidas ainda em relação aos indicadores de condições habitacionais, sempre piores nos municípios mais violentos. Por fim, a média do percentual de jovens entre 15 e 24 anos que não estudavam, não trabalhavam e eram vulneráveis à pobreza era quatro vezes maior no conjunto dos mais violentos.”

O estudo aponta que, antes da violência e da morte prematura de jovens nos territórios mais violentos, já houve inúmeras “mortes simbólicas, uma vez que uma parcela da sociedade residente nesses locais não teve acesso a condições de desenvolvimento infantil, a oportunidades educacionais e ao mercado de trabalho na juventude, nem a bens culturais e materiais, parte do ideal de sucesso nas modernas economias de mercado”.

Contra o aumento da insegurança, o Atlas aponta que as ações “devem passar, necessariamente, pelo uso mais inteligente e qualificado do sistema coercitivo para retirar de circulação e levar ao sistema de justiça criminal homicidas contumazes, líderes de facções criminosas, milicianos e criminosos que representam maior risco à sociedade”. “Por fim, é urgente repensar a política criminal, bem como o saneamento do sistema de execução penal, sem isso o Estado não conseguirá ter o controle das prisões, fonte dinamizadora das facções criminais e da criminalidade violenta de dentro e fora dos cárceres.”

A íntegra do estudo pode ser acessada aqui.

Secretarias dizem que segurança melhorou desde 2017
Questionada sobre os dados, a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará ressaltou que a cidade de Maracanaú registrou uma queda de 44,4% nas mortes entre 2017 e 2018. A tendência de redução é contínua quando se compara os números do primeiro semestre de 2018 e 2019. Nos seis primeiros meses de cada ano, o município registrou queda de 45,3% nos CVLIs (crimes violentos letais e intencionais), saindo de 106 registros, em 2018, para 58 casos, este ano.”

Segundo a pasta, Maracanaú passou a contar em 2017 com uma base do Comando de Policiamento de Rondas e Ações Intensivas e Ostensivas (CPRaio), unidade especializada da Polícia Militar do Ceará (PMCE), com foco no trabalho ostensivo, garantindo agilidade nas ações policiais em todas as vias do município. Em 2018, o município passou a integrar o sistema de videomonitoramento do Estado, com 20 câmeras que incluem as funções de giro 360 graus e as com tecnologia para leitura de placas de veículos.

Sobre o Estado, a secretaria destacou que as mortes vêm sendo reduzidas há 15 meses seguidos (de abril de 2018 a junho de 2019). “Nos últimos anos, o Ceará trabalhou na integração entre instituições e vem investindo no ingresso de novos servidores, na formação continuada dos profissionais da segurança pública, na aquisição de equipamentos, assim como na inserção de pesquisadores de universidades na construção de novas ferramentas tecnológicas, voltadas para as necessidades das forças de segurança”, declarou em nota.

A pasta cearense disse adotar medidas dentro dos sistemas prisionais, o que teria possibilitado “ainda mais o enfraquecimento das organizações criminosas”.

Questionado na semana passada sobre o aumento da violência não só em Altamira, mas também em outras cidades do Estado, o governo do Pará disse em nota que a taxa vem caindo neste ano. A quantidade de mortes teria caído 24% na comparação entre os sete primeiros meses de 2019 em relação ao mesmo período de 2018.

“Os dados são positivos porque a taxa de redução alcançada pelo Estado do Pará até o momento (-24,28%) supera oito vezes a mais a meta anual de redução de Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLI) proposta pelo Ministério da Segurança Pública para os Estados brasileiros, que é de -3,5%”, declarou.

A administração estadual disse ainda que vem adotando medidas de controle e fortalecimento do sistema penitenciário, como a convocação extra de 642 novos agentes prisionais, quantidade que se somará aos 485 que foram empossados no sábado passado. “Os novos agentes prisionais da Superintendência do Sistema Penitenciário do Pará (Susipe), agora concursados, poderão portar armas letais e não letais. Eles serão treinados pela Força-Tarefa de Intervenção Penitenciária (FTIP)”, destacou.

Confira matéria do site Estadão.

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