Em 1961, Fidel Castro decidiu que Cuba não poderia ter analfabetos. O país já tinha um dos mais altos índices de alfabetização do continente para a época, mas isso ainda significava que 24% da população não sabia ler nem escrever. Fidel então lançou uma vasta campanha de educação que, em apenas um ano, levou o conhecimento básico do idioma espanhol para quase toda a ilha. Profissionais de diferentes áreas se deslocaram para as regiões mais remotas e pobres do país, a fim de garantir que ninguém ficasse de fora do programa. Desde então, o sistema educacional de Cuba segue sendo um exemplo para o mundo. Seus professores e médicos, exportados para dezenas de países, comprovam que as salas de aula cubanas funcionam muito bem.
Esse é, em resumo, o panorama mais repetido sobre o sistema educacional do país. Cuba seria, portanto, um caso de ditadura que conseguiu garantir o acesso universal à educação de qualidade. Mas qual é exatamente a educação que recebem os 1,842 milhão de alunos do país?
Modelo Paulo Freire
Há poucos dias, uma editora e revisora cubana chamada Juliette Isabel Fernández Estrada, que tem um filho de sete anos estudando em uma escola de Havana, utilizou sua conta de Facebook para mostrar um exercício de matemática que consta num caderno para o ensino médio de seu país. O enunciado diz, em espanhol: “A fim de aumentar a política hostil contra o nosso país, o orçamento dos Estados Unidos contribui anualmente com cinquenta e nove milhões de dólares para os grupos contrarrevolucionários. Isso representa como média diária:” As alternativas apresentam diferentes alternativas para o cálculo.
Em outras ocasiões, Juliette já reclamou que é possível ver, nas escolas, crianças de cinco anos gritando “Pátria ou Morte”. Os livros de colorir incluem desenhos de Che Guevara e Fidel, que devem ser preenchidos de verde. Em outro livro didático, a imagem de um soldado com um fuzil nas mãos é acompanhada do seguinte texto: “O miliciano tem um fuzil. Ele ama a paz. Em boas mãos, o fuzil é bom.”
Para aprender a escrever e pronunciar o fonema correspondente a “ch”, o livro cita a frase: “O Che lutou em Cuba”. Crianças de seis anos em diante participam de grupos como a União dos Jovens Comunistas, e a data aniversário de nascimento de Che é celebrada com festa nas escolas. “Cuba segue o modelo de Paulo Freire de educação humanitária. As crianças e jovens não apenas aprendem através do engajamento, como também desenvolvem a capacidade de resolver problemas”, afirma Lynora Hirata, professora do departamento de educação da Universidade de Washington, que conheceu de perto as escolas cubanas – e gostou do que viu, a chamada “pedagogia da ternura”. “O processo educacional em Cuba introduz a criança a atos de respeito mútuo, através da interação cívica socialmente orientada, além de gestos sinceros e atenção genuína para com os outros e a comunidade.”
Para a professora, o sistema de ensino ajudou a formar “uma nova forma de consciência, energizada por uma ideologia de conquistas coletivas, que se sobrepõem aos ganhos individuais”. A professora da Universidade de Washington esteve em Cuba depois do fim da União Soviética, em 1991, quando o suporte financeiro russo desapareceu. Desde então, diz ela, “faltam nas escolas os suprimentos mais básicos, os materiais educativos não foram mais atualizados e os prédios não receberam mais manutenção. Ainda assim, as crianças aparecem com sorrisos e uniformes novos”.
Livros didáticos soviéticos da metade do século passado
Depois da educação pré-escolar, vem a educação primária, para crianças de 6 a 11 anos. Na sequência vem a educação média, que se divide em média, por três anos, e pré-universitária, por dois anos. A escolha de uma faculdade é orientada pelas demandas do país, e visam a formação para o atendimento coletivo. Segundo Margarita Quintero López, assessora do Ministério da Educação de Cuba, em um artigo que descreve a educação na ilha, o coletivo é mais importante, até mesmo na escolha da carreira. “Quando o aluno é aprovado no 9º grau, tem a possibilidade de continuar seus estudos. A partir daí, ele tem um amplo leque de opções, todas de interesse priorizado para o desenvolvimento econômico e social do país, em correspondência com a demanda de força de trabalho requerida para os próximos anos, entre elas: a formação de professores para os níveis primário e pré-escolar, operários qualificados e técnicos e a formação de bacharéis para continuar estudos universitários nas carreiras de interesse econômico e social”.
A professora Lynora Hirata reforça: “Cada curso criado pelo governo visa a meta de gerar e manter uma sociedade de cubanos saudáveis e letrados”. De fato, o sistema dá pouca importância à produção acadêmica competitiva e diversificada. Resultado: não existem no país vencedores de prêmios acadêmicos, do Nobel ao Fields. Em termos de desenvolvimento e inovação o país se sai muito mal no ranking da World Intellectual Property Organization: está em 85º lugar na quantidade de patentes registradas no ano de 2016.
Katherine Hirschfeld, professora da Universidade de Oklahoma, passou 11 meses em Cuba, entre 1996 e 1998. Acompanhou o sistema de saúde e teve acesso ao ambiente universitário. O que viu, na época, a levou a conclusões diferentes na comparação com a professora Hirata. “O que mais me impressionou no sistema educacional foi a completa ausência de livros e revistas acadêmicas nas bibliotecas das universidades. A maior parte das obras disponíveis datava da metade do século 20. Quando visitei casas cubanas, quase nunca vi livros ou revistas”, ela relata.
“Os jornais são todos publicações oficiais do governo”, prossegue, “e ninguém os leva a sério. O que havia era um mercado informal de CDs e DVDs, trazidos clandestinamente de Miami, com muita informação sobre cultura pop, TV e música”. Os professores de filosofia, diz ela, só podiam pesquisar e ensinar a obra de três autores: Fidel Castro, Raul Castro e Che Guevara. “Os livros didáticos que eu vi eram traduções para o espanhol de materiais soviéticos desatualizados, que priorizavam explicações marxistas-leninistas para as doenças e conclamavam os estudantes de medicina a se tornar militantes na batalha contra o imperialismo”.
Mudanças lentas
Nos últimos anos, o regime passou a abrir, devagar, o acesso à internet. Nesse sentido, o próprio fato de uma pessoa como Juliette Isabel Fernández Estrada poder se manifestar pela internet já representa um avanço. Até o fim da década passada, os moradores do país simplesmente não tinham acesso ao mundo exterior, de nenhuma forma. Em entrevista à revista VEJA publicada em 2009, a blogueira Yoani Sánchez contou que só viu cenas da queda do Muro de Berlim, que aconteceu em 1989, dez anos depois, graças a uma fita de vídeo levada clandestinamente para dentro do país. Mas, pelo que as reclamações de Juliette indicam, o conteúdo apresentado para as crianças ao longo de toda sua vida escolar ainda está longe de mudar.
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