Deputados afirmam que entidade está aparelhada pelos partidos de esquerda e querem abrir a “caixa-preta” de repasses do governo
O anúncio do presidente Jair Bolsonaro da criação da “Lava Jato da Educação” fortaleceu ainda mais o movimento de deputados que tentam pressionar o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a contrariar deputados aliados do PCdoB e encampar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a União Nacional dos Estudantes (UNE). O objetivo da CPI é o de investigar os repasses feitos para a UNE nos últimos anos assim como a concessão de R$ 44,6 milhões como indenização por danos ocorridos durante a ditadura militar.
A CPI da UNE já foi solicitada duas vezes, em 2016. A primeira tentativa foi em maio daquele ano, quando o então presidente da casa, o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), aceitou o pedido apresentado pelo deputado Marco Feliciano (PSC-SP). Dias depois, Cunha foi afastado e o presidente interino, Waldir Maranhão (PP-MA), adiou a instalação da comissão por entender que não havia “fato determinado” a ser investigado.
Em outubro do mesmo ano, um novo pedido de instalação de uma CPI foi protocolado, sob a condução de Marco Feliciano (PSC-SP), Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ) e Cristiane Brasil (PTB-RJ). O presidente da casa já era Rodrigo Maia, que não decretou o início dos trabalhos da comissão. À época, dizia-se que Maia não queria contraria o aliado Orlando Silva (PCdoB-SP), ligado à UNE e que teria apoiado a sua reeleição.
Agora, mais uma vez presidente da Casa, Maia deve receber, nos próximos dias, um novo pedido de criação da CPI.
Dois deputados trabalham em paralelo para buscar as assinaturas necessárias para protocolar a requisição. Um deles é, novamente, Marco Feliciano. “Vou protocolar assim que amealhar as 171 assinaturas de meus colegas, o que será em breve”, ele afirma. O outro é um novato na casa, o deputado federal Filipe Barros (PSL-PR). Vereador em Londrina desde 2016, assim que assumiu o novo cargo em Brasília Filipe começou a coletar assinaturas para dar entrada em um novo pedido de investigação. Neste momento, ele reúne 100 assinaturas. Mas por que investigar a entidade?
“A UNE detém o monopólio do movimento estudantil. Não é permitida a existência de outra entidade que represente a vontade dos estudantes”, responde o deputado Filipe Barros. “Temos de investigar a UNE por vários motivos”, reforça Marco Feliciano. “O uso indiscriminado do dinheiro público em projetos faraônicos, como, por exemplo, a construção de uma sede na cidade do Rio de Janeiro, orçada em 60 milhões de reais, com espaço previsto muito acima das necessidades desse grêmio estudantil”.
Filipe Barros reforça: “A entidade está aparelhada pelos partidos de esquerda, que se utilizam da entidade para impor suas pautas partidárias”. O deputado diz que pretende abrir a “caixa-preta” da instituição. “Não sabemos quanto ela recebe de verbas públicas, quanto lucra com a produção das carteirinhas de estudante. Não existe prestação de contas.”
Histórico de peso
Fundada no Rio de Janeiro, então a capital do país, em 11 de agosto de 1937, a instituição que congrega as entidades estudantis estaduais tem um longo histórico de lutas em defesa das demandas da categoria. Em 1956, membros da UNE foram perseguidos pela polícia durante uma série de protestos contra o aumento da passagem do bonde no Rio de Janeiro.
Colocada na clandestinidade em 1965, durante a fase inicial do regime militar, a entidade liderou uma greve de mais de mil estudantes e continuou realizando congressos anuais – o 30º, realizado em 1968 em Ibiúna (SP), acabou com mais de 700 presos. A entidade também deu início aos protestos pelo impeachment do presidente Fernando Collor de Melo, em 1992.
Foram presidentes da UNE políticos conhecidos no cenário nacional em diferentes momentos da história do país, incluindo José Dirceu (PT-SP), José Serra (PSDB-SP), Aldo Rebelo (Solidariedade-SP), Lindbergh Farias (PT-RJ) e Orlando Silva (PC do B-SP). Orlando Silva, aliás, foi um dos articuladores das negociações que levaram o PC do B a votar em Rodrigo Maia para a presidência da Câmara. Procurado pela reportagem, ele não se manifestou sobre a nova tentativa de criar uma CPI para a UNE.
“Na legislatura passada protocolei um pedido idêntico”, diz Feliciano, “mas a comissão não foi instalada por manobras dos partidos de esquerda que dominam essa agremiação estudantil há décadas com vultosas verbas arrecadadas com venda da carteira de estudante e mensalidades e usadas com fins duvidosos”.
Denúncia de peso
A UNE é uma das poucas entidades autorizadas a produzir as carteirinhas de identificação dos estudantes, utilizadas para solicitar meia-entrada em shows e espetáculos. De acordo com o decreto 8.537, de 05 de outubro de 2015, só podem emitir o documento a União Nacional dos Estudantes (UNE), a Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG) e a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES).
O monopólio já foi questionado, por exemplo, com uma medida provisória de 2001, que acabou derrubada. Mas não é esse o principal motivo para um grupo de deputados pedir investigações sobre a entidade – ainda que a solicitação de maio de 2016 mencionasse a dificuldade em saber os valores exatos arrecadados pela instituição. Existe também o questionamento a respeito da concessão de uma indenização por danos causados pela ditadura, mas a principal suspeita repousa sobre uma apuração do procurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União.
Divulgada em 2012, a investigação apontava indícios de irregularidades na prestação de contas do repasse de dinheiro do governo federal. Na época, o procurador Marinus Marsico percebeu que verbas públicas haviam sido utilizadas, inclusive, para comprar cerveja, vinho, cachaça, uísque e vodca, além de freezer e telefone celular.
“Nós fizemos nosso trabalho, encaminhamos a denúncia”, afirma o procurador. “Mas o Congresso Nacional se omitiu ao não formalizar a Comissão Parlamentar de Inquérito. Essa é uma investigação de interesse público, e a CPI é a ferramenta adequada para levá-la adiante”.
A investigação percebeu que, na prestação de contas dos R$ 12 milhões repassados para a UNE e a União Municipal dos Estudantes Secundaristas (UMES) de São Paulo para financiar a realização de eventos culturais e esportivos, havia uma série de ilicitudes. Isso quando os gastos não foram simplesmente ignorados.
Ainda assim, as CPIS anteriores não avançaram. Por que avançaria agora? “Sabemos que na legislatura anterior a CPI não avançou por causa de um acordo com os partidos de esquerda”, diz Filipe Barros. “Esse cenário mudou. Nosso partido, o PSL, foi determinante para a eleição do presidente da casa, Rodrigo Maia”, afirma o deputado.
“Pelo bem da própria UNE, a instituição não deveria receber mais dinheiro público, sob pena de cair em descrédito e perder o motivo de sua existência”, afirma o procurador Marinus Marsico.
Procurada pela reportagem ao longo de duas semanas, a UNE não se manifestou.
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