Randolfe Rodrigues: “Wajãpis estão assustados, mas dispostos a esclarecer morte do cacique”

Índios Wajãpi durante comemoração dos 20 anos da demarcação da Terra Indígena Wajãpi em 2016 (Foto: Rede de Cooperação Amazônica)

O senador amapense da Rede acaba de visitar a aldeia dos Wajãpi, a 300 km de Macapá. Indígenas desta etnia denunciaram neste sábado que um grupo de garimpeiros assassinou o cacique Emyra Wajãpi, de 68 anos, na quarta-feira 24.

Por Victória Damasceno

Você foi à aldeia nesta semana. Qual o clima entre os Wajãpi?

Eles estão muito assustados. Assustados porém dispostos a esclarecer o que aconteceu. Eles concordaram com a exumação do corpo do cacique Emyra Wajãpi, o que é contra sua cultura. Concordaram porque querem saber como ele foi morto.

A Funai está autorizada a ir até o local fazer a exumação, e ontem os índios estavam esperando por isso, mas o helicóptero não apareceu. A perspectiva é de que apareça somente na semana que vem.

Eu acho muito estranho esse procedimento, principalmente porque a investigação está centralizada nas mãos do presidente da Funai em Brasília. Desde que a morte foi noticiada, a Funai entrou em contradição sobre aceitar ou não o relato dos indígenas. Claramente há interesses muito poderosos e percebo uma atuação do governo contra os índios Wajãpi, com o intuito de encerrar esse episódio.

Em casos graves como esse, não é comum que o presidente da Funai tome a frente das investigações?

Isso nunca ocorreu. A Funai sempre cooperou com os povos indígenas em casos de invasões. Esse tipo de centralização gera desconfiança. Os indígenas estavam aguardando o helicóptero para a exumação do corpo e ele não apareceu.

O próprio governo está dando margem para duvidarmos da sua atuação. Surge em todos os lugares informações de que não houve morte ou invasão. Ou seja, quem deveria estar protegendo os índios desmente seu relato.

O Ministério Público Federal disse que não há indícios de invasão, e o presidente afirmou que “não há indício forte de que o índio foi assassinado lá”.

Eles tentaram criar um ambiente de divisão da sociedade criminalizando o povo indígena e mobilizando a população contra os Wajãpi.

Quando o presidente da República entrou em cena, os órgãos passaram a atuar coordenadamente para agir na situação e influir na opinião pública de forma a colocar a morte do cacique nas mãos dos próprios índios. Antes de sua declaração havia maior dedicação para esclarecer o assassinato. Depois disso os órgãos responsáveis quiseram encerrar o andamento das investigações. No Amapá, parte da sociedade acreditou na versão de que não houve invasão e que o ocorrido era responsabilidade dos índios. Eles tentaram criar um ambiente de divisão da sociedade criminalizando o povo indígena e mobilizando a população contra os Wajãpi.

A própria Funai está dando margem para duvidarmos da sua atuação

Há alguma desconfiança sobre quem causou a morte do cacique?

Apenas especulações. Os Wajãpi ficam no coração da Reserva Nacional de Cobre, que é uma área cobiçada há muito tempo. O Bolsonaro tem obsessão em abrir essa área para mineração. Há muito interesse econômico. Pode ser garimpo ilegal, tráfico de drogas, ou pesquisas ilegais sobre possíveis áreas de exploração de minérios no local.

Na sua avaliação, os ataques às terras indígenas e áreas de proteção aumentaram com a chegada do presidente Jair Bolsonaro ao poder?

Sem dúvida. O Bolsonaro havia declarado que abriria as terras indígenas para a mineração. Isso incita ânimos para todos os lados. Quando um presidente da República fala que quer abrir uma terra indígena para exploração, ele abre a caixa de Pandora de crimes contra a população indígena e contra o meio ambiente.

O presidente da República é irresponsável com as declarações de liberação. O presidente da República está criando um ambiente perfeito para conflitos nas terras indígenas, nos arredores e conflitos no interior do Brasil. Sua política tem sido pra isso.

Bolsonaro também ter feito outras declarações polêmicas, como por exemplo em relação a mortos e desaparecidos políticos da ditadura militar. Qual sua avaliação sobre isso?

Eu esperava bom senso de um presidente da República. Alguém que falasse menos e ouvisse mais. Mas quem está na presidência não é alguém de bom senso. É alguém que está dividindo o Brasil, que quer criar conflito entre os brasileiros. Isso leva nossa democracia ao desastre.

Lamentavelmente temos na presidência um tupiniquim torto e mal preparado

A atuação do senhor Jair Bolsonaro é uma atuação perniciosa ao estado de direito. Perniciosa às instituições democráticas. O que eu posso esperar de alguém que afirma saber detalhes da morte de pessoas assassinadas pelo aparato do estado em circunstâncias dramáticas?

Sua atuação me lembra a fala de Hannah Arendt sobre a banalidade do mal. O presidente governa banalizando a maldade. Lamentavelmente nós temos na presidência da República um tupiniquim torto e mal preparado.

Confira matéria do site Estadão.

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