“Usina da discórdia”, Baixo Iguaçu levou mais de 10 anos para sair do papel

Usina Hidrelétrica de Baixo Iguaçu, na região Sudoeste do estado| Foto: Mirian Fichtner/Divulgação

Em funcionamento total desde abril deste ano e com capacidade para produzir energia suficiente para atender 1 milhão de pessoas, a Usina Hidrelétrica de Baixo Iguaçu tem uma história arrastada, bem à brasileira. Licitada ainda em 2008, a obra no Sudoeste do Paraná só foi concluída neste ano, resultado de uma combinação de desventuras naturais, batalhas jurídicas, burocráticas e políticas.

Ao menos por ora, essa sequência deverá ter uma trégua. Nesta quinta-feira (23), a estrutura receberá a visita do presidente Jair Bolsonaro (PSL) para uma cerimônia oficial de inauguração – embora os primeiros megawatts já tenham sido produzidos em fevereiro. O evento, que também terá a presença do governador Carlos Massa Ratinho Junior (PSD), dará como concluída a usina no trecho final do rio Iguaçu, entre os municípios de Capanema e Capitão Leônidas Marques, que custou R$ 2,3 bilhões e tem potência geradora de 350 megawatts.

Segundo o Consórcio Empreendedor Baixo Iguaçu, que é quem coordena a operação, a hidrelétrica funciona em um sistema chamado “a fio d’água”, que o grupo descreve como capaz de “aproveitar toda a velocidade e o volume da água do Rio Iguaçu para produzir eletricidade”. “Esse modelo é considerado mais sustentável, uma vez que a área de alagamento é significativamente menor que a de outros empreendimentos do mesmo porte”, descreve o consórcio.

A estrutura da hidrelétrica corta todo o leito do Rio Iguaçu; de um lado está Capanema e, do outro, Capitão Leônidas Marques. São três unidades geradoras e uma barragem com extensão de 410 metros. O vertedouro, que controla a vazão de água, tem 16 comportas.

Foi um caminho longo para chegar ali. Desde o leilão que deu o aval para a sua construção, em 2008, a obra conheceu cinco governos estaduais – Roberto Requião (MDB), Orlando Pessuti (MDB), Beto Richa (PSDB), Cida Borghetti (PP) e Ratinho Junior (PSD) – e quatro federais – Lula (PT), Dilma Rousseff (PT), Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PSL). Ao menos quatro destes mandatários não teriam acompanhado o processo caso o cronograma inicial tivesse sido seguido: a estrutura deveria estar em funcionamento desde 2013.

Tal demora vem desde a sua concepção, no início dos anos 2000. Se a construção da usina foi comemorada pelas prefeituras dos municípios em que está instalada, por gerar empregos e aumentar a arrecadação, foi duramente contestada por grupos ambientalistas e gestores de municípios vizinhos. É que ela está instalada a apenas 500 metros do Parque Nacional do Iguaçu, uma área de proteção ambiental gerida pela União e classificada como Patrimônio Natural da Humanidade pela Unesco.

Bem por isso, os grupos de defesa do meio ambiente tentaram barrar a obra, temendo a interferência no Rio Iguaçu (que hoje tem seis usinas) e consternados com o risco ambiental do alagamento das áreas em que foi planejada. Da mesma forma, grupos políticos de municípios que dependem do turismo nas Cataratas do Iguaçu, sobretudo Foz do Iguaçu, se posicionaram contra a execução – é que a construção poderia causar uma baixa vazão de águas nas Cataratas, prejudicando o turismo e, consequentemente, abalando a economia.

Batalhas nos tribunais
Em 2004, ano em que os estudos de viabilidade da usina começaram, o Instituto Ambiental do Paraná (IAP), órgão responsável pela política de meio ambiente estadual, e o Ibama, órgão responsável pela política nacional, chegaram à conclusão de que a competência para dar o aval ambiental era da primeira instituição. Na primeira versão do projeto, no entanto, parte da usina invadia o Parque Nacional do Iguaçu, levando o Ibama e o ICMBio (o órgão que é o administrador direto do parque) a retirarem seu aval sobre a construção nos anos seguintes.

O recuo dos órgãos nacionais teve uma dose de pressão do Ministério Público do Meio Ambiente de Francisco Beltrão, que acompanhou todo o processo, e de representantes do Parque Nacional do Iguaçu, que cobravam mais rigor na obediência das leis ambientais vigentes.

Desde então, a construção se tornou uma guerra judicial entre órgãos federais, entidades ambientais (que pediam revisão das competências para liberação das licenças ambientais), IAP e poder público estadual e municipal. Paralisada em diversos momentos por liminares judiciais, a usina só viu sua construção engrenar de fato em 2015, sete anos após a licitação e dois após o primeiro tijolo ser erguido.

Disputa política

O entrave também teve um fator ideológico. Governador na época da elaboração e leilão da obra, Roberto Requião (MDB) esperava que a construção e operação da usina ficassem na mão da Copel, a agência de energia ligada ao estado. Não teve sucesso. A empresa Neoenergia foi a vencedora do processo.
Se, antes, Requião indicava que o empreendimento beneficiaria o Paraná com uma produção maior de energia elétrica e usando recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), depois da derrota da Copel contestou a licitação e sustentou que a licença espedida pelo IAP, um órgão que também faz parte do governo paranaense, era irregular.

Os ventos políticos começaram a movimentar as turbinas da usina no Sudoeste somente em 2011, com o movimento de compra da Copel de uma parcela de sociedade com a Neoenergia. Hoje, a companhia detém 30% do negócio.

Não era o fim da história. Em 2014, chuvas torrenciais em todo o Paraná fizeram as obras pararem novamente. Somente no Sudoeste, o excesso de água superou em 40 vezes o normal, fazendo o volume de água ultrapassar as barreiras de contenção e destruir parte do canteiro de obras e arrastar equipamentos, adicionando mais tempo à construção e reacendendo a discussão sobre os riscos da estrutura.

Não foi o último cálculo nessa conta. De 2013 para cá, a usina vem sendo alvo de protestos de moradores realocados por conta da construção. Parte deles diz ainda não ter recebido as indenizações impostas ao consórcio responsável pela obra. A última destas manifestações foi em outubro de 2018, quando um grupo ocupou o canteiro de obras para pressionar os construtores e o governo do estado a apresentarem uma nova proposta de reassentamento.

Foram 11 dias de ocupação, mas sem avanço nas negociações. Segundo o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), cem famílias ainda aguardam o cumprimento dos acordos. O Consórcio, á época, não comentou o caso.

Após a passagem de Bolsonaro pela nova hidrelétrica paranaense, a usina deverá ganhar um nome oficial. Nesta semana, a Comissão de Constituição e Justiça da Assembleia Legislativa do Paraná deu parecer favorável a projeto do deputado Anibelli Neto (MDB) de nomeá-la “Deputado Caíto Quintana”, em homenagem ao político gaúcho (mas que fez história na Casa legislativa paranaense), morto no início do ano. O projeto será votado em plenário.

Não bastasse o embate entre os grupos de interesse, a usina assistiu sua construção se arrastar por muito além do que se esperava por causa de disputas políticas e de definição da competência de quem deveria emitir a licença ambiental.

Confira matéria do site Gazeta do Povo.

Be the first to comment on "“Usina da discórdia”, Baixo Iguaçu levou mais de 10 anos para sair do papel"

Leave a comment

Your email address will not be published.


*