Apesar de o Banco Central já ter definido que ficará responsável pela liquidação dos pagamentos instantâneos (peer to peer ou P2P payment), os grandes players do mercado de pagamentos ainda esperam ter participação ativa na cadeia do novo serviço. Com a criação do Fórum de Pagamentos Instantâneos, por meio da portaria do Banco Central 102.166, em 19 de março, começam finalmente a ser definidas as regras de negócio para implementação no Brasil do segmento, há pouco mais de dois anos em regulamentação pela autoridade monetária. O fórum contará com representantes do BC, do mercado e de usuários finais.
“Agora é que o jogo começa a ser jogado. Foram criados três grandes grupos: um executivo de fórum permanente e dois grupos de trabalho, um de negócios e outro técnico, que vão definir o modelo de negócios e a arquitetura. O pontapé inicial foi em 19 de março, quando o BC convocou todos os interessados para uma primeira reunião e anunciou a expectativa de que o ecossistema esteja operacional em dois anos”, explica Percival Jatobá, vice-presidente de produtos, soluções e inovação da Visa.
Ele diz que o fato de o BC ter assumido a liquidação não chegou a frustrar a indústria de pagamentos. A Visa quer participar em algum elo da cadeia com tecnologia de liquidação, serviços e sistemas antifraude e “tokenização”, de olho no potencial desse mercado.
Jatobá ressalta que não existe uma única solução de pagamento instantâneo, que é implementado segundo as características de cada país. O Brasil conta com um sistema financeiro sofisticado e uma população bancarizada, mas ainda com um grande contingente de não bancarizados e alta incidência de uso de dinheiro em espécie.
“Vamos ter de encontrar nosso sabor de pagamento instantâneo. Hoje 35 países já têm programas ativos de pagamentos instantâneos ativos, e outras 30 geografias no mundo já estão com programas em andamento. Não se pode esquecer que se estará lidando com dinheiro da população. Se não tiver sistemas robustos e soluções antifraudes, esse dinheiro pode não estar seguro. Pode até ter um sistema baratinho atuando no mercado, mas o quão seguro é para o consumidor que usa é outra questão a que o BC vai estar atento”, reitera Jatobá.
O BC define pagamentos instantâneos como transferências monetárias eletrônicas entre diferentes instituições nas quais a transmissão da mensagem de pagamento e a disponibilidade de fundos para o beneficiário final ocorrem em tempo real. O serviço está disponível para os usuários finais durante 24 horas por dia, 7 dias por semana e em todos os dias no ano. Em 18 de dezembro de 2018, o banco divulgou os requisitos fundamentais para o ecossistema brasileiro de pagamentos instantâneos, assumindo a infraestrutura de liquidação.
Para Pietro Bonfiglioli, da Fisher Venture Builder, empresa que administra fintechs e fornece relatórios setoriais, o fato de ter baixo custo não significa que haverá número reduzido de agentes intermediários na cadeia. No modelo que o BC já divulgou, há provedor de serviços de iniciação de pagamentos, um participante (Provedor de Serviço de Pagamentos – PSP) indireto ligado a um PSP direto – que vai conectar com a infraestrutura de liquidação -, e entre os dois haverá ainda um switch que vai fazer a transmissão da informação para a plataforma de liquidação do BC.
O que falta ser definido no Brasil
Entre os possíveis pontos que serão discutidos a partir de agora, estão a aceitação obrigatória do pagamento instantâneo pelos bancos e o estabelecimento de tarifas de baixo custo. Não se sabe ainda o impacto sobre serviços como DOC e TED, que representam uma importante fonte de receita para as instituições financeiras. A TED é um pagamento instantâneo que já existe desde 2012, mas limitada ao horário das 8h às 17h e com um custo médio de R$ 9. É possível também que o pagamento instantâneo impacte nas vendas por meio de cartões de débito.
“O Banco Central viu alguns problemas nos meios de pagamentos entre pessoas e entre pessoas e empresas e quer reduzi-los, assim como o uso do dinheiro em espécie. Hoje há apenas o cartão de débito, que certamente será impactado. Não acredito que será estabelecido um limite máximo para o pagamento instantâneo e transferência entre pessoas”, diz Bonfiglioli.
Ele observa que a intensão do BC é permitir que o pagamento instantâneo seja usado e seja mais rápido. Com isso, tende a ser um modelo em que todo mundo deverá ser obrigado a aceitar, semelhante ao open banking. “Um modelo em que aceita quem quer não vai funcionar de fato. Hoje, o uso de transferências eletrônicas está longe de seu potencial porque é cara, não acho que vão tentar restringir”, analisa Bonfiglioli.
Por meio de nota, a Febraban informa que a entidade e os bancos associados são favoráveis a medidas que reduzam a necessidade de circulação de dinheiro em espécie e veem o novo produto como uma inovação que trará mais conveniência ao consumidor, condizente com os investimentos que o setor bancário vem fazendo em modernização tecnológica.
Quanto a uma eventual canibalização dos serviços de DOC e TED, a Febraban entende que são serviços de utilidade diferente do pagamento instantâneo, que tem como objetivo principal substituir as transações em espécie e outras transferências de dinheiro de menor valor. Os três serviços conviverão e serão utilizados conforme a conveniência do usuário.
Para a Febraban, o impacto do pagamento instantâneo e o potencial de crescimento dependerão do resultado das discussões que vêm sendo conduzidas sob a liderança do Banco Central.
Guilherme Esquivel, diretor de pagamentos digitais e Labs da Mastercard Brasil e Cone Sul, diz que a empresa participa dos grupos de trabalho para definição do modelo e defende que o pagamento instantâneo pode usufruir da estrutura de pagamentos da indústria de cartões, que já tem uma base tecnológica capaz de atender essa necessidade –clearing, transferência eletrônica de fundos, etc.
“Além de termos a operação como bandeira e todo o modelo de arranjo de pagamentos, contamos globalmente com soluções que permitem apoiar todo o processo de pagamento imediato. Há dois anos, adquirimos a Vocalink, que executa exatamente esse tipo de transação para toda a cadeia do Reino Unido, fazendo o trabalho que a CIP [Câmara Interbancária de Pagamentos] faz no Brasil”, diz Esquivel.
Ele argumenta que, para fazer o processo de liquidação, o BC vai precisar de agentes e soluções, especialmente na liquidação instantânea de pequenas montas. “Se formos esperar o BC desenvolver tudo, vai levar muito tempo”, acredita o diretor da Mastercard.
Na avaliação dele, as novas tecnologias é que vão permitir que as transações tenham um baixo custo, e a escala é que vai dar sustentabilidade ao serviço. E observa que hoje o custo processual de transferências financeiras já é mais baixo.
“O custo para um banco de uma TED ou um DOC não é o que ele apresenta para o consumidor. Não custa não mais do que R$ 1 ou R$ 2. Na hora em que se promove competição entre os agentes, é possível que esses custos também caiam na ponta”, diz Esquivel.
Para ele, não há dúvida de que as principais instituições financeiras vão querer participar, porque ficar fora desse jogo vai implicar eles terem de ter dependência de um agente conectado à rede.
“Os bancos não estão preocupados com a canabalização de DOC e TED, e sim com os fluxos novos de dinheiro que hoje não estão representados no sistema financeiro e que, em dado momento, algum player novo entre na cadeia e atenda a esses fluxos novos. Outra ideia é buscar alternativas mais eficientes ao uso do dinheiro, que tem custos de transporte e ATMs”, prevê Esquivel.
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