Tudo em relação ao A380 sempre foi superlativo e o seu fim também muda o jogo na indústria aeroespacial, principalmente o fato de que a aeronave não entregou o custo-benefício prometido pelos super jumbos e que encantou companhias como a Emirates
O projeto mais ousado e a principal aposta da Airbus neste início de século foi precocemente finalizado. Doze anos após a entrada em serviço pela Singapore Airlines, o A380 deixará o portfólio da fabricante enquanto as últimas unidades são montadas nas instalações de Toulouse, na França. Um desfecho já esperado pelo mercado aeronáutico e que a companhia arrastou o quanto pôde.
“É uma decisão dolorosa para nós”, admitiu o CEO da Airbus, Thomas Enders. “Nós investimos muito esforço, muito recurso, muito suor, mas nós precisamos ser realistas”, resignou-se o executivo que deixa a empresa em breve para dar lugar a Guillaume Faury.
Tudo em relação ao A380 sempre foi superlativo, a começar pela própria aeronave e seus quatro motores, 72 metros de comprimento e 79 de envergadura, tudo pesando 276 toneladas quando vazio. O desenho marcado por dois andares inteiros capazes de transportar até 853 passageiros rendeu ao avião os apelidos de Rei dos Céus e Super Jumbo. Sem contar a logística de produção, que envolve transporte de peças, partes de fuselagem e asas em balsas e por pequenas estradas do interior da França.
O gigantismo da aeronave tinha uma proposta bastante clara e uma lógica simples, ao menos no papel. O aumento do tráfego aéreo mundial pediria um avião que transportasse o maior número de pessoas para reduzir a quantidade de pousos e decolagens nos principais aeroportos. Um A380 bastaria no lugar de dois aviões. Além disso, o longo alcance levaria a aeronave a qualquer parte do mundo sem precisar fazer escalas.
“A Airbus baseou seu caso de negócio em parte na análise de que o tráfego de passageiros dobraria a cada 15 anos e que o congestionamento nos aeroportos exigiria o A380. É uma história que foi vendida desde 2000 e que não funcionou”, analisa o diretor do Leeham News and Analysis, que acompanha o mercado aeronáutico mundial, Scott Hamilton.
Operar o A380 exigiu dos aeroportos adaptações significativas, tanto em relação a terminais, para dar vazão a tantos passageiros de uma só vez, como em sistemas de pátio e pistas, que precisam ser mais largas e resistentes. Na teoria, 12 aeroportos brasileiros são homologados para receber o gigante da Airbus, mas somente Guarulhos e Galeão estão aptos para o uso regular do avião.
Ao todo, 13 companhias aéreas compraram a ideia do produto da Airbus. A principal cliente, a Emirates Airlines, opera atualmente 109 unidades. A empresa de Dubai foi quem manteve o A380 vivo por mais de dez anos e, curiosamente, foi quem decretou o fim dele ao converter neste mês as últimas 25 encomendas do avião para outros modelos da Airbus. A aérea ainda aguarda 14 unidades do A380 até 2021 – a japonesa ANA fecha a carteira do avião com outros três exemplares.
O gigante da Airbus conseguiu emplacar entre as empresas do Golfo e do restante da Ásia e em algumas europeias, como Lufthansa, Air France e British Airways, de países ligados à administração da fabricante. Entretanto, nenhuma companhia aérea dos Estados Unidos foi seduzida pelo A380, o que reduziu consideravelmente a carteira de pedidos.
Fim dos grandes quadrimotores
O movimento da Airbus não marca apenas o encerramento da produção do A380, mas também dos grandes quadrimotores para transporte de passageiros. Em 2017, foi a Boeing que havia tomado a decisão de parar com a produção do 747-8, a versão mais recente do cinquentenário e consagrado avião, a Rainha dos Céus.
O 747-8 foi uma resposta da fabricante norte-americana para rivalizar com o A380. Mas em operação desde 2012, o competidor da Boeing não decolou. Com apenas 36 encomendas de companhias aéreas, terminou de entregá-las em julho de 2017, quando a empresa retirou de vez de seu prospecto de mercado a demanda por aeronaves muito grandes (VLA, very large aircrafts), para mais de 400 passageiros.
No relatório de mercado mais recente da Airbus, entretanto, essa categoria ainda está presente. A fabricante europeia previa mais de 1,5 mil aviões com mais de 400 assentos até 2037. Isso antes de o A380 sair do jogo. O próximo documento da companhia deve sair ainda no primeiro semestre deste ano.
O ponto que une Airbus e Boeing no declínio de seus gigantes são os motores. “Enquanto o A380 transporta mais passageiros do que qualquer outro avião comercial, a operação de quatro motores é mais cara na comparação com as modernas aeronaves de dois motores”, atesta o jornalista especializado em aviação do jornal USA Today, Ben Mutzabaugh.
A lógica simples diz que quanto mais motores, maior é o consumo de combustível. E em uma realidade em que o querosene de aviação incide consideravelmente nos custos das companhias aéreas, a conta final é de que operar o A380 e o 747-8 não vale a pena. E mesmo a tentativa de transportar mais gente para diluir os gastos não se concretizou.
Os motores de aeronaves se tornaram mais econômicos e confiáveis. Assim, não é mais necessário que um avião tenha quatro grandes geradores de força sob suas asas para transportar mais de 400 passageiros. Se antes não eram capazes de cumprir rotas tão longas, os bimotores fazem isso com certa facilidade. Os três voos mais longos da atualidade são realizados com aeronaves equipadas com dois motores – Newark-Cingapura, Auckland-Doha e Perth-Londres.
“Quando a Airbus lançou o A380 em 2000, o mercado era muito diferente. O Boeing 777-300/ER, por exemplo, foi lançado no mesmo ano, mas a infinidade de aviões de corredor duplo, com dois motores e de longo alcance ainda estava por vir”, explica Hamilton, do Leeham News and Analysis.
Desde o lançamento do gigante da Airbus, os bimotores com tais características foram lançados em sequência. A Boeing colocou na praça o Boeing 777-300ER, versão de longo alcance do 777-300, com capacidade para até 396 passageiros em duas classes. A fabricante americana ainda lançou o 787, com 330 assentos na configuração padrão.
A própria Airbus desenvolveu o A350-1000, que já está em serviço, para 387 passageiros, e renovou o A330 para a faixa dos 300 assentos.
Se esses aviões não chegam perto das mais de 500 poltronas comumente vistas nos A380, entregam mais economia e alcance muitas vezes maior, características suficientes para seduzir as companhias aéreas a trocarem seus gigantes por modelos menores.
Os substitutos do A380
O avião mais promissor para arrebatar parte do mercado que o A380 deixou é a nova versão da família 777 da Boeing. “Com o declínio do A380 e sem nenhuma aeronave para mais de 400 passageiros que esteja no horizonte, o 777X será o principal avião para rotas longas”, opina o analista do mercado aeronáutico da Bernstein Research, Doug Harned.
Ainda em desenvolvimento, o 777-9 deve voar pela primeira vez ainda este ano e tem previsão de entrega para a Lufthansa, cliente de lançamento, em 2020. É um avião que saiu praticamente novo da prancheta, apesar de usar como base os irmãos mais velhos, e é construído com materiais leves e motores de uma geração avançada. Dependendo da configuração interna, ele pode transportar até 414 passageiros em duas classes.
A contar pela carteira de pedidos, já é mais bem sucedido que o A380, por exemplo. São sete companhias aéreas que se comprometeram por 273 unidades. Entre elas está a grande cliente do A380, a Emirates Airlines. Só a empresa árabe comprou 115 unidades. O restante se distribui entre Lufthansa, Etihad Airways, Cathay Pacific, Qatar Airways, ANA e Singapore Airlines. Dessas, somente a Cathay não opera o gigante da Airbus.
Com o fim do A380, o mercado já cogita que a Airbus ficou livre para apresentar uma aeronave para ser o antídoto do 777-9. Ao esticar o atual A350-1000 em apenas quatro metros, a fabricante europeia conseguiria alocar mais 45 poltronas, jogando a aeronave para a faixa de 400 a 450 assentos. Segundo analistas, esse movimento deve ser tomado com cautela, sob o risco de a Airbus não repetir os mesmos equívocos do A380.
Confira matéria do Site Gazeta do Povo.
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