Uma auditoria do Tribunal de Constas da União (TCU) verificou que estatais não dependentes – aquelas que em teoria não precisam de aporte do governo para se manter – receberam recursos do Tesouro Nacional entre 2013 e 2017 porque precisaram de socorro da União. Nesse período, a União transferiu R$ 18,5 bilhões a essas empresas, que precisaram da ajuda para manter o equilíbrio financeiro. O problema é que, mesmo recebendo socorro, algumas dessas estatais pagaram participação nos lucros e resultados (PLR) a empregados e dirigentes.
A análise do TCU também mostra que essas estatais usaram esses aportes de capital feitos pela União para o pagamento de despesas regulares do fluxo de caixa. E isso configura uma relação de dependência – muito embora, no papel, elas sejam classificadas de não dependentes.
Empresas não dependentes podem pagar remuneração variável, mas não recebem ajuda da União. As dependentes, que recebem aportes, não podem pagar PLR. “Os resultados encontrados apontam a existência de empresas estatais federais formalmente classificadas como não dependentes, mas com dificuldade de desempenhar suas atribuições e honrar com seus compromissos sem a utilização de aportes de capital da União”, explica o acórdão desse processo, que é relatado pelo ministro Vital do Rêgo.
O objetivo do órgão é apurar se os pagamentos de PLR foram irregulares. Por isso, o tribunal agora quer a identificação de todas as estatais não dependentes que receberam aportes da União nos últimos cinco anos. E também quer os nomes de empregados e dirigentes que receberam salários que superam o teto constitucional e a relação de quem recebeu qualquer valor a título de PLR ou remuneração variável. Esse acórdão foi publicado em abril e determina prazo de 60 dias para que a Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais (Sest) repasse essas informações.Empresas não dependentes – mas não muito
De acordo com a auditoria do TCU, quinze estatais não dependentes receberam aportes financeiros do Tesouro Nacional em pelo menos um dos exercícios entre 2013 e 2017 – dentro desse grupo, foram analisadas 35 empresas. Esses recursos somam R$ 18,5 bilhões e as empresas que receberam os montantes mais significativos nesse período foram Infraero (R$ 11,2 bilhões), Eletrobras (R$ 2,9 bilhões), Telebras (R$ 1,85 bilhão) e Hemobrás (R$ 764 milhões).
O ministro Vital do Rêgo assinala que o grande desafio da unidade técnica foi identificar como os aportes foram utilizados por cada estatal, especificamente nos casos em que as empresas apresentaram déficit. O método usado foi minucioso.
Quando foi constatado o déficit, foi feito um cruzamento de dados para determinar se a empresa teria caixa inicial suficiente para cobrir o rombo. Se não tivesse, os técnicos partiam para a análise do caixa líquido das atividades de investimento e, posteriormente, para o caixa líquido de atividades de financiamento. “Por fim, analisou-se se, sem o aporte de capital realizado pela União, a empresa teria conseguido pagar suas despesas operacionais. Se a resposta foi negativa, restou evidenciada a utilização de aporte de capital para cobrir despesas operacionais no exercício, o que sinaliza uma situação de dependência”, explica o relatório.
Esse trabalho identificou cinco empresas estatais que formalmente são consideradas como não dependentes, mas que usaram recursos de aportes da União para cobrir déficits de fluxo de caixa operacional em pelo menos um dos exercícios entre 2013 e 2017. Essas empresas são a Infraero, Serpro, PPSA (Pré-Sal Petróleo), Hemobrás e CDC (Companhia de Docas do Ceará).
A Infraero usou esses aportes de capital para cobrir déficits de 2013 a 2015, e aprovou planos de remuneração variável ou PLR em três exercícios do período analisado. Outra estatal que aprovou esse tipo de bônus foi a CDC, que teve cinco anos de prejuízo e um ano em que a dependência está comprovada, mas havia aprovado três planos de PLR. Já a Hemobrás teve resultado deficitário em três anos, dos cinco analisados.A Serpro e a PPSA tiveram três anos de lucro e dois anos de prejuízo nesse período. No caso da Serpro, a sinalização de dependência foi identificada em 2014. A PPSA, pondera o TCU, teve um aporte de capital em 2014, no valor de R$ 2 milhões, mas isso estava previsto no decreto de criação da empresa “de modo que seria excessivamente rigoroso considerar, no caso concreto, que a utilização desse aporte para pagamento de despesas operacionais representa sinalização de dependência”.
Alerta na Infraero
O relatório do ministro Vital do Rêgo chama a atenção para a situação da Infraero, responsável por receber mais de 60% dos aportes da União e que apresentou sinalização de dependência em três dos cinco exercícios analisados. Por causa disso, o ministro requereu mais dados atualizados sobre a empresa.
“Foi identificado que, em 2018, a estatal recebeu e utilizou mais de R$ 1 bilhão de aportes federais, e, em 2019, existe a previsão orçamentária de se transferir mais de R$ 1 bilhão à citada empresa, confirmando a tendência de recebimento de recursos da União para custear suas despesas”, explica. Para ele, essa necessidade de aportes mostra que a estatal “vem, ano a ano, experimentando, de fato, a condição de estatal dependente do Tesouro Nacional”.
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