Por maioria, o Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou, nesta quarta-feira (26), que o foro privilegiado dos parlamentares é pessoal, não se estendendo a gabinetes e a residências funcionais, nem ao espaço do Congresso Nacional.
A discussão se deu no âmbito de uma ação que questionava a Operação Métis, deflagrada por juiz de primeira instância que determinou a prisão de policiais legislativos e a apreensão de equipamentos de varredura do Senado Federal usados em uma suposta operação de contra inteligência para burlar a Operação Lava Jato.
Com a decisão do STF, o juiz federal Vallisney de Souza Oliveira, responsável pela Lava Jato no TRF-1, poderá dar continuidade ao inquérito, e os equipamentos apreendidos em 2016 poderão ser, finalmente, analisados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) antes de serem devolvidos ao Senado.
No caso, um dos policiais presos questionou a competência da primeira instância e o inquérito foi paralisado por decisão liminar uma semana depois da operação, que havia sido determinada por Vallisney em outubro de 2016.
Com a liminar do STF, o Ministério Público Federal (MPF) entrou com uma ação julgada pedindo que os documentos e equipamentos apreendidos no Senado fossem aproveitados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) em eventual retomada da investigação.
Prevaleceu a posição do relator, ministro Edson Fachin. Ele destacou que, em tese, o foro privilegiado vale apenas para o detentor do cargo, não se alargando a espaços físicos. Essa posição foi seguida pelos ministros Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Marco Aurélio e Celso de Mello.
No caso concreto, porém, Fachin enxergou usurpação de competência do STF em relação a algumas provas colhidas em 2016. “Por existir indícios mínimos de que os atos, objeto de apuração, teriam sido realizados por determinação de parlamentares, reconheço a usurpação de competência do Supremo Tribunal Federal”, afirmou Fachin.
O ministro, no entanto, decidiu que a usurpação de competência não contamina as provas que não dizem respeito a parlamentares. Assim, o relator atendeu ao pedido da PGR, e as provas já colhidas, como equipamentos e documentos do Senado, poderão ser aproveitadas na investigação, vedada a utilização desse conteúdo em relação a parlamentares, se isso se confirmar após a análise da PGR.
Já interceptações e quebras de sigilo telefônicas de quem tenha prerrogativa de foro, como dependeriam de autorização judicial do STF desde o início, não poderão ser aproveitadas.
Nesse ponto, formando também maioria, Fachin foi seguido por Rosa Weber, Cármen Lúcia, Roberto Barroso, mas não por Marco Aurélio e Celso de Mello, que não viram “envolvimento minimamente concreto de parlamentares”.
Foro privilegiado vai além da pessoa do parlamentar
Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Alexandre de Moraes também viram usurpação de competência do STF, mas em maior extensão, em razão da divergência inaugurada com o voto de Moraes, que questionou a tese principal da maioria.
Moraes considerou que a decisão de primeira instância foi um disfarce para burlar a competência do STF. “Não se trata aqui, a meu ver, de conceder prerrogativa de foro a imóveis, prerrogativa de foto a apartamento funcional, prerrogativa de foro à Câmara ou ao Senado, assim como a inviolabilidade domiciliar não é concedida ao apartamento em que moramos, mas à pessoa que mora [lá]”, comparou Moraes.
“Quem comanda o Legislativo, quem pode autorizar a busca sem mandado, quem pode autorizar a entrega de documentos, de computadores, de maletas, é o presidente da casa [Câmara ou Senado]. Se é ele quem pode autorizar, quem pode impedir, é contra ele que deve ser o mandado de busca e apreensão”, afirmou o ministro.
“Sejamos razoáveis: o juiz de primeira instância que defere um mandado de busca e apreensão no Congresso, no Senado, na Câmara em apartamentos funcionais, ele sabe que a sua medida será também invasiva da intimidade, da vida privada, dos parlamentares. Então, ele assumiu esse risco, para solicitar sem que as instâncias superiores assim o fizessem”, ponderou o ministro.
