Avesso a entrevistas, à ostentação e ao consumo de bebidas alcoólicas, discreto, simples e pragmático. Ex-tenista profissional, praticante de pesca submarina, carioca de ascendência suíça e que na infância estudou na Escola Americana do Rio e morou no Leblon antes de ir para Harvard. A trajetória de Jorge Paulo Lemann é uma das mais bem-sucedidas no mercado brasileiro. Pode-se dizer que ele ajudou a revolucionar o capitalismo brasileiro a partir de 1971, com o Banco Garantia.
Seu sucesso se deu, sobretudo, a partir da introdução de conceitos pouco conhecidos ou explorados até então no país, como meritocracia e o modelo de partnership. O primeiro consiste em promover e remunerar funcionários com base em seu desempenho, enquanto o segundo se refere à possibilidade de os melhores se tornarem sócios do empreendimento. Mas, não se engane: Lemann, atualmente com participação em empresas como a Ambev, Burger King e Heinz, e com um patrimônio estimado pela revista Forbes em US$23 bilhões, nunca fez nada por bondade. É puro pragmatismo.
Simplicidade e pragmatismo são palavras-chave para se entender o recente envolvimento político do empresário, alvo de controvérsias por parte de grupos à direita e à esquerda do espectro político. Isso porque políticos que foram ex-bolsistas das fundações do empresário são apontados como integrantes da Bancada Lemann — expressão quase sempre utilizada de forma negativa.
Teses de que eles foram eleitos para defender interesses de banqueiros e investidores, de que são “funcionários de Lemann” ou que estão “a serviço do globalismo e da destruição de valores da família” rondam cinco parlamentares
que participaram de programas de fundações ligadas a Lemann. São eles os deputados federais Felipe Rigoni (PSB-ES), Tábata Amaral (PDT-SP) e Tiago Mitraud (Novo-MG), além dos deputados estaduais Daniel José (Novo-SP) e Renan
Ferreirinha (PSB-RJ), todos em primeiro mandato. Eles integram movimentos de renovação política como o RenovaBR e o Acredito e chamam atenção pelas ideias e
atuação na Câmara dos Deputados e nas Assembleias Legislativas de São Paulo e do Rio de Janeiro.
Por causa da aura progressista que ronda Jorge Paulo Lemann e seus “apadrinhados”, a Gazeta do Povo entrevistou dezenas de pessoas do mercado financeiro, da política e da sociedade civil que já conviveram e/ou convivem com Lemann para compreender melhor quais interesses políticos norteiam o bilionário.
Aversão a políticos
De acordo com Cristiane Correa, na biografia Sonho Grande, em um dia chuvoso no centro do Rio de Janeiro dos anos 1980, Fernando Collor de Mello acenou para o mesmo táxi que Jorge Paulo chamava. Como ambos iam na mesma direção, decidiram “rachar” a corrida. Collor não reconheceu o banqueiro, mas o empresário sabia quem era o jovem político cujo nome já despontava pelo país. Diante do poder, seria natural buscar a construção de um relacionamento com a autoridade. Mas não para Lemann.
“O político e a mulher que o acompanhava se sentaram no banco de trás e começaram a conversar em inglês. Jorge Paulo Lemann foi na frente, ao lado do motorista. Collor se queixava à interlocutora do comportamento de alguns empresários. Citou especificamente o nome de Jorge Paulo Lemann. O banqueiro escutou o quanto aguentou até que, sem se identificar, avisou aos “caronas” que falava inglês. Collor continuou a fazer críticas – agora em francês. Quando chegou ao seu destino, antes de sair do automóvel Jorge Paulo olhou para o político e lhe disse apenas que seu francês era tão ruim quanto o inglês”.
Em um período em que a Operação Lava Jato expôs ao público o emaranhado de conexões entre autoridades públicas e boa parte do empresariado brasileiro, pode causar estranheza o fato de um dos homens mais ricos do país sempre prezar por uma postura alheia à política.
Dá para entender a aversão de Lemann à política. Seu banco, o Garantia, sofreu diversos reveses nos anos 1980 com a instabilidade econômica do país. Em certa ocasião, com Mário Henrique Simonsen à frente do Ministério da Fazenda, houve o corte de quatro pontos percentuais na correção monetária, em uma tentativa de controlar a inflação. Isso fez com que, de um dia para o outro, o Garantia perdesse US$20 milhões de rentabilidade, parcela significativa de seu fluxo à época. A
imprevisibilidade política e econômica do país poderia ter custado a falência da instituição.
