O desembargador pediu que as decisões tomadas no âmbito da operação observem as garantias constitucionais, sob pena de não serem legitimadas. O embate jurídico se acentuou
As noites de sono de Michel Temer na sala da corregedoria no terceiro andar do prédio da Superintendência da Polícia Federal, no Rio de Janeiro, duraram apenas quatro dias. Preso na última quinta-feira (21), o ex-presidente ganhou liberdade nesta segunda-feira (25), após decisão do desembargador do Tribunal Regional Federal da 2ª região (TRF-2), Antonio Ivan Athié. O Ministério Público Federal (MPF) avisou que vai recorrer, mas operadores do Direito divergem quanto aos efeitos da reviravolta jurídica à operação.
Athié acatou pedidos de habeas corpus que beneficiam, além do emedebista, sete outros presos na Operação Descontaminação: Moreira Franco, ex-ministro, o coronel João Baptista Lima Filho e sua esposa, Maria Rita Fratezi, Carlos Alberto Costa (sócio do coronel Lima) e o filho Carlos Alberto Costa Filho, e Vanderlei de Natale, dono de uma empreiteira envolvida no suposto esquema de corrupção.
Carlos Alberto Montenegro Gallo, que não tinha pedido de habeas corpus, também foi contemplado. Ele é investigado em irregularidades junto à Eletronuclear.
No despacho, o desembargador alfinetou a decisão assinada pelo juiz Marcelo Bretas que prendeu o ex-presidente. “Reafirmo, por fim, que sou a favor da operação chamada ‘Lava-Jato’. Reafirmo também que as investigações, as decisões, enfim, tudo que, não só a ela concerne mas a todas sem exceção, devem observar as garantias constitucionais, e as leis, sob pena de não serem legitimadas”, escreveu.
Procuradores que integram a força-tarefa da Lava Jato no Rio divulgaram nota rebatendo a decisão do TRF-2. O grupo reafirmou que as razões para a prisão preventiva “são robustas e consistentes”, mas que respeita a liminar.
Guerra jurídica
O posicionamento do desembargador na decisão alimenta divergências judiciais em torno da Lava Jato. Athié não acatou os argumentos do MPF para a prisão do investigado.
“Constata-se que os malfeitos atribuídos ao paciente foram cometidos em razão do exercício de seu cargo efetivo na Justiça Federal, o que faz concluir que o fato de ele já se encontrar afastado do serviço público é suficiente para inviabilizar a perpetuação da fraude”, explica o magistrado em uma das justificativas.
Para o doutor em Direito Paulo Henrique Blair, da Universidade de Brasília, não há “escândalo” na soltura do ex-presidente do ponto de vista constitucional. Ele explica que a instância superior não entendeu como suficientes os argumentos apresentados pela Lava Jato para o encarceramento de Temer. O que não quer dizer, prossegue, que não haja novo pedido de prisão por outros motivos, com provas cabais para essa necessidade.
Professor de Direito da Universidade Federal do Ceará, Felipe Braga Albuquerque pontua que a decisão corrigiu excessos da operação. “Eu já esperava que ela fosse revogada. A decisão do Bretas é precária”, diz. Segundo Braga, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça “não têm permitido” prisões fundamentadas nas mesmas circunstâncias do ex-presidente, com base na “ordem pública”. “Acaba gerando arbitrariedade”.
Filomeno de Moraes, professor de Direito na Universidade de Fortaleza (Unifor), também argumenta que era esperada a decisão de libertar o ex-presidente. Ele diz que a prisão “era marcada por muitas críticas pela sua desnecessidade nesse momento, pela inconveniência, pela falta das bases jurídicas”. Para Moraes, a decisão do desembargador corrige falha e “nos faz refletir sobre o uso abusivo de prisão preventiva no Brasil de hoje”, como tem ocorrido sistematicamente na Lava Jato.
Trâmite
Como o ex-presidente ainda não é denunciado formalmente, muito menos condenado, Braga e Moraes reforçam que as opiniões se limitam ao processo constitucional, e não ao julgamento das provas colhidas pela operação, que ainda não foram apresentadas. No entanto, há divergências entre ambos em relação à imagem da Lava Jato a partir dos questionamentos jurídicos das decisões proferidas.
Braga acredita que a prisão preventiva de Temer, assim como outros episódios, enfraqueceram a operação. “Isso demonstra que a operação está colocando os pés pelas mãos, mais preocupada com a legitimidade popular do que a jurídica”. Moraes vê as divergências de instâncias como processo padrão do Direito. “Se as coisas aconteceram no nível institucional, não há como arranhar (a imagem da Lava Jato), correções precisam ser feitas”.
Liminar confirma ‘abuso’, diz defesa
Em nota, a defesa do ex-presidente Michel Temer (MDB) disse que a decisão do desembargador Antonio Ivan Athié, do TRF-2, que libertou o emedebista, é “resposta maiúscula” e “um bálsamo para a cidadania”. Segundo o advogado Eduardo Carnelós, “os termos candentes e fundamentados daquela decisão falam por si, e são suficientes para demonstrar quão abusivo foi o decreto de prisão preventiva expedido”.
O MDB nacional, partido de Temer, afirmou que a decisão “reconstituiu a ordem, reconheceu a arbitrariedade e violação dos procedimentos tomados e restabeleceu as garantias constitucionais”. O partido espera que, a partir de agora, “o curso das investigações se dê dentro da legalidade, com direito a defesa, até que a verdade seja restabelecida”.
Ex-ministro de Temer e seu fiel escudeiro, Carlos Marun gravou um vídeo e elogiou a decisão judicial. Também emedebista, o ex-deputado disse receber com “felicidade” a notícia da soltura do ex-presidente. Afirmou ainda que Temer “nunca teve uma conta no exterior” e que “tem um patrimônio absolutamente compatível com a renda auferida em mais de 50 anos de exitoso trabalho, que não possui vida nababesca, que teve seu sigilo bancário rompido há poucos dias, nada tendo sido ali encontrado que pudesse desaboná-lo”.
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