“Isso fere de morte o Estado de Direito, porque fere o princípio do juiz natural e do devido processo legal”, conclui Moraes. De acordo com essa posição, votaram pela anulação das provas, além de Moraes, Lewandowski, Mendes e Dias Toffoli.
Entenda o caso: Operação Métis
A Operação Métis foi deflagrada pela Polícia Federal (PF) em 21 de outubro de 2016, autorizada pelo juiz Vallisney de Souza Oliveira, responsável pela Lava Jato no TRF-1. Na ocasião, quatro policiais legislativos do Senado Federal foram presos preventivamente e equipamentos da polícia legislativa foram apreendidos.
A operação foi autorizada a partir de depoimento de um policial legislativo que relatou que o então diretor da polícia do Senado, ligado ao então presidente do Senado, Renan Calheiros (MDB-AL), teria montado operações de contra inteligência em gabinetes e residências de senadores, para obstruir investigações da Lava Jato.
Um dos agentes presos recorreu ao STF argumentando que a operação deveria ter sido autorizada pelo Supremo, já que envolvia senadores com foro privilegiado. O então relator da ação, ministro Teori Zavascki, concedeu uma liminar libertando os presos, autorizando sua volta ao trabalho e suspendendo as investigações. Com a morte de Zavascki, o ministro Edson Fachin herdou a relatoria da Lava Jato.
O MPF recorreu da decisão e ingressou com outra ação cautelar, em dezembro de 2016, requerendo a apreensão dos documentos e equipamentos já apreendidos por ordem do juízo de primeiro grau e mantidos à disposição do STF em razão da decisão liminar de Zavascki.
O Ministério público, no mérito, negou a usurpação de competência do Supremo. Segundo a PGR, “os atos investigatórios praticados no âmbito do Juízo reclamado não se direcionaram nem mesmo indiretamente a pessoas titulares de prerrogativa de foro”.
O advogado do investigado, em sustentação oral na sessão desta quarta-feira, alegou que o diretor da polícia do Senado avisou à Polícia Federal, em julho de 2016, por meio de ofício, que os policiais fariam uma varredura no Senado, para tentar encontrar escutas ilegais. Para o advogado, os servidores estavam cumprindo de boa-fé medidas determinadas pela chefia direta.
“Investigados que possuem uma conduta exemplar, elogios de diversos órgãos, dão aulas de contra inteligência para o país inteiro, para todos os órgãos, foram presos, porque estavam exercendo sua função. Sem antecedentes, condutas exemplares, funcionários íntegros”, afirmou o advogado Ivan Moraes Ribeiro.
Já o advogado-geral do Senado, Fernando Cesar Cunha, defendeu que “as prerrogativas constitucionais [como o foro privilegiado] são conferidas em prol da instituição: não se caracterizam como privilégios pessoais dos parlamentares. Portanto, elas não têm caráter subjetivo: elas possuem um caráter objetivo para proteger a instituição”. A tese foi rejeitada pela maioria.
Busca e apreensão em apartamento da senadora Gleisi
Cunha também lembrou a decisão da 2ª Turma do STF que, em junho do ano passado, anulou provas colhidas na Operação Custo Brasil, desdobramento da Lava Jato que investiga suspeitas de R$ 100 milhões em desvios do governo federal por meio de uma fraude no serviço de gestão de crédito consignado a funcionários públicos.
O STF entendeu que a busca e apreensão de provas colhidas no apartamento da então senadora e hoje deputada federal Gleisi Hoffmann (PT-PR), mesmo o investigado sendo seu marido, o ex-ministro Paulo Bernardo, deveria ter sido determinada pelo Supremo.
A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, ressaltou que o MPF ainda não se manifestou sobre a validade das provas, nem sobre se elas são suficientes para embasar uma denúncia criminal, porque a análise estava pendente da decisão do STF.
“A PGR pediu apreensão do material apreendido durante a execução de medida de busca e apreensão domiciliar, com base nos indícios da prática de crime, o crime do artigo 2º, parágrafo 1º, da Lei 12.850 [obstrução de justiça], mas isso será feito no momento próprio, adequado, quando a investigação estiver realmente amadurecida”, explicou.
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