Em outra situação, no início dos anos 1990, o sócio de Lemann, Marcel Telles, quase foi preso pela Polícia Federal por ter descumprido o tabelamento de preços imposto aos produtos da cervejaria Brahma. O advogado da Brahma chegou a sugerir que Telles se escondesse no banheiro quando policiais chegaram de surpresa na sede da
companhia dispostos a prender o responsável por um aumento de preço supostamente não autorizado.
Em um país cuja política interfere tanto no mercado, é compreensível que um empresário como Lemann não morresse de amores pelo governo. Foi isso o que contou à Gazeta do Povo um investidor que atuou no Garantia nos anos 1990. “Ele sempre quis ficar distante de governo e política. Era a regra dele, dizia para quem quisesse ouvir, mas lembro que uma vez me afirmou diretamente que ‘o governo só atrapalha os negócios em geral. São pessoas despreparadas para entender como funciona o mercado’”, contou a fonte, que preferiu não ter seu nome revelado. “Esqueça o governo, não perca tempo reclamando dele, vamos atrás de fazer o que pudermos e ganhar dinheiro”, disse Lemann ao então jovem investidor.
Considerando que Lemann tem perfil discreto e ele próprio não fala com a imprensa, quase todas as fontes consultadas preferiram não ter o nome revelado para evitar qualquer chance de se indispor com o empresário.
Investimento na formação de jovens
Influenciado pelas ideias do consultor de gestão de negócios e autor dos best-sellers “Empresas Feitas para Vencer” e “Vencedoras Por Opção” Jim Collins, Lemann sempre teve como norte o investimento nas pessoas. Muitas das quais nunca atuaram em suas organizações.
No início dos anos 1990, uma estudante da graduação de Engenharia da PUC disse ao namorado que precisaria sair da Gávea e ir ao centro da cidade dar uma resposta ao mecenas que financiava seus estudos. “Com quem é a reunião?”,
perguntou ele. “O cara da Brahma”, respondeu ela. Lemann recebeu a estudante por cerca de 45 minutos para conversar sobre suas notas, o que ela vinha aprendendo, além de questionar quem eram os melhores alunos do curso. Na época, a Fundação Estudar se limitava a dar umas poucas dezenas de bolsas de estudos e o empresário investia não apenas dinheiro, mas também seu tempo para conversar
com os bolsistas.
Atualmente a Fundação conta com cerca de 50 funcionários que realizam a filtragem e a avaliação dos valores que integrarão o programa de estudos. Mas Lemann ainda recebe estudantes para conversar.
As conversas ocorrem no Insper, escola de negócios que conta com doações do fundo de educação mantido por Lemann. Um de seus históricos sócios, Cláudio Haddad, por exemplo, é presidente do Conselho Deliberativo da instituição. Estudantes do Insper ouvidos pela Gazeta do Povo relataram que o empresário recebe aleatoriamente alunos para colher informações sobre seus respectivos desempenhos, além de questionar sobre o nível de satisfação com o Insper.
Para o que se espera de um bilionário e acionista de grandes empresas, Lemann demonstra acessibilidade.
O economista Matheus Hector, então aluno do INsper, descobriu o e-mail do empresário e tentou a sorte: “Tinha fundado o Consilium, entidade de políticas públicas da faculdade, e a Revista Época fez uma matéria comigo como ‘o futuro da política’. Usei essas credenciais para pedir os conselhos dele em uma reunião e ele me respondeu”. Ele compareceu com um amigo e na oportunidade conversaram por uma hora e meia.
“O escritório dele não tinha nem 30m², estranhei para alguém na posição dele”, afirmou um deles. O grande conselho de Lemann sobre o mundo político, segundo o jovem, foi: “Não espere para entrar”. Questionado pela reportagem se o empresário perguntou algo sobre a ideologia dos jovens, a resposta foi direta: “Ele não liga para o debate ideológico”, disse Matheus.
“Ele vê as coisas de maneira muito direta, é bem pragmático, não fica muito na teoria. Na realidade, ele fala que tem de ser feito o óbvio: defende a reforma da Previdência porque é o óbvio. Defende a reforma tributária também porque é o óbvio. Argumenta a favor de uma remodelação do Estado brasileiro porque obviamente as coisas hoje não funcionam bem e precisam operar melhor para ajudar a quem mais precisa”, afirma Daniel José, que conhece Lemann desde 2006.
Por que ajudar na política agora?
