Resultado da investigação foi revelado ao G1, dois dias após Bolsonaro dizer que se o presidente da OAB quisesse saber como o pai morreu, ele contaria. Depois, Bolsonaro atribuiu a morte de Fernando a grupos terroristas.
O Ministério Público Federal (MPF) disse na tarde desta quarta-feira (31) que os corpos de Fernando Santa Cruz, pai do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, e de outros 11 desaparecidos políticos foram incinerados na usina de Cambaíba em Campos dos Goytacazes, no Norte Fluminense.
O resultado da investigação foi revelado ao G1, dois dias após Jair Bolsonaro (PSL) dizer que se o presidente da OAB quisesse saber como o pai morreu, ele, Bolsonaro, contaria. Depois, Bolsonaro atribuiu a morte de Fernando Santa Cruz a grupos terroristas.
De acordo com o MPF, as 12 pessoas constam na lista dos 136 desaparecidos políticos entre o período de 2 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979.
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As investigações ocorreram ao longo dos últimos oito anos e o processo, concluído na sexta (26), tem mais de 2 mil páginas, além de materiais em áudio e vídeo. Ao todo, 20 pessoas foram ouvidas.
No documento, o MPF denuncia o ex-delegado do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), Cláudio Guerra, por ocultação e destruição dos corpos.
O processo considerou os depoimentos que Guerra prestou para a Comissão Nacional da Verdade (CNV) e para a Procuradoria do MPF no Espírito Santo, além do material divulgado no livro “Memórias de uma guerra suja”, onde ele também cita o uso de Cambaíba para incineração de corpos.
Neles, o ex-delegado afirma que tanto Fernando Santa Cruz quanto o amigo Eduardo Collier foram levados para a Casa da Morte de Petrópolis, na Região Serrana do Rio. De lá, os dois foram encaminhados por ele (Claudio Guerra) para a usina de Campos.
Além disso, o MPF cita o depoimento do ex-sargento do Exército, Marival Chaves Dias do Canto, também à CNV, onde ele afirma que existia um esquema de transferência de presos entre estados e o encaminhamento para locais de repressão, como a Casa da Morte. Ele diz que Fernando e Eduardo foram vítimas dessa operação.
“Além da confissão, testemunhas e documentos confirmaram a autenticidade dos relatos de Cláudio Guerra”, apontam as investigações do MPF.
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“Segundo o relato confessional de Cláudio Antonio Guerra, em algum momento, movido pela curiosidade, ele abria os sacos para ver os corpos (tendo observado que a um deles faltava o braço direito) e que, posteriormente, ao ver publicação de notícias e fotos dos desaparecidos, foi possível saber a identidade dos corpos que havia levado para ocultação e destruição na usina”, diz o MPF.
O órgão acrescenta ainda que, segundo o ex-delegado, os corpos não estavam em adiantado estado de decomposição, “pois normalmente não havia cheiro forte”.
“Tal fato indica que o transporte dos corpos não se dava muito tempo depois da prisão e assassinato das vítimas, podendo se traçar uma linha de tempo não muito extensa entre a prisão e o referido transporte, excetuado eventual caso em que a prisão se tenha alongado na ‘Casa da Morte’ ou no DOI-Codi/RJ”, diz um trecho do documento do MPF.
As incinerações
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Em 2014, foi feita uma reconstituição de como os corpos eram colocados no forno. Na época, Cláudio Guerra deu detalhes ao MPF e à CNV de como eram feitas as incinerações.
Para o órgão, esse trabalho comprova que: “a abertura dos fornos era suficientemente grande para a entrada dos corpos humanos, não se admitindo como válida qualquer negativa nesse sentido”.
Ainda segundo o MPF, sobre a alegação de que seria impossível chegar tão perto da entrada dos fornos, em razão da alta temperatura:
“Também não se mostra minimamente razoável, dado que nada impediria a inserção de corpos que içados, por exemplo, com uma pá de maior medida e extensão, ou ainda em períodos noturnos e em épocas de menor fluxo nas caldeiras, independente do contínuo funcionamento”.
O MPF considerou ainda a conclusão da CNV sobre a reconstituição de 2014 que diz que a própria entrada dos fornos se encontrava em altura fácil de ser encontrada. “Não existindo, portanto, dúvida acerca do tema, o qual pode ser ainda atestado por eventuais perícias técnicas”.
Denúncia
Para o MPF, Cláudio Antônio Guerra agiu por motivo torpe (uso do aparato estatal para preservação do poder contra opositores ideológicos), visando assegurar a execução e sua impunidade, com abuso do poder inerente ao cargo público que ocupava.
“Assim, com o objetivo de assegurar a impunidade de crimes de tortura e homicídio praticados por terceiros, com abuso de poder e violação do dever inerente do cargo de delegado de polícia que exercia no Estado do Espírito Santo, foi o autor intelectual e participante direto na ocultação e destruição de cadáveres de pelo menos 12 pessoas, nos anos de 1974 e 1975”, diz o procurador da República Guilherme Garcia Virgílio, autor da denúncia.
Além da condenação pelos crimes praticados, o MPF pede o cancelamento de eventual aposentadoria ou qualquer provento de que disponha o denunciado em razão de sua atuação como agente público, uma vez que, para o órgão, o comportamento do ex-delegado se desviou da legalidade, “afastando princípios que devem nortear o exercício da função pública”.
O MPF diz ainda que não se pode considerar os crimes praticados pelo ex-delegado na Lei da Anistia, tendo em vista que a referida lei trata de crimes com motivação política.
“Não importa sob que fundamentos ou inclinações poderiam pretender como repressão de ordem partidária ou ideológica, sendo certo que a destruição de cadáveres não pode ser admitida como crime de natureza política ou conexo a este”, diz o procurador.
O G1 tenta contato com a defesa do ex-delegado Cláudio Guerra. Atualmente, Cláudio é pastor e tem 79 anos.
Lista de incinerados em Cambaíba, segundo MPF
- Ana Rosa Kucinski
- Armando Teixeira Fructuoso
- David Capistrano da Costa
- Eduardo Collier
- Fernando Santa Cruz
- Joaquim Pires Cerveira
- João Batista Rita
- João Massena Melo
- José Roman
- Luiz Ignácio Maranhão Filho
- Thomaz Antonio Silva Meirelles Netto
- Wilson Silva
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