Uma pessoa morre de fome no Paraná a cada dois dias

| Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo

Ainda morre uma pessoa de fome a cada dois dias no Paraná, segundo os dados mais recentes disponibilizados pelo Ministério da Saúde. Mas há o que comemorar. Em 2017, dado mais recente, houve o menor registro de casos desde o início da apuração. Naquele ano, foram 187 mortes confirmadas como decorrentes de desnutrição no Estado – o número mais baixo desde 1979 (confira no infográfico). Em 2018, reportagem da Gazeta do Povo mostrou que as principais vítimas da fome no Paraná são os idosos.

No Brasil, a tendência também é de queda. Em 2017, o país registrou 5.653 óbitos associados oficialmente à fome, menor marca em 38 anos. É menos da metade dos casos contabilizados pelo governo federal em 1979, durante a ditadura militar, quando 11.784 brasileiros tiveram a morte registrada como consequência da alimentação insuficiente. Naquela época, a vilã era a desnutrição infantil – 84% dos casos eram de crianças de 0 a 4 anos idade. Hoje, 82% são idosos.

A forma para identificar as mortes por fome no Brasil consta em resposta do governo federal a pedido feito pela Lei de Acesso à Informação. O extinto Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome orienta que a consulta à base de dados do Sistema Único de Saúde (SUS) deve ser feita procurando a causa “desnutrição” na classificação da CID-10 (Código Internacional de Doenças). Os dados do SUS são disponibilizados após várias revisões – portanto os números referentes a 2017 são os mais atuais.

O Livre.jor analisou os dados e conversou com o economista Francisco Menezes, pesquisador do Ibase – o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas, organização sem fins lucrativos criada em 1981 pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, importante figura da história do país na luta contra a desnutrição infantil. Para Menezes, a queda no número de óbitos por fome deve ser vista com cautela, pois outros indicadores apontam para um aumento da desnutrição como problema social no Brasil.

“Os dados referentes à morte por fome exigem uma avaliação bastante atenta, porque ocorrências dessa natureza muito frequentemente não serão assim identificadas, visto que uma pessoa com forte e continuada carência alimentar fica sujeita a diferentes agravos em sua saúde, que em caso de morte podem ter outra causa notificada”, analisa Menezes. Ele classifica esses acontecimentos como “a expressão mais dramática” dos quadros de desnutrição.

“A desnutrição crônica leva um maior tempo para se manifestar [nas estatísticas oficiais], por causa do seu indicador – que é o déficit de altura em crianças. A desnutrição traz consequências que podem ser definitivas na vida de uma pessoa e que evidentemente atinge a população socialmente vulnerável, colocando-a em uma situação ainda mais extrema em relação à desigualdade da qual já é vítima”, diz o pesquisador do Ibase.

Pessoas com mais de 80 anos são a maioria das vítimas da fome
Das 187 mortes por fome confirmadas no Paraná, 151 são de idosos – 80% do total. O lado sombrio do envelhecimento da população no país aparece conforme os dados vão sendo detalhados, pois entre os idosos foram 19 óbitos entre pessoas que tinham de 60 a 69 anos de idade, 36 falecimentos registrados entre septuagenários e 106 entre anciãos com 80 anos ou mais.

Entre as vítimas da fome identificadas pelo Ministério da Saúde com 80 anos ou mais, 74 têm baixíssima escolaridade – menos de 4 anos de educação formal. Há certo equilíbrio entre homens e mulheres, com 50 e 56 mortes por desnutrição, respectivamente. E 20 são negros, sendo a maioria destes óbitos no Paraná de pessoas brancas. Dos 106 anciãos mortos por desnutrição em 2017 no estado, 61 eram viúvos. A maior parte veio a óbito já internados em instituições hospitalares, mas 29 casos foram registrados dentro dos domicílios.

Considerando que a última Projeção de População do IBGE coloca o Paraná como segundo estado do país com maior longevidade, os dados sobre o perfil de quem morre por fome são um sinal inequívoco de alerta. De acordo com o levantamento, os nascidos no Paraná viverão, por volta de 2060, em média, até os 83,86 anos – justamente a faixa etária de parte significativa das vítimas fatais da desnutrição.

Casos de mortes por fome podem voltar a subir
“É preciso considerar que o aumento da expectativa de vida, com um maior número de pessoas atingindo idades mais elevadas, contribui para que, em situações de vulnerabilidade, um maior número de idosos se torne vítima fatal da desnutrição”, descreve Francisco Menezes. Ele diagnostica um “abandono do Estado” em relação aos idosos num cenário de crise, crescimento da pobreza e “desmonte de políticas de proteção social”.

Não bastasse essa situação, a pesquisa dele no Ibase mostrou que a desnutrição infantil, depois de cair por um longo período, voltou a subir ligeiramente em 2016 e 2017. Essa tendência foi identificada a partir dos dados do Ministério da Saúde para a razão entre peso e altura de crianças de 0 a 5 anos. A situação se inverteu em 2018, mas os números soaram como uma sirene para Menezes. “Para identificarmos alguma tendência precisaremos de mais anos de observação”.

Como a percepção da realidade da desnutrição não se dá de forma instantânea, os dados do Ministério da Saúde, associados ao crescimento da extrema pobreza e aos cortes em políticas públicas de segurança alimentar, na opinião do pesquisador, elevam o risco do Brasil voltar ao Mapa da Fome – um levantamento global feito pelas Organizações das Nações Unidas (ONU) para monitorar a desnutrição no mundo.

Um cenário mais nítido da situação em que vivem as famílias no Brasil deve ser conhecido logo, adiantou Francisco Menezes, pois no segundo semestre de 2018 o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística foi a campo colher esses dados. “O resultado ainda não foi divulgado. Ele está contido no Suplemento de Segurança e Insegurança Alimentar, realizado junto com a Pesquisa do Orçamento Familiar pelo IBGE. Essa pesquisa é feita de cinco em cinco anos, tendo sido realizada pela primeira vez em 2014. A fome pode ser identificada na categoria que essa pesquisa denomina como Insegurança Alimentar Grave”, ensina o pesquisador do Ibase.

“Acreditamos que o quadro [da insegurança alimentar no Brasil] se agravou e, portanto, é real a possibilidade do número de mortes [por fome] voltar a subir”, comentou Menezes, estimulado pela reportagem a fazer um prognóstico sobre o futuro. Segundo a base de dados do Ministério da Saúde, nos últimos 21 anos, de 1996 a 2017, 73 pessoas morreram de fome nas vias públicas das cidades paranaenses. Em 2017 ocorreu um caso, enquanto em 1997 foram 11.

Confira matéria do site Gazeta do Povo.

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