Um ex-funcionário de Lemann que nos últimos anos o encontrou em duas oportunidades em eventos nos contou sua impressão sobre a mudança de postura do empresário em relação à política. “Acredito que ele percebeu que a completa
isenção e desconsideração pelos políticos não estavam dando certo. Ele deve ter percebido que tinha uma responsabilidade em buscar agregar valor além do mercado, que era necessário formar gente para ajudar na política também para melhorar as nossas instituições a partir de bons gestores, pessoas bem formadas”, afirmou.
Em 2016, apenas uma ex-bolsista da Estudar se interessou em se candidatar nas eleições municipais. Em 2018, cinco ex-bolsistas foram eleitos. “Isso é reflexo do próprio momento
em que o país está vivendo e as pessoas se interessando mais por política, em acompanhar o que está acontecendo, do que na década passada”, afirma o deputado Tiago Mitraud.
Em entrevista dada em agosto de 2018, o próprio Lemann diz que “[a ideia inicial era] dar bolsas para qualquer área, mas a falta de foco não gerou tanto resultado. Então preferi focar na área de negócios em que teria mais facilidade em avaliar. Achava que poderia contribuir com o Brasil melhorando os empreendedores, mas depois de um tempo vimos que não dava para consertar só com melhores empreendedores, era preciso em outras áreas também, especialmente no setor
público, já que ele não vinha atraindo número suficiente de bons quadros”.
Ele afirma também que nunca teve interesse por política. “Quando comecei a trabalhar era a época em que militares estavam no poder, não tinha espaço para entrar na política. Hoje já estou velho, mas acredito que bons empreendedores e gente que teve sucesso deveriam entrar para política e buscar
melhorar o país. Sou velho, mas posso incentivar os mais novos para irem nessas áreas”, diz.
“Tudo, menos esquerdista”, confidenciou um ex-funcionário. “Não há como alguém que atuou no mercado e sentiu na pele os danos que uma intervenção do governo pode causar no mundo dos negócios não ter uma mentalidade capitalista”, explicou. Sobre o pensamento de Lemann, outro afirma que “se um jovem de origem pobre, mas promissor e com sangue nos olhos, pedir uma oportunidade, ele ajudará, independentemente da ideologia. Se um liberal, por exemplo, chegar diante dele e fizer uma boa venda, ele ajudará. Não vejo relação com ideologia”.
A maioria dos entrevistados disse que Lemann não possui mentalidade política, e sim empresarial. “Ele quer que as coisas funcionem, só isso”, resumiu um deles. A palavra “pragmático” foi o termo que mais apareceu em todas
as entrevistas.
“Ele não olha para partido ou ideologia antes de decidir ajudar alguém. Ele observa os valores, o esforço, se há honestidade intelectual naquele indivíduo, integridade… Se a pessoa for motivada, sonhar grande e for ambiciosa, ele ajuda”, complementa Daniel José, que atuou foi bolsista em
fundações de Lemann.
Outra fonte que conviveu com o empresário também foi nesta linha. “O importante não é o partido da pessoa, nem grandes teses. E sim entregar resultado. Ele gosta muito do modelo de Cingapura e dos resultados da educação
de Sobral, por exemplo. Nada pessoal”.
“Ele nem se aprofunda muito em política, não é um tema que ele domina, mas não dá para achar que ele seja estatista, ele claramente tem uma perspectiva mais pró-mercado”, disse Tiago Mitraud.
Polêmica do Burger King
Após o controverso veto do presidente Jair Bolsonaro a uma propaganda que buscava o público jovem e diverso do Banco do Brasil, o fast food Burger King realizou uma campanha
publicitária que fazia referência indireta ao episódio. Houve quem tenha relacionado o anúncio de tom progressista a um ataque ao presidente.
“Bobagem, o Jorge tem 85 anos e passa a maior parte do tempo falando alemão no vilarejo onde mora na Suíça. É forçar demais pensar que ele define o que o marketing de uma das empresas das quais ele é sócio veiculará ou não”, disse um consultor.
“Ele só acompanha os próprios investimentos. Não está próximo do dia a dia da empresa. Uma campanha publicitária dessas está visando o cliente, melhorar a imagem junto ao público, é muito mais simples do que parece”, opinou Tiago Mitraud.
Organizações Lemann: progressistas ou pragmáticas?
