Carros formam longas filas em posto móvel montado em Pacaraima. Antes, brasileiros é que atravessavam para abastecer no país que agora enfrenta crise.
A escassez de combustível na Venezuela tem provocado um movimento inédito na fronteira do Brasil. Venezuelanos estão chegando ao Brasil de carro para enfrentar filas de dobrar o quarteirão para comprar gasolina em Pacaraima, cidade fronteiriça em Roraima.
Conhecida por ter tido o litro da gasolina mais barato do mundo e por controlar a maior reserva comprovada de petróleo, a Venezuela enfrenta uma crise sem precedentes diante da incontrolável desvalorização do bolívar, a moeda nacional. Em 2018, a inflação no país atingiu 130.060% e neste ano pode chegar a 10.000.000%, segundo o FMI.
A produção da estatal Petroleos de Venezula SA (PDVSA), a gigante do petróleo venezuelano, despencou e agora falta combustível no país. Motoristas fazem filas enormes em postos de cidades como Maracaibo, Tumeremo e San Cristóbal, e enchem galões para estocar em casa com medo de o combustível acabar de vez.
Para driblar a escassez, principalmente no estado de Bolívar, vizinho a Roraima, venezuelanos têm ido a Pacaraima e enfrentado as filas diárias, agora também do lado brasileiro, para abastecer. A cidade fica a 15 km de Santa Elena de Uairén, na Venezuela, onde se relata desabastecimento de combustível há vários dias.
Preço oficial x mercado negro
No posto móvel instalado na fronteira brasileira, o litro de gasolina custa R$ 4,95 e o de diesel R$ 4,25, valores muito acima dos praticados na Venezuela, onde o custo do combustível é subsidiado pelo governo e, por isso, vendido quase de graça à população.
Com a escassez nos postos oficiais na Venezuela, o preço da gasolina em Pacaraima atrai os venezuelanos porque ainda é menor do que o cobrado no mercado clandestino dos “talebãs”— como são chamados os contrabandistas de combustível venezuelano na fronteira.
“As carretas chegam aqui com a metade da gasolina, já que há escassez em todo o país. O desabastecimento é tão grande que em Santa Elena a gasolina venezuelana é vendida no mercado negro a R$ 5 ou R$ 8. Assim, comprar o litro por R$ 5 em Pacaraima ainda funciona”, relatou ao G1 uma moradora de Santa Elena de Uairén.
Tanque cheio
Segundo João Kléber Soares, representante da Associação Comercial de Pacaraima (ACP), o movimento de venezuelanos indo comprar combustível em Pacaraima começou logo após a reabertura da fronteira, no dia 10 deste mês.
“Uma semana depois da reabertura da fronteira, começaram a chegar venezuelanos em busca de combustível. Eles relatam que está ocorrendo racionamento e falta gasolina e, por isso, vêm até aqui”, relatou João Kleber.
Soares disse que os venezuelanos representam 90% da clientela atual do posto móvel de Pacaraima, instalado após o fechamento da fronteira para garantir o abastecimento da população local.
Com a reabertura da fronteira, muitos brasileiros voltaram abastecer no posto internacional que fica na BR-174, entre os dois países. Lá o litro da gasolina venezuelana custa R$ 1,50, mas o fornecimento também é instável e vetado aos venezuelanos.
“São vendidos de 6 mil a 7 mil litros de combustível por dia no posto de Pacaraima, e 90% disso tem sido só para venezuelanos”, detalhou Kleber. “É o contrário do que acontecia antes, quando nós, brasileiros, é que íamos abastecer em Santa Elena”.
“Só levam o tanque cheio”, descreveu João Paulo Queiroz, que trabalha como frentista do posto de Pacaraima, que é considerado móvel por não ter instalação subterrânea e depender de um caminhão-tanque para armazenar combustível.
Segundo ele, a cada 10 clientes que vão ao posto, ao menos nove são venezuelanos. Ele também aponta para a possibilidade de um novo comércio clandestino: o contrabando de gasolina brasileira para o lado venezuelano.
“A gasolina virou um comércio na Venezuela. Há informações de que eles [venezuelanos] estão levando combustível daqui para vender lá a R$ 10 o litro”, disse Queiroz.
Em nota, a 1ª Brigada de Infantaria de Selva informou que não possui informações a respeito de contrabando de combustível praticado por venezuelanos.
“Ademais, a 1ª Bda Inf Sl reitera que não se encontra no escopo da Operação Controle [que está em curso na fronteira] o material que deixa o Brasil com destino à Venezuela, sendo a sua verificação de responsabilidade dos órgãos de segurança e fiscalização do país vizinho”.
Fronteira reaberta
Segundo os números da operação Acolhida, que cuida do fluxo na fronteira, a média diária de entrada de venezuelanos em Pacaraima era de 500 em 2018, reduziu para 375 enquanto a fronteira esteve fechada, entre fevereiro e maio deste ano, e foi a 575 após a reabertura.
“A gente pensou que seria mais tumultuado com a reabertura da fronteira, mas como as pessoas já estavam passando pelas rotas clandestinas ficou praticamente igual”, declarou o prefeito de Pacaraima, Juliano Torquato (PRB). “O que há agora é um movimento de venezuelanos vindo comprar combustível na cidade”.
Entre fevereiro e maio deste ano, quando a fronteira estava fechada, os imigrantes usavam rotas clandestinas para atravessar para o Brasil.
“A nossa avaliação é que o fluxo na fronteira segue normal. As variações para mais ou menos são normais, consequência do fechamento e consequência da normalização após o fechamento”, disse o coronel Eduardo Migon, Oficial de Planejamento da Operação Acolhida.
Além da nova busca por gasolina, os venezuelanos também viajam a Pacaraima, que fica a 215 km da capital Boa Vista, atrás de comida e remédios — movimento que se intensificou a partir de 2016.
Antes da crise, eram os brasileiros que cruzavam para o lado venezuelano para fazer compras. A estimativa era que 1 mil iam para Santa Elena todos os dias. Em 2014, frente ao aumento da escassez de produtos básicos, um decreto de Nicolás Maduro vetou a exportação e o transporte de mercadorias para territórios estrangeiros.
“Eu ‘puxava’ mercadoria de Santa Elena há uns quatro anos. A cidade sempre era abastecida com mercadoria. Trazia vassoura, coca-cola, sacolas plásticas. Tudo era bem mais barato. Hoje é bem diferente. Lá não tem nada além de produtos brasileiros”, resume Wendel Vale, morador de Pacaraima desde 2003.
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