A estreita ligação entre Irmã Dulce e a Odebrecht
“O anjo bom da Bahia”, como Irmã Dulce ficou conhecida ainda em vida, será canonizado. A Sala de Imprensa da Santa Sé anunciou nesta terça (14) que o Papa Francisco aprovou o decreto de reconhecimento de um milagre atribuído à sua intercessão. Como a religiosa baiana já é beata desde 2011, agora só falta marcar a data para a celebração na qual Francisco a proclamará santa, que deve ocorrer no Vaticano até o fim do ano. Com isso, Santa Dulce dos Pobres, como deve ficar conhecida, será a primeira brasileira nata a ser canonizada.
Nascida em 1914 em Salvador, Maria Rita de Souza Lopes Pontes adotou o nome de Dulce – o da sua mãe – quando professou os votos como membro das Irmãs Missionárias da Imaculada Conceição da Mãe de Deus, aos 19 anos. Já atendia doentes em sua casa, porém, desde os 13. Aos 21, voltou do noviciado em São Cristóvão, em Sergipe, e iniciou seu trabalho junto à comunidade carente e aos operários da capital baiana, principalmente nos Alagados, um conjunto de palafitas.
Nos anos seguintes, fundou o Colégio Santo Antônio, voltado para os operários e seus filhos, e o ambulatório que viria a ser o Hospital Santo Antônio, o maior da Bahia e a principal obra de Dulce. João Paulo II desejou se encontrar com ela em duas das suas visitas ao Brasil, em 1980 e em 1991, quando a religiosa já estava bastante doente. Ela morreu em março de 1992.
Mas não se engane se o rosto angelical sugerir ingenuidade. Assim como a sua contraparte indiana Teresa de Calcutá – com quem se encontrou pessoalmente em 1979, em Salvador, e que desde 2016 também é venerada como santa pela Igreja Católica – Dulce não tinha nada de ingênua e sabia mexer os pauzinhos para levar adiante suas obras sociais. Não é de estranhar, portanto, a associação do seu nome com sobrenomes poderosos de sua época, não tão distante da nossa, como Sarney, Magalhães e Odebrecht.
Assim como a sua contraparte indiana Teresa de Calcutá – com quem se encontrou pessoalmente em 1979, em Salvador, e que desde 2016 também é venerada como santa pela Igreja Católica – Dulce não tinha nada de ingênua e sabia mexer os pauzinhos para levar adiante suas obras sociais.
Foi José Sarney, por exemplo, que como presidente da República a indicou ao Nobel da Paz em 1988. O emedebista fazia questão de visitar Irmã Dulce quando ia a Salvador e doou quantias generosas às obras da religiosa – tanto que ela quis dar o nome do então presidente a um dos ambulatórios do Hospital Santo Antônio. Como governador da Bahia, Antônio Carlos Magalhães também ajudou as obras através de convênios, do repasse de recursos e da doação de terrenos.
No entanto, um dos nomes mais íntimos da religiosa talvez tenha sido Norberto Odebrecht, o fundador da construtora e avô de Marcelo. A primeira obra de Odebrecht, quando recém-formado em engenharia civil, foi a sede do Círculo Operário da Bahia, fundado por Dulce e pelo frei Hildebrando Kruthaup para apoiar as cooperativas e atuar na promoção social e cultural dos operários. Desde então, a Odebrecht esteve por trás da edificação de vários prédios ligados às obras de Irmã Dulce e foi a principal responsável pela construção do Hospital Santo Antônio, em 1983.Norberto foi membro do conselho administrativo da Associação Obras Sociais Irmã Dulce (Osid), a entidade iniciada pela religiosa em 1959 para arrecadar fundos e gerir as instituições que fundou. Até hoje um membro da família, Eduardo Odebrecht Queiroz, faz parte do conselho.
O avô de Marcelo, morto em 2014, considerava a religiosa a sua “mãe profissional” e dizia dever a ela as suas primeiras lições de marketing. “Precisamos começar a obra pela fachada. Assim as pessoas vão passar, ver que a obra está crescendo e querer nos ajudar”, dizia ela a Norberto. Outro exemplo de como Dulce não perdia tempo é dado por outro empresário de renome, Bernardo Gradin, que em uma entrevista à Folha de S. Paulo em 2014 contou esta história:
Quando eu estava na universidade a Odebrecht tinha um projeto que juntava estagiários e mestres aposentados. Norberto me disse que ia me colocar na obra mais importante que a gente tinha, um hospital e orfanato para crianças. Eu ia às 6h e voltava às 12h. A regra era que não podia usar recursos da empresa: tinha que conseguir doações, acordos com madeireiras, fornecedores.
Uma das maiores lições quem me deu foi ela. Estava faltando cimento e eu tinha mais medo do doutor Norberto que dela. Fui explicar pra ela. E ela disse “Falta cimento?”. Levantou, me pegou pela mão.
Ela batia na minha cintura, apertava minha mão, começamos a andar pelo corredor. Ela me levou para a ala de crianças especiais, com problemas mentais. Havia umas 40 pessoas nessa sala, 20 de um lado, 20 de outra, umas quatro fileiras. Ela entrou na sala, foi fazendo carinho, dando de comer a cada uma das crianças, e eu na porta da sala me sentindo o pior humano.
Ela terminou, me pegou pela mão de novo, não falou nada. Fomos andando de novo no carregador, entrou na capela, ela entrou na terceira fila, ajoelhou e começou a rezar. E eu só chorava.
Aí ela sentou na cadeira, já tinham se passado duas horas, ela me deu dois tapinhas na mão e disse: “Você viu que Deus me deu muitos problemas para resolver. O cimento você resolve, né?”
De boba a santa não tinha nada
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