Há organizações com participação de Lemann que têm sistemas de cotas dentro dos processos seletivos. Muitas vezes são de políticas corporativas consideradas progressistas. “Ele sempre se preocupou muito com o ‘social’, que ele chama de ‘impacto’. Resta saber se é por conta de propósito ou se é para seus negócios serem bem vistos, bem aceitos”, diz um consultor do mercado financeiro. No entanto, para o consultor, o que se vê nas empresas de Lemann, na prática, se distancia dos aplausos de guerreiros sociais: “[As empresas]
São conhecidas por condições de trabalho desumanas, muito puxadas, pressão o tempo todo”, diz.
Lemann é um dos financiadores do Instituto Sou da Paz, uma organização desarmamentista. “Talvez a relação entre Lemann com o diretor-executivo da Fundação Lemann, Denis Mizne, que também é representante do Instituto Sou da Paz, seja mais determinante para esse apoio do que a causa em si”, opina um gestor de relações governamentais.
O que dizem os parlamentares?
A ideia de que Lemann financia parlamentares de acordo com alguma ideologia previamente estabelecida perde força quando se comparam as opiniões dos parlamentares que passaram pela Fundação Estudar e Lemann. Rigoni e Tábata,
por exemplo, são mais frequentemente associados com viés e esquerda, enquanto os deputados do Novo Mitraud e Daniel José têm mais amparo entre o eleitorado liberal.
Arthur do Val, ligado ao Movimento Brasil Livre, por exemplo, já criticou Tábata por diversas vezes publicamente. Recentemente, a chamou de “esquerda limpinha”, em tom pejorativo. É nesse contexto que se insere grande parte das polêmicas e teorias acerca da atuação de Lemann.
Todos eles foram ouvidos pela Gazeta do Povo sobre a influência que a Fundação Estudar e Lemann tiveram em suas trajetórias.
Rigoni afirma que seu mestrado em políticas públicas pela Universidade de Oxford — possibilitado pelas fundações — criou os alicerces para que seu mandato fosse “baseado em evidências científicas e pautado por boas referências
internacionais”. Especificamente sobre seu contato com Lemann, ele disse que “afora os ensinamentos de humildade e para sonhar grande, ele não representa uma influência pessoal ou política no meu trabalho como parlamentar”.
O discurso é endossado pelos outros parlamentares. Tábata Amaral afirmou, por meio de assessoria, que “não integra nenhuma bancada Lemann, pois isso não existe” e que seu mandato é “independente”. Ela ainda aproveitou para esclarecer que não contou com a ajuda de Lemann para
eleger-se, e que durante seus estudos em Harvard recebeu ajuda de custo da Fundação Estudar para ajudar sua família no Brasil. “A quantia foi devolvida quando recebi o salário como deputada”, afirmou.
Daniel José é quem conhece Lemann há mais tempo do grupo. Ele participou da última etapa do processo seletivo da Fundação Estudar em 2006. “Na época, ele participava mais nos eventos da Estudar, então o vi em muitas ocasiões”,
diz.
Ele conta que quando Lemann soube de seu interesse em se candidatar, algo antes impensável para o hoje deputado, o empresário ficou feliz. “Ele se disponibilizou a ajudar, não de forma direta, mas apresentou outras pessoas”, conta.
Lemann não contribuiu diretamente com a campanha de nenhum. Como tem residência fiscal fora do Brasil, haveria um impeditivo legal. Mas um dos coordenadores de campanha ouvido pela reportagem confidenciou que “Lemann indicou pessoas para doar. Ninguém negava uma missão dele”.
Entre os quatro, Lemann gravou vídeo apenas com Mitraud, que atuou como diretor executivo da Fundação Estudar por quase sete anos. Apesar disso, ele não vê a ideia de apadrinhamento do Lemann como determinante para as eleições dos ex-bolsistas. “O RenovaBR, por exemplo, talvez tenha exercido maior impacto e ajudado muito mais na eleição por uma questão simples. Eles foram estruturados especificamente para isso: preparação da campanha e contato com doadores”, opina.
Sociedade civil
“Minha esperança é que com gente mais preparada e mais ética o Brasil possa melhorar muito”, afirmou Lemann em uma entrevista em 2018, manifestando seu otimismo.
Em um país em que historicamente o empresariado envolveu-se pouco na sociedade civil e a maior parte dos brasileiros ainda prefere terceirizar ao Estado responsabilidades que seriam dos indivíduos e da sociedade civil, pode estranhar um empresário como Lemann se envolver em diversas áreas.
Além disso, em tempos de radicalização política, é natural que se busque classificar figuras como próximas ideologicamente ou rivais, mas os propósitos de Lemann ao ajudar na formação de pessoas que, entre outras áreas agora também
vão para a política, parecem muito menos elaborados do que as teorias à esquerda e à direita.
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