Papuda abriga 300 membros de facções, com atuação no país e no exterior

Complexo Penitenciário da Papuda, em São Sebastião: apesar do rigor imposto pelos agentes, integrantes das facções conseguem se comunicar por cartas e visitas (foto: Breno Fortes/CB/D.A Press)

Sistema carcerário do DF tem integrantes de duas organizações com atuação no país e no exterior e de uma criada em Brasília. Autoridades estão preocupadas com a transferência dos líderes das duas primeiras para o presídio federal

Três facções criminosas contam com ao menos 300 integrantes no sistema carcerário do Distrito Federal. Eles são filiados ao Primeiro Comando da Capital (PCC), Comando Vermelho (CV) e Comboio do Cão. Esta última surgiu em Brasília, com seguidores no Riacho Fundo, no Recanto das Emas e em Ceilândia. Entre os faccionados, duas são mulheres e estão isoladas na Penitenciária Feminina, a Comeia. Os outros estão trancafiados na Penitenciária I e II (PDF I e PDF II) do Complexo Penitenciário da Papuda.

Os que têm mais influência e são apontados como líderes são levados para o Pavilhão de Segurança Máxima (PSM). A tentativa dos agentes de segurança é evitar uma articulação e impedir que mais seguidores sejam cooptados — na linguagem do crime, “batizados”. Mas sem capacidade para deixar um detento por cela, os seguidores das organizações sem cargo de chefia ficam no mesmo ambiente de outros presos, mas em uma ala de internos perigosos.

Intramuros, eles tentam se comunicar por meio de cartas (trocadas ilegalmente) ou no grito. Para conseguir contato com o mundo externo, enviam recados por meio das visitas e recebem retornos verbais. Subsecretário do Sistema Penitenciário do DF (Sesipe), o delegado Adval Cardoso reconhece a preocupação com as facções nas cadeias. “Os faccionados têm força dentro da massa e são capazes de transformar a situação dentro da cela”, revela.

Contatos
Por causa das tentativas de expansão, a Divisão de Inteligência Penitenciária (DPI) e a Polícia Civil monitoram os presos influentes. A maioria evita falar que integra facções para não ficar isolado. “Eles estão sempre se articulando, principalmente por meio de visitas, e isso desperta a nossa preocupação diuturnamente, porque se descuidar, é fatal. Temos um sistema seguro, que não entra celular, mas eles tentam todos os dias manter contato”, conta Adval.

Quando alguma carta é encontrada, a Sesipe aciona a Polícia Civil. Investigadores abrem inquérito e passam a monitorar o caso. Essa atribuição é da Coordenação Especial de Combate à Corrupção, ao Crime Organizado e aos Crimes contra a Administração Pública (Cecor).

Diretor da Divisão de Repressão às Facções Criminosas (Difac) ligada à Cecor, o delegado Maurilio Coelho confirma que, desde 2012, foram presos aproximadamente 300 membros do PCC no DF e Entorno. “Quando o acusado já está no sistema, ele perde os benefícios e volta a ficar um bom tempo no regime fechado. Nosso objetivo é sempre desestimular as organizações criminosas, impedindo que os investigados continuem integrando as facções”, ressalta.

Em liberdade, esses criminosos se concentram nas cidades de Santa Maria, Gama, Ceilândia e Samambaia. No Entorno do DF, eles vivem, principalmente, em municípios goianos mais ao sul, como Novo Gama, Valparaíso, Cidade Ocidental e Luziânia.

Contaminação
A 500 metros da Papuda, a Penitenciária de Segurança Máxima em Brasília recebeu pela terceira vez líderes de facções com atuação em todo o país. Semana passada, chegaram nove integrantes da Família do Norte (FDN), que lideraram os massacres nos presídios de Manaus (AM). Em 22 de março, o número um do PCC, Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, foi transferido para a capital do país. O irmão dele desembarcou um mês antes, em 13 de fevereiro.

Para o subsecretário do sistema local, embora esses mandatários não entrem nas cadeias do DF, eles exercem influência na massa carcerária. “Para os presos daqui, esses líderes são ídolos. Por isso, eles tentam fazer com que as famílias, de alguma forma, se unam, com a esperança de poder, em algum momento, alcançar a liberdade ou promover uma fuga”, comenta Adval Cardoso.

