Por Fernando Jasper
O governo prometeu para esta quarta-feira (20) a apresentação da reforma previdenciária. Saberemos, então, se o presidente Jair Bolsonaro topou mexer no maior vespeiro da Previdência: o piso equivalente a um salário mínimo.
A ideia de rebaixar esse piso e pagar benefícios previdenciários e assistenciais inferiores ao mínimo, que volta e meia aparece em propostas de reforma elaboradas por especialistas, foi estudada pela equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes. Ainda não se sabe se ela constará do texto que Bolsonaro vai levar ao Congresso, embora aliados do governo tenham deixado escapar que a chamada “desvinculação” possa afetar pelo menos o BPC, um programa que garante renda mínima a pessoas de baixa renda – idosas ou com deficiência – que não contribuíram o suficiente para conseguir se aposentar.
O salário mínimo, hoje em R$ 998, é o piso do INSS. Pela lei, nenhuma aposentadoria, pensão ou auxílio pago pela Previdência Social pode ser inferior a ele – e quase 60% dos benefícios têm exatamente esse valor. O piso salarial também é referência para o já citado BPC, o seguro-desemprego e o abono salarial.
Assim, cada vez que o mínimo é reajustado, os gastos públicos também aumentam. Cada R$ 1 a mais na remuneração se converte em pouco mais de R$ 300 milhões adicionais nas despesas federais.
Se o governo pudesse pagar benefícios inferiores a um salário mínimo, portanto, economizaria um bom dinheiro. É exatamente o que sugerem alguns dos defensores de mudanças na Previdência. Caso, por exemplo, dos economistas Armínio Fraga e Paulo Tafner, autores de uma das propostas de reforma avaliadas pelo governo. Segundo eles, desvincular o piso do INSS do salário mínimo “permitirá que o salário mínimo cresça, segundo a evolução da produtividade de nossa economia, sem trazer pressão para a previdência”. Eles recomendam um piso previdenciário equivalente – no início – a 70% do salário mínimo.
A desvinculação também foi elencada entre as medidas que a equipe econômica do então presidente Michel Temer sugeriu ao novo governo no fim do ano passado, com o argumento de que a equiparação ao salário mínimo compromete o equilíbrio atuarial da Previdência. Os autores do documento calcularam que, se os benefícios do INSS e o BPC passassem a ser corrigidos apenas pela inflação, o governo economizaria pouco mais de R$ 62 bilhões em quatro anos.
Se por um lado é atraente do ponto de vista das contas públicas, desvincular o salário mínimo do piso previdenciário pode comprometer o discurso ensaiado pelo governo para tentar aprovar a reforma. A promessa de Paulo Guedes é combater privilégios e fazer com que ricos e pobres sigam as mesmas regras. Rebaixar o piso do INSS passaria a mensagem oposta.
Guedes costuma dizer que a Previdência é uma “máquina perversa de transferência de renda” dos mais pobres para os mais ricos, uma “fábrica de desigualdades”. Em parte, ele está certo: diversos estudos constataram que muitos dos benefícios pagos pelo INSS e principalmente pelos regimes próprios dos servidores públicos são concentradores de renda e elevam a desigualdade, por favorecerem as camadas mais ricas da população.
Ocorre que a vinculação do piso do INSS ao salário mínimo está justamente entre as regras que caminham no sentido oposto e ajudam a distribuir renda, por favorecer quem ganha menos. Depois de muitos anos de aumento real do salário mínimo, é comum que trabalhadores que ao longo da vida ganharam em média menos de R$ 998 consigam se aposentar recebendo esse valor. Quer dizer: por menor que seja o salário mínimo, para essas pessoas ele representa um aumento na renda. O mesmo ocorre com o BPC.
É por essa vinculação que alguns estudiosos apontam que a Previdência deu a segunda maior contribuição para a redução da pobreza e da desigualdade na década passada, atrás apenas da expansão do mercado de trabalho formal.
Mas o fato de elevar a renda dos mais pobres não significa que o piso da Previdência seja a melhor ferramenta para a redução da desigualdade. Sabe-se há tempos que o Bolsa Família é muito mais eficiente nesse trabalho, ainda que pague no máximo R$ 372 por família.
Ao contrário da Previdência e do BPC, que são mais voltados à população mais velha, o Bolsa Família beneficia principalmente as famílias mais jovens. E são elas as mais pobres: 56% da população de zero a 14 anos vive na pobreza ou na extrema pobreza, enquanto que pouco menos de 10% dos idosos estão nessa situação.
Esse contraste leva muitos especialistas a defender que, num cenário de recursos escassos, o governo deveria se concentrar em melhorar a vida dos mais jovens. E que poderia fazê-lo com o dinheiro que pouparia ao gastar menos com pensões e aposentadorias.
Pode ser. Mas, num país que torra bilhões de reais com auxílios para autoridades que ganham o teto constitucional (e pela discutível lógica do “direito adquirido” continuará torrando, por mais rigorosa que a reforma da Previdência possa ser com o andar de cima), está para nascer quem convença um aposentado de que um salário mínimo por mês é muito.