Moro diz não ter nada a esconder e que mensagens podem ter sido alteradas

A comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal ouve o ministro da Justiça, Sérgio Moro Foto: Jorge William / Agência O Globo

Ministro da Justiça falou em comissão do Senado sobre conversas atribuídas a ele e procuradores da força-tarefa da Lava Jato. Moro citou pedidos feitos pelo MP que foram negados por ele, quando era juiz, para argumentar que não houve conluio.

O ministro da Justiça, Sérgio Moro, disse nesta quarta-feira (19), em audiência na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, que não tem nada a esconder sobre as conversas atribuídas a ele e procuradores da Operação Lava Jato. Moro afirmou que as mensagens que têm sido divulgadas “podem ter sido alteradas” e defendeu que o conteúdo seja submetido a uma “autoridade independente”.

Moro foi à comissão dar explicações sobre as supostas mensagens, que começaram a ser divulgadas pelo site The Intercept no dia 9 deste mês. Os diálogos teriam ocorrido por meio do aplicativo de mensagens Telgeram, na época em que Moro era o juiz responsável por processos da Lava Jato no Paraná. De acordo com The Intercept, os dados mostram que Moro orientou a atuação de integrantes da força-tarefa da operação.

“Evidentemente não tem nada que esconder, a ideia foi vir aqui espontaneamente a esclarecer muito em torno desse sensacionalismo que está sendo criado em cima dessas notícias”, disse Moro.

‘Não existe conluio’
O ministro citou na CCJ um balanço de pedidos feitos pelo Ministério Público e que foram negados por ele, para argumentar que não houve conluio com procuradores.

“Foram mais ou menos 90 denúncias apresentadas pelo Ministério Público. Dessas 90 denúncias, 45 ações foram sentenciadas. O Ministério Público recorreu de 44 dessas 45 sentenças. Se falou muito em conluio. Aqui é um indicativo claro que não existe conluio nenhum, inclusive divergência.”

Possíveis adulterações
Moro explicou que, eventualmente, pode haver nas transcrições algo que ele possa realmente ter dito. Mas ressaltou que não tem como se certificar da autenticidade do conteúdo e que o contexto pode ter sido alterado para criar “situação de escândalo” inexistente.

“O que eu vejo ali, nas mensagens que foram divulgadas, tem algumas coisas que eu eventualmente posso ter dito. Tem algumas coisas que me causam estranheza. Mas o fato é que ainda que tenha alguma coisa verdadeira, essas mensagens podem ser total ou parcialmente adulteradas, às vezes até com mudança de trecho ou mudança de palavra para caracterizar uma situação de escândalo que no fundo é inexistente. Desde o primeiro momento, nós sempre nos referimos como supostas mensagens. Eu não tenho como me certificar da autenticidade disso”.

O ministro afirmou que o conteúdo dos diálogos não mostra nada fora do normal.

“Eventualmente, pode ter havido uma mensagem, mas nada do que não seria normal. Não estou dizendo mais uma vez que eu reconheço a autenticidade”, afirmou o ministro. “O fato é que várias pessoas lendo essas mensagens não identificaram, ao contrário de todo o sensacionalismo do site, ilícitos, irregularidades ou qualquer desvio ético.”

Moro afirmou ainda que não se lembra da íntegra das mensagens que mandou há dois ou três anos. Ele disse que não usa o aplicativo de mensagens Telegram desde 2017.

“Eu não lembro de mensagem que eu mandei um mês atrás, há dois meses. Querem que eu lembre mensagem que eu mandei há dois, três anos atrás. Não tem como. Não tenho esses elementos”, disse Moro.

Alguns minutos depois, na audiência, o senador Otto Alencar (PSD-BA) ironizou a fala de Moro. “Não exijo muito da memória do ministro Moro, porque ele tem péssima memória”, afirmou o parlamentar.

‘Invasão criminosa’

O ministro disse que houve invasão de celulares de autoridades feita por um “grupo criminoso” e não por um “adolescente com espinhas”.

“O que existe de fato é uma invasão criminosa, por um grupo organizado, que tem por objetivo ou invalidar investigação por lavagem de dinheiro e corrupção, ou desestabilizar investigações que ainda estão em andamento, e ainda podem atingir pessoas poderosas, ou possíveis ataques às instituições brasileiras”, completou Moro.

Segundo o ministro, seu celular foi alvo de um ataque em 4 de junho, e ele entregou o aparelho para a Polícia Federal para que o caso fosse investigado. Moro disse que não há evidência de que o conteúdo do celular foi acessado.

Conversas entre juízes e as partes do processo

Moro explicou que, na tradição jurídica brasileira, são normais conversas entre juízes, procuradores e advogados no decorrer do processo. O ministro citou artigos publicados na imprensa que apontaram esse tipo de diálogos como “normais”.

“Vamos esclarecer para quem não conhece, mas aqui estão vários ex-juízes, ex-policiais e ex- advogados. Vamos esclarecer. Aqui na tradição jurídica brasileira não é incomum que juiz converse com advogado, que juiz converse com promotor. Isso acontece a todo momento”, disse Moro.

“E, no caso do juiz criminal, é muito comum, já que o juiz responsável tanto pela fase de investigação como pela fase do processo, receba policiais e procuradores e converse sobre diligências que vão ser requeridas, diligências que vão ser cumpridas. Isso é absolutamente normal”, concluiu.

Ele citou dois exemplos: o procurador que se dirige a um juiz para dizer que vai pedir prisão preventiva de um suspeito; e um advogado que pede a revogação da prisão preventiva do cliente.

Perguntas de senadores

A sessão na CCJ começou com uma fala inicial de Moro, de cerca de 20 minutos. Depois, ele respondeu a perguntas feitas por senadores. Cerca de 40 parlamentares se inscreveram para fazer questionamentos ao ministro.

Senadores da oposição fizeram críticas à atuação de Moro. Weverton (PDT-MA) questionou o ministro se, diante das mensagens publicadas pelo The Intercept, não seria o caso de ele deixar o ministério.

“O senhor é um símbolo da Justiça. O senhor foi um homem corajoso, que prendeu homens poderosos. A OAB agora está propondo seu afastamento do Ministério da Justiça, para preservar a sua imagem de super homem, de super herói. O senhor não deveria se afastar?”, perguntou o senador.

Moro repetiu que não tem como provar a autenticidade das mensagens e que a conversa atribuída a ele e procuradores ocorreu sem ilicitudes.

“Não tem nada de revelação, de parcialidade ou de conteúdo impróprio. O senhor pode conversar com qualquer pessoa que trabalha nos fóruns de Justiça, que vai verificar que isso é absolutamente corriqueiro, normal. Especialmente no contexto de uma grande investigação”, respondeu o ministro.

O senador Fabiano Contarato (Rede-ES) quis saber se Moro considerava que o conteúdo das mensagens mostrava que os julgamentos da Lava Jato ocorreram de forma irregular.

“Os fins justificam os meios? Lembro aqui também a teoria do fruto da árvore envenenada, outra prova ilícita por derivação, que é uma proibição no Código de Processo Penal. Está no artigo 157, parágrafo 1º, que diz: ‘São também inadmissíveis as provas derivados das ilícitas’. Se a árvore está envenenada, os frutos estão envenenados”, argumento Contarato.

Na resposta, Moro enfatizou que as conversas entre juízes, procuradores e advogados são normais.

“O senhor, que é da prática jurídica, que já atuou nessa área, sabe que são normais conversas entre juízes, normais conversas entre procuradores, normais conversas entre policiais e entre advogados. A questão do aplicativo, foi apenas ali uma troca de mensagens mais rápidas, se é que essas mensagens são de todo autênticas”, afirmou o ministro.

Houve também na sessão senadores que elogiaram o trabalho de Moro e apontaram ilegalidade na obtenção e divulgação das mensagens.

“Quem conhece o nosso sistema jurídico sabe que conversas entre procuradores, juízes e advogados acontecem. É comum a expressão embargos auriculares. Eu queria entender que crime haveria nessas trocas de mensagens até aqui divulgadas? O senhor tem preocupação que as divulgações de supostas conversas possam manchar ou impedir investigações da Lava Jato no futuro?”, disse o senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE).

Para a senadora Soraya Thronicke (PSL-MS), o modelo processual brasileiro permite ao juiz atuar como juiz de instrução.

“Nós adotamos um modelo processual misto, que permite ao juiz diligências, ser ativo nas investigações. O juiz, em nosso sistema. pode ordenar que uma perícia seja realizada, uma testemunha seja ouvida, que alguém seja preso preventivamente, etc. o juiz é praticamente um personagem, ora, é praticamente uma autorização legal para agir como juiz de instrução, certo?”, disse a senadora.

Confira matéria do site G1.

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