Consultor em segurança pública, George Felipe Dantas alerta para os riscos. “Quando se faz um presídio de segurança máxima, vêm advogados, familiares e seguidores que se estabelecem com pontos de suporte para essas pessoas (os presos). Eles agem como uma comunidade que se dispersa no entorno da penitenciária e constitui perigo.”

Mas, na visão do professor, antes da criação da penitenciária de segurança, o entorno da Papuda já estava ameaçado devido à proximidade do complexo com a área urbana. “O risco à população é imediato, porque o perímetro do presídio se estreitou ao longo dos anos. Mesmo sem a penitenciária federal, trata-se de uma área já urbanizada ao redor. Acresça a isso o surgimento de um presídio federal.”

George Felipe reforça a superlotação como um fator de preocupação. “Na medida em que adensa a população carcerária, isso gera algum conflito, porque é muita gente junta. Estamos há muito tempo sem registros de rebelião pela ação decisiva dos órgãos de monitoramento e controle do sistema penitenciário local.”

A última rebelião no sistema ocorreu em 18 de outubro de 2001, após a passagem de Marcola pela Papuda. Ele criou um braço do PCC na unidade candanga, denominado Paz, Liberdade e Direito (PLD), que encabeçou a revolta. Dois morreram e 10 ficaram feridos, entre eles, um policial militar e outro civil. Na mesma noite, representantes da segurança pública informaram que a situação estava sob controle.

Muito preso para pouco agente
A superlotação do sistema carcerário do Distrito Federal expõe a fragilidade de um complexo que opera 125% a mais do que o limite e ocupa o terceiro lugar da maior massa carcerária do país. São 7.398 vagas para 16.707 internos. Em celas que deveriam ter entre oito a 10 internos, há entre 30 e 40.

Presidente do Sindicato dos Agentes de Atividades Penitenciárias do DF (Sindpen-DF), Paulo Rogério da Silva reforça que são aproximadamente 1,7 mil servidores em atuação. Significa que são nove presos para cada agente, enquanto a recomendação do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) sugere a proporção de um servidor para cada cinco detentos por turno de serviço. “Com baixo efetivo e condições de trabalho precarizadas, acaba que a qualidade do serviço é inferior ao que poderíamos estar prestando. Existe uma sobrecarga de função.”

Para Paulo, uma alternativa é a instituição da polícia penal, que faz com que os agentes possam ter poder de investigação. “É uma estrutura de polícia penitenciária que cria mecanismos de investigação e repressão nos moldes da polícia penitenciária italiana e soma no combate ao crime organizado. Dará um ciclo de segurança e inteligência dentro do sistema”, defende.

Mais presídios
Estão em construção quatro Centros de Detenção Provisória (CDPs), com 3,2 mil novas vagas — 800 em cada. A previsão é de que fiquem prontas em um ano. Também está em andamento a reforma do bloco 3 do Centro de Progressão Penitenciária (CPP), com 625 vagas. A previsão de conclusão das obras é para o segundo semestre deste ano.

Há ainda um projeto para Penitenciária III do Distrito Federal, com 600 vagas. O início das obras depende de abertura de licitação que será feita após a conclusão dos projetos complementares de engenharia. Eles estão sendo elaborados por empresa contratada pela Novacap.

A Secretaria de Segurança Pública garante que “devido à capacitação dos servidores e protocolos de segurança, o DF possui o sistema mais seguro do país, mesmo com a terceira maior massa carcerária do Brasil.”

Para saber mais
Com poderio econômico forte, ramificações no Brasil e até no exterior, as maiores facções criminosas agem com intuito de ampliar cada vez mais a sua área de atuação, com o recrutamento de bandidos, a compra de armamento e a diversificação dos crimes. A partir de um estatuto, distribuem tarefas, mantêm uma rede de contatos onde todos os criminosos se ajudam e contribuem financeiramente com o fortalecimento da organização.

Em Brasília os integrantes do PCC, por exemplo, são isentos de pagar uma mensalidade para a cúpula da facção, conhecida no dialeto do crime como cebola. O dinheiro serve para custear benefícios ao líder, como advogados, se ele for preso. Mas, mensalmente, há a cobrança de uma rifa. O preço médio é de R$ 30 para sorteio de celulares, televisões, motos e até carro.
Entre os crimes mais cometidos pelos integrantes das facções estão roubo, tráfico de drogas e homicídio quando envolve integrantes de organizações criminosas rivais.

Confira matéria do site Correio Braziliense.

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