Como o contrabando põe em risco a soberania do Brasil e a segurança do consumidor

Edson Luiz Vismona é presidente do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO) e do Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade (FNCP).| Foto: Tâmna Waqqued/Fiesp

Quando o assunto é contrabando, Edson Luiz Vismona é fonte obrigatória. Advogado, especializado em defesa comercial e direito do consumidor, ele já foi secretário da Justiça e da Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo, secretário Nacional da Reforma Agrária e fundador e presidente da Associação Brasileira de Ouvidores/Ombudsman. Atualmente, preside o Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO) e o Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade (FNCP). Vismona está à frente do FNCP há uma década.

É com base em toda essa experiência com o tema que ele explica, na entrevista a seguir, que o contrabando representa um grave desafio à economia e à segurança pública do Brasil. E apresenta propostas que permitiriam atacar o problema.

A crise econômica tem relação com o aumento do contrabando?

Sim. Em 2014, a economia brasileira perdeu R$ 100 bilhões para a ilegalidade. Em 2015, foram R$ 115 bilhões. Em 2016, R$ 130 bilhões. Em 2017, R$ 146 bilhões. E chegamos a 2018 com R$ 193 bilhões. Houve um salto, que também se observa na apreensão recorde que a Receita Federal alcançou na apreensão de contrabando no ano passado. A Receita está apreendendo muito mais porque o mercado ilegal cresceu muito mais.

Para o consumidor, consumir produtos contrabandeados é uma questão de custo?

Não tenho a menor dúvida quanto a isso. É uma questão econômica. A crise provocou um aumento brutal no consumo de produtos ilegais em itens básicos, como vestuário e eletrônico. O caso dos cigarros indica claramente que a crise leva mais pessoas para a ilegalidade: a situação dramática que o setor vive, em que a evasão é maior do que a arrecadação, indica que a população mais pobre migrou para os produtos mais baratos e contrabandeados.

Quantos empregos se perdem para o contrabando?

Há dez anos, o Ministério da Justiça estimou que o contrabando tira 2 milhões de empregos. A Souza Cruz, por exemplo, fechou uma fábrica inteira [de cigarros] em Santa Cruz do Sul, no Rio Grande do Sul, e ficou só com a fábrica de Uberlândia. Além disso, camelô não gera emprego: ele desperdiça emprego. Cada emprego informal derruba quatro formais. Temos que valorizar o emprego formal, que dá segurança para a pessoa, e não o subemprego.

Uma reforma tributária ajudaria a combater o contrabando?

Claro. Para todos os setores produtivos, o contrabando é uma questão econômica. Temos uma taxação muito elevada e que onera o consumo, e isso tem repercussão nos hábitos dos brasileiros.

O senhor concorda com a iniciativa do governo de debater uma redução da taxação sobre o cigarro para evitar o contrabando?

É uma iniciativa inteligente. O ministro Sergio Moro está atacando as duas pontas do mercado ilícito. Ele quer criar em Foz do Iguaçu um Centro Integrado de Operações de Fronteira, que é uma iniciativa extremamente importante, que nós defendemos há muitos anos. Só existe uma forma de combater a oferta, que é integrando ações, coordenando a inteligência, tendo mais foco nos grandes distribuidores, os depósitos, os grandes operadores. E o ministro também identificou a necessidade de atacar a demanda, ao discutir uma mudança nos impostos sobre os cigarros. O melhor, na verdade, seria que o Paraguai aumentasse suas próprias tarifas sobre os cigarros. Mas defendemos, no Brasil, a equalização dos impostos. Hoje nós temos um imposto regressivo, os cigarros mais baratos pagam mais impostos do que os mais caros. Defendemos aumentar a taxação do cigarro mais caro e diminuir a do mais barato, para que possamos ter um preço mais competitivo na comparação com o contrabando.

Por que, quando se fala em contrabando, se discute tanto o problema dos cigarros ilegais?

Porque queremos que a indústria nacional legal, em qualquer setor, possa competir e tirar o mercado do ilegal. É inconcebível termos o crime liderando uma atividade produtiva, e é o que está acontecendo com o mercado de cigarros. Quanto o contrabandista contribui com o SUS? Zero. E ainda impacta a segurança pública e até mesmo a segurança nacional, porque o contrabando ocupa as nossas fronteiras. O mercado ilícito não arrecada imposto, alimenta o crime organizado e redunda em clara ameaça a nossa segurança. Esse cigarro que vem de fora tem relação direta com os fuzis que chegam às favelas do Rio de Janeiro. Aliás, se ocorrer nas fronteiras o que está acontecendo no Rio de Janeiro, que é a segunda maior cidade do Brasil, nós vamos perder nossa soberania.

Como o senhor vê a colaboração do Brasil com os países vizinhos?

Melhorou muito, especialmente com o Paraguai. Vamos lembrar que o presidente anterior do Paraguai é dono da maior empresa produtora de cigarros do país. O atual presidente não tem esse vínculo com a indústria local, tanto é que o governo brasileiro já colocou o assunto numa pauta de discussão bilateral. Ou seja, estamos trabalhando do problema. Já é um avanço, porque é impossível atuar sem colaboração entre países.

O que mais poderia ser feito para atacar o problema?

Temos que usar de forma mais articulada nossas forças na fronteira, com coordenação com países vizinhos. Temos pouca gente nas fronteiras e sofremos contingenciamento de recursos para a segurança nas divisas. Quando você contigencia recursos, está abrindo as portas para o crime. O fato é que as organizações criminosas estão ocupando as fronteiras. O atual governo entende a gravidade do problema.

O contrabando não está apenas nas fronteiras. Como combater a ilegalidade nas cidades?

São Paulo é o centro de distribuição de contrabando para o Brasil. Caravanas de todo o país visitam a região central, nos arredores da Rua 25 de Março, para comprar produtos ilegais e levar para seus estados. Mas São Paulo está dando um exemplo interessante: o prefeito Bruno Covas criou uma comissão de combate ao comércio ilegal, com ações semanais contra produtos específicos – tem a semana do ataque ao relógio contrabandeado, das roupas, do tênis. O comércio local, que gera empregos e paga impostos, precisa disso. O exemplo de São Paulo deve ser intensificado. Outra dimensão é o comércio virtual ilegal, que cresce de forma geométrica.

É possível conter o comércio ilegal realizado na internet?

Essas grandes empresas que ganham bilhões no comércio virtual podem estabelecer filtros para barrar o comércio ilegal. É uma questão de defender a vida das pessoas. Afinal, muita gente compra produtos eletroeletrônicos falsos que são verdadeiras bombas. É o caso de carregadores de celulares, chapinhas, até mesmo eletrodomésticos que não atendem às normas mínimas de segurança. A internet não é um espaço sem lei. Precisa ser investigada para garantir a segurança e a saúde de nossas famílias, nossos filhos.

Confira matéria do site Gazeta do Povo.

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