Acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro em ação penal da Lava Jato, o ex-ministro petista Guido Mantega fará aniversário de 70 anos dentro de 46 dias, em 7 de abril. Os prazos de prescrição dos crimes atribuídos a ele serão cortados pela metade. Com essa novidade, Mantega está na bica de se livrar da punição referente ao pedaço do processo em que é acusado de receber propina de R$ 50 milhões da Odebrecht. Deve-se o desfecho ao ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal.
Ex-ministro chefe da Advocacia-Geral da União na gestão Lula, Toffoli frequentou o primeiro escalão do governo junto com Mantega, então ministro da Fazenda. A despeito disso, o magistrado sentiu-se à vontade para atuar em processo que envolve o ex-colega. Em decisão individual e provisória, Toffoli trancou ação penal aberta no ano passado pelo então juiz Sergio Moro contra Mantega e o casal do marketing petista João Santana e Monica Moura. E retarda há quatro meses o julgamento de pedidos de revisão desse despacho.
Vai abaixo um resumo da encrenca em dez tópicos:
- Em decisão datada de 11 de setembro de 2018, Dias Toffoli concedeu liminar pedida pela defesa de Mantega, para suspender ação penal aberta por Moro em Curitiba. Nela, Mantega é acusado de trocar duas medidas provisórias que favoreceram a Braskem, empresa do Grupo Odebrecht, por R$ 50 milhões em propinas.
- Nos seu despacho, Toffoli sustentou que o caso deveria ser julgado não pela 13ª Vara de Curitiba, mas pela Justiça Eleitoral de Brasília, pois a verba procedente do Departamento de Propinas da Odebrecht irrigara a campanha à reeleição de Dilma Rousseff, em 2014. O ministro estendeu sua decisão a João Santana e Monica Moura, delatores do esquema.
- Toffoli realçou no seu despacho que a Segunda Turma do Supremo já havia consagrado o entendimento segundo o qual a competência para apurar o caixa dois é da Justiça Eleitoral. Ele enxergou na movimentação de Moro uma tentativa de burlar a decisão da Suprema Corte.
- Toffoli anotou: “Pois bem, à luz do entendimento fixado na ação paradigma, entendo, neste juízo de cognição sumária, que a decisão do Juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba tentou burlar o entendimento fixado no acórdão invocado como paradigma, ao receber a denúncia do Ministério Público Federal, acolhendo, sob a roupagem de corrupção passiva, os mesmos fatos que o Supremo Tribunal Federal entendeu —a partir dos termos de colaboração contidos na PET 6.986 —que poderiam constituir crime eleitoral de falsidade ideológica (artigo 350 da Lei 4.735/65), por se tratar de doações eleitorais por meio de caixa dois.”
- Decorridos 41 dias da liminar de Toffoli, sobreveio, em 22 de outubro de 2018, uma decisão da Justiça Eleitoral de Brasília. A juíza Mônica Iannini Malgueiro não enxergou nos autos a perspectiva de investigação de crime eleitoral. Por isso, mandou o caso ao arquivo.
- Mantega tentou pegar uma carona na decisão, requerendo à doutora Monica Malgueiro que arquivasse também os “crimes conexos” de corrupção e lavagem de dinheiro. Esquivando-se da esperteza, a magistrada entendeu que, não havendo crimes eleitorais a apurar, faltava-lhe competência para apreciar as imputações penais. A encrenca deveria retornar à origem: a 13ª Vara de Curitiba.
- Em 29 de outubro de 2018, apenas oito dias depois da decisão da juíza eleitoral, Sergio Moro endereçou a Toffoli um ofício. Nele, informou sobre a existência de “fato superveniente relevante.” Recebera havia três dias, em 26 de outubro, comunicação da Justiça Eleitoral de Brasília sobre o arquivamento do caso. E afirmou estar “aguardando, respeitosamente, pela possibilidade de retomar o trâmite da ação penal” contra Mantega e Cia.
- Em 30 de outubro de 2018, um dia depois da manifestação de Moro, chegou ao gabinete de Toffoli uma “reclamação” da procuradora-geral da República, Raquel Dodge. Escorando-se na decisão da Justiça Eleitoral, Dodge reivindicou a revogação da liminar de Toffoli, com a consequente retomada da ação penal aberta em Curitiba.
- Raquel Dodge pediu “urgência no julgamento”. Esmiuçou suas apreensões para Toffoli: “…Em 7 de abril de 2019, Guido Mantega completa 70 anos de idade, o que fará incidir, em relação a ele, a causa de redução de pena prevista no art. 115 do Código Penal. Ou seja: em breve, Guido Mantega terá em seu favor prazos prescricionais mais curtos.” A procuradora-geral insistiu: se a decisão do Supremo vier “após 7 de abril de 2019, ou em data muito próxima a esta, ocorrerá a prescrição da pretensão punitiva […] no que tange ao crime de corrupção passiva…”
- Noutras circunstâncias, a ministra Cármen Lúcia, que herdou os processos de Toffoli ao ser substituída por ele na presidência do Supremo, poderia ter autorizado a retomada da ação penal de Curitiba há quatro meses. Entretanto, Toffoli fez questão de manter sob seus cuidados o processo que envolve Mantega. Embora esteja datada de 11 de setembro, a liminar que suspendeu a ação penal aberta por Moro foi divulgada apenas em 13 de setembro de 2018, mesmo dia em que Toffoli assumiu o comando do Supremo.
Moro já virou ministro de Jair Bolsonaro e Toffoli ainda não desengavetou o processo contra Mantega. O Ministério Público Federal receia que, em relação à imputação de corrupção passiva, a prescrição tornou-se jogo jogado. Avalia-se que as provas são consistentes. Entretanto, ainda que Toffoli abrisse a gaveta agora, não haveria tempo para a confecção da sentença judicial antes que Mantega soprasse as 70 